Perito forense consultado pela Ponte afirma que ataque parece real: ‘Pelos ferimentos dela, não houve conivência, foi feito com um canivete e à força’, analisa Eduardo Llanos
Uma jovem de 19 anos registrou um boletim de ocorrência na Polícia Civil de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, na última terça-feira (9/10), após ser agredida com socos por três homens, que ainda desenharam uma suástica, símbolo adotado pelo nazismo alemão. De acordo com o registro feito pela vítima na Polícia Civil, ela vestia uma camiseta escrita ‘Ele Não’, em referência ao movimento que condena o discurso violento do candidato à Presidência de extrema-direita, Jair Bolsonaro (PSL).
O delegado responsável pelo caso, Paulo César Jardim, titular da 1º DP de Porto Alegre, em entrevista à Rádio Gaúcha na tarde desta quarta-feira (10/10), afirmou que a imagem riscada na pele da jovem não é um símbolo nazista. “Não existe suástica marcada no corpo dela. O que nós temos ali é um símbolo milenar religioso budista, se tu for procurar no Google vai encontrar como um símbolo de amor, paz e harmonia”.
Questionado pelo repórter se não seria pelo desconhecimento de quem fez, o delegado respondeu: “Aí eu não posso imaginar. Não posso fazer esse tipo de viagem. ‘será que a pessoa não se enganou?’ Eu tenho que ser técnico e objetivo”, afirmou.
Segundo Jardim à Rádio Gaúcha, duas equipes da Polícia Civil estão na rua e nas proximidades de onde ocorreu o fato procurando possíveis imagens de câmeras e testemunhas do ocorrido. “Como aconteceu na segunda-feira e só tivemos conhecimento agora de tarde, a movimentação só está acontecendo agora. Até o presente momento estou trabalhando com o que tenho”explicou.
O delegado evitou associar o fato aos episódios de violência que estão ocorrendo devido às eleições. “Até o presente momento estou trabalhando com o que tenho. Se a gente for pensar dessa forma eu posso imaginar que o que ele fez foi um coelhinho da páscoa, papai noel, sei lá. O que a gente tem é isso. Não é uma suástica e tenho absoluta convicção”, afirmou.
A amiga da vítima, Ady Ferrer, relatou em sua conta do Facebook que, além da camisa com os dizeres #EleNão, a jovem carregava uma bandeira LGBT amarrada em sua mochila. Segundo Ady, a amiga, que é lésbica, passava na rua quando começou a receber ofensas.
Após responder às ofensas, segundo a versão da amiga, a vítima foi agredida com socos e dois homens seguraram seus braços enquanto o terceiro “cravava uma suástica na costela” da vítima. “Uma suástica cravada na costela de uma brasileira lésbica, que não chegou nem aos 20 anos. Uma marca de opressão e ameaça, não só à L*, mas a todas as minorias do país”, disse Ady na postagem. A jovem, de 20 anos, não quis gravar entrevistas por estar em “pânico com a situação”, segundo Ady.
‘Pelos riscos, é como se tivessem feito 3 suásticas nela’, diz perito
Segundo o perito forense Eduardo Llanos, a afirmação do delegado Paulo, sobre ser um símbolo budista, não faz sentido. “Isso é história de quem não quer investigar, porque por mais que exista um símbolo similar a uma suástica no budismo, se fosse budista não teria sido feito de forma agressiva. Pelos ferimentos dela, não houve conivência, foi feito com um canivete e à força”, afirmou Llanos.
O perito analisou a foto do ferimento da vítima e avaliou que o ferimento foi produzido de forma irregular. “Dá para ver que foi feito às pressas, que não é algo bem definido. Possivelmente foi feito com um canivete, porque não apresenta profundidade, mas é como se tivessem feito 3 possíveis suásticas nela, por conta dos riscos paralelos”, disse Llanos.
O perito disse ainda que, pelos ferimentos e a posição deles, é possível sim que a vítima tenha sido segurada por duas pessoas. “É possível ver hematomas no braço dela, que é onde eles seguraram para que ela não resistisse. Obviamente, analisando a situação, é possível que ela não tenha resistido muito, até porque eram três homens com uma arma branca”, explicou.
Sociedade Budista repudia declaração do delegado
O presidente da Sociedade Budista do Brasil, João Nery Rafael, recebeu com grande ‘perplexidade’ a afirmação do delegado de que a suástica riscada na jovem seria um símbolo budista que representa ‘paz e harmonia’. “Muito embora exista esse tipo de símbolo no budismo antigo, é impossível atribuir esse tipo de crime a uma motivação budista. Trata se claramente de uma motivação neo nazista e de ódio. Valores opostos aos pregados pelo Buddha”, analisa.
No início da noite desta quarta-feira (10/10), o Correio do Povo divulgou que a vítima desistiu de representar criminalmente os agressores. Na prática, o delegado desistiu de investigar porque entendeu que é um mero crime de lesão corporal leve, classificada como ação penal pública condicionada, ou seja, em que o Ministério Público e a polícia só podem agir por representação da vítima. Como a jovem desistiu, a investigação foi encerrada. O delegado poderia ter entendido que havia ali um crime de divulgação do nazismo ou mesmo de preconceito, e nesse caso ele poderia, sim, investigar independente da vontade da vítima.