Tauã e Luiz Henrique foram presos sob suspeita de roubar um carro na zona norte de São Paulo; Segundo amigos, não há provas, a polícia baseou apenas na cor da pele, da camiseta e no cabelo para prendê-los
Próximo de completar dois meses que os jovens empreendedores Luiz Henrique Policarpo de Brito e Tauã Ribeiro dos Santos, ambos de 20 anos, estão presos injustamente, familiares e amigos fizeram uma manifestação na região da Brasilândia, zona norte da cidade de São Paulo, no início da tarde deste sábado (05/03).
Segundo os familiares, os amigos foram presos por serem negros e usarem uma camisa azul e um penteado que está na moda nas periferias, que é o cabelo alto e jogado para trás, conforme descrito no próprio boletim de ocorrência.
“Tauã e Luiz são dos jovens negros aqui da Brasilândia que estão presos injustamente. E quem diz que é injusto não sou eu e não são as famílias, o próprio boletim de ocorrência mostra que é injusto, porque a única razão para prendê-los é a cor da pele e o penteado. isso é um absurdo. Ser negro não é crime, e usar o cabelo como quiser, também não. O Estado pensa que pode chegar aqui na Brasilândia e fazer o que quiser, e vai ficar por isso mesmo. O recado de hoje é que isso não vai ficar assim”, explicou o sociólogo Israel Luz, de 36 anos, ao começar a manifestação.
Luiz e Tauã, que são donos de lava-rápidos, foram presos no dia 15 de janeiro, apontados como responsáveis pelo roubo de um Chevrolet Onix. No dia da prisão, os jovens negros estavam com um amigo branco, que acabou sendo liberado após um processo de reconhecimento irregular.
Para a mãe de Tauã, a dona de casa Aldenir Ribeiro dos Santos, de 43 anos, o filho está preso por racismo. “Como pode prender alguém só por causa da cor da pele, da camisa ou do penteado?”, questiona a mãe. E esses são mesmo os únicos indícios apontados pela polícia para um possível envolvimento dos amigos no crime. Segundo consta no inquérito policial, o dono do Chevrolet Onix roubado apontou apenas que os ladrões eram negros, um usava uma camiseta azul e outro tinha cabelo alto penteado para trás.
Tauã e Luiz estavam com Matheus, o amigo branco a quem Luiz iria ensinar a dirigir. Eles haviam trabalhado durante o dia, comeram à noite e, no início da madrugada, iriam com o carro que Matheus havia comprado há pouco tempo para uma via menos movimentada, onde seria possível ensinar o amigo a dirigir. Quando chegaram no local, no entanto, PMs abordaram os amigos e, então, começou o processo irregular de reconhecimento.
Segundo Matheus, os PMs fotografaram os amigos e enviaram a imagem para o dono do Chevrolet Onix fazer o reconhecimento. Os dois amigos negros foram apontados como os ladrões pela pessoa que havia acabado de ser roubada, e os PMs, o delegado Anselmo Carvalho Santalena, do 72º DP (Vila Penteado), a promotora promotora Juliana Carosini e a juíza Débora de Oliveira Ribeiro, do Tribunal de Justiça de São Paulo,decidiram inicialmente acreditar na versão e no reconhecimento irregular, mantendo os jovens presos.
A mãe de Tauã diz que esse é um episódio de racismo que se repete na vida do filho. Segundo ela, há cerca de quatro anos, o menino estava brincando na rua com um primo quando a PM chegou para acabar com um baile funk que acontecia na região. Os policiais decidiram abordar Tauã e o primo e, durante a ação, disseram que os dois só seriam liberados se começassem a brigar, dando tapas no rosto um do outro. Em seguida, o filho de Aldenir passou a ser agredido pelos PMs com chutes e socos. “Os policiais deram uma ‘pezada’ no Tauã que ficou a marca da bota, eu precisei levar ele para o médico”, conta a mãe.
O mesmo conta a operadora de caixa Jaqueline Santana, de 32 anos, irmã de Luiz. Ela também acredita que os jovens foram presos por serem negros, e essa não é a primeira vez que a cor da pele do menino faz com que ele seja vítima de violência. “Teve outra vez que meu irmão levou um tapa no rosto, e eu presenciei”, conta. Em outra ocasião, Jaqueline lembra que Luiz “estava com o cachorro, que vive 24h com ele, e em um momento da abordagem, o cachorro latiu e o policial deu um chute no cachorro. Vi os olhos do meu irmão encherem de lágrimas”.
A manifestação pela liberdade dos jovens aconteceu com apoio da Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio. Para a psicóloga e articuladora do coletivo Marisa Feffermann, esse caso é “mais um que não há investigação, as provas são ignoradas” e a prisão acontece de forma arbitrária, tendo como base apenas a versão policial. “A gente tem uma questão estrutural nesse caso, que coloca o jovem negro como elemento suspeito em qualquer ocasião”, diz.
No protesto, o grupo apresentou faixas e cartazes pedindo a liberdade dos jovens e dizendo que eles são inocentes. Além disso, palavras de apoio às famílias e denunciando a prisão injustas eram entoadas na manifestação, que tomava a rua toda vez que o semáforo da avenida Deputado Cantídio Sampaio fechava para os veículos. O ato durou cerca de duas horas, e terminou de forma pacífica.
No início de fevereiro, a Ponte questionou a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo sobre o processo irregular de reconhecimento dos rapazes. Por meio de nota, a pasta disse que “os dois foram presos em flagrante por roubo com emprego de arma de fogo, no dia 15 de janeiro, e levados ao 72º Distrito Policial (Vila Penteado). Na unidade policial, a vítima reconheceu pessoalmente a dupla, durante o procedimento de reconhecimento”.
Na ocasião, o Ministério Público de São Paulo também foi questionado pela reportagem. Também por nota, o MP-SP informou que “a denúncia foi oferecida no mesmo dia da vista, em 25 de janeiro de 2022 – dada a máxima atenção à celeridade em hipótese de indiciados presos -, presentes indícios de autoria e prova da materialidade – prisão em função das características passadas à polícia; próxima do veículo recém roubado; com reconhecimento pessoal positivo e indubitável e sem, até o presente momento, qualquer manifestação diversa da r. Defesa pessoal ou técnica nos autos, senão pedido de imagens de câmeras de segurança do local, o que já foi objeto de concordância por parte do Ministério Público. As provas dos autos continuarão sendo observadas com o mesmo rigor”.
Tauã e Luiz Henrique seguem no CDP de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, em prisão preventiva (sem prazo para sair), e o caso está em segredo de Justiça.