Famílias cobram respostas por mortes de jovens em Itu (SP)

Rian Campos e Antony Lisboa foram mortos em maio por policiais civis do “Bonde do Moacir”. Parentes e movimento social preparam protesto neste sábado (21/12)

Panfleto de divulgação do protesto organizado por familiares amanhã em Itu (SP) | Foto: reprodução/redes sociais

A angústia e o desespero já somam 218 dias na vida da auxiliar de limpeza Rosemary Alves de Campos, de 48 anos, desde que seu filho Rian Gustavo Alves de Campos, 23, foi morto em uma ação do Bonde do Moacir — grupo de policiais civis que são investigados por denúncias de execução, agressões e tortura. O inquérito ainda não foi concluído.

“Já são sete meses que está tudo parado”, lamenta Rosemary à reportagem. Rian e Antony Juan Nascimento Lisboa, 16, foram baleados no dia 16 de maio. Testemunhas ouvidas pela Ponte relataram que Rian não estava armado — e que a arma encontrada com ele teria sido “plantada” pelos policiais. Eles negam, e alegam que foram recebidos a tiros durante uma abordagem em um matagal próximo ao Conjunto Habitacional Vila Lucinda, conhecido apenas como CDHU (sigla para Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo), na periferia de Itu, interior paulista.

Leia também: ‘Quero sair de Itu’, diz familiar de vítima após eleição de líder do ‘Bonde do Moacir’

A falta de resposta sobre o caso fez com que as mães dos jovens, bem como familiares de outras possíveis vítimas do Bonde do Moacir, marcassem um protesto previsto para ocorrer neste sábado (21/12), em conjunto com a Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, movimento social que denuncia violações de direitos humanos nas periferias.

“Eu perdi meu filho e ainda somos colocadas como integrantes do crime”, diz a professora Monalisa Rosa Alves da Silva, 46, mãe adotiva de Antony. Ela se refere às mensagens que líder do Bonde, o investigador Moacir Cova, divulgou em um grupo de WhatsApp associando, sem provas, a ida das mães à Corregedoria da Polícia Civil em maio a uma “caravana do crime organizado”.

O investigador da Polícia Civil Moacir Cova foi eleito com 2.881 votos nas eleições municipais de 2024 em Itu | Foto: reprodução/Facebook/Moacir Cova

‘A morte sorriu’

No dia das mortes dos jovens, o investigador Bruno Bolpete Ceccolini, o K9, fez uma postagem comemorando o desfecho da ação nos stories de seu perfil no Instagram — onde acumula mais de 13 mil seguidores. “A morte sorriu para mim e para o Moacir… Nós, sorrimos de volta. Revidamos com técnica, velocidade e precisão!!! 2 CPFs cancelados”, postou, marcando o parceiro, e um vídeo dizendo “mãe de bandido deveria chorar”.

Segundo Monalisa, o adolescente enfrentava dificuldades por conta dos problemas com a família biológica e ela tentava fazê-lo voltar à escola para ter uma vida normal. “Eles [os policiais] tiraram a chance de eu ver meu filho se recuperar porque, se ele estava fazendo algo de errado, que levassem para a Fundação Casa”, lamenta.

À Ponte, mães relatam que foram desestimuladas a realizar a manifestação pelas autoridades. Rosemary conta que foi à Prefeitura no dia 5 de dezembro solicitar autorização para o ato no Centro de Educação Ambiental (CEA) Miguel Lorente Villa, um parque no bairro Presidente Médici.

“Me disseram para ligar no setor de obras. Liguei no dia seguinte porque disseram que iam fornecer ambulância, uma viatura, caixa de som, água. Mas aí retornaram dizendo que não tinha mais como fazer porque tinha uma manutenção agendada no dia”, afirma. O grupo manteve o protesto para sábado, das 14h às 17h. “A população precisa saber o que fizeram com o meu filho e a gente não pode se calar.”

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O temor se soma ao fato de que o líder do bonde foi eleito o vereador mais votado durante as eleições deste ano na cidade — enquanto é investigado em ao menos oito inquéritos que a reportagem localizou. Em uma transmissão ao vivo em 4 de novembro, Moacir disse que não deixaria as funções de polícia mesmo sendo parlamentar. “Eu não vou me afastar da polícia em virtude do cargo. Eu vou exercer os dois porque a carga horária não colide com a carga horária de vereador”, declarou.

Aparentemente, o vereador se refere à Lei Lei 8.112/1990, que trata do regime jurídico dos servidores públicos civis federais, que permite que servidor público eleito a vereador receba a remuneração das duas funções, mas quanto ao exercício do cargo, mesmo se não houver incompatibilidade de horários, o servidor será afastado. Além disso, a Lei Orgânica da cidade de Itu veda o acúmulo remunerado de cargos públicos, com exceção de professores e profissionais de saúde.

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Os investigadores Bruno Bolpete Ceccolini e Cirineu Yasuda Alves de Lima continuam atuando na cidade e postando ocorrências em suas redes sociais, apesar de normativa da Polícia Civil de São Paulo vedar exposição relacionada a armamentos e estrutura da corporação.

O que dizem as autoridades

A Ponte procurou a Prefeitura de Itu a respeito dos óbices para a realização do protesto no Centro de Educação Ambiental Miguel Lorente Villa, mas não houve retorno.

Também buscamos a Secretaria da Segurança Pública (SSP) sobre as apurações contra os policiais civis na Corregedoria, a investigação das mortes de Antony e Rian e a declaração de Moacir quanto ao acúmulo de funções. Até a publicação, a Fator F, assessoria terceirizada da pasta, não respondeu.

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