Fascistas, monarquistas e golpistas: 7 de setembro tem ato pró-Bolsonaro em SP

Bicentenário da Independência do Brasil foi ofuscado com clima de comício na Avenida Paulista; mais cedo, Grito dos Excluídos, na Praça da Sé, distribuiu alimentos a pessoas em situação de rua e criticou festividades em meio a fome no país

Apoiadores de Bolsonaro carregam caixão com a efígie do ministro do STF, Alexandre de Moraes | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

Fantasiada de militar (ou com um uniforme oficial tamanho XP), uma criança começa a cantar fora de tom o Hino da Independência. No chão, cidadãos paramentados de verde e amarelo ou com estampa camuflada verde-oliva perambulam de um lado para o outro entre os 13 trios elétricos dispostos na tarde desta quarta-feira (7/9) na Avenida Paulista, região central da cidade de São Paulo. O ato em apoio à reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL) reuniu uma suspeita fauna de literais fascistas, emocionados monarquistas e golpistas sem vergonha em uma das principais vias da capital paulista.

PMs tiram foto ao lado de apoiadores de Jair Bolsonaro | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

O sequestro da comemoração do Bicentenário da Independência para virar plataforma eleitoral de Bolsonaro começou um ano antes, no 7 de setembro de 2021, quando o presidente fez um ensaio de autogolpe que acabou frustrado pela falta de tenacidade de seus apoiadores — como não lembrar dos iludidos com o suposto “Estado de Sítio” que teria sido instaurado então pelo ex-capitão?

Bandeira do Brasil estampa o rosto do presidente Jair Bolsonaro | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

A manhã desta quarta começou já pitoresca. Depois de uma aparente discussão com a primeira-dama Michele Bolsonaro antes de se dirigir ao evento, Bolsonaro terminou seu discurso, temperado com ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF), puxando um vergonhoso coro de “imbrochável” perante a plateia em Brasília. Enquanto isso, debaixo de forte chuva, na Praça da Sé, centro da cidade de São Paulo, militantes de movimentos sociais, religiosos e sindicais distribuíam alimentos para a população de rua no 28º Grito dos Excluídos (leia mais no fim da reportagem).

28ª edição do Grito dos Excluídos, na praça da Sé, em São Paulo | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

No início da tarde a chuva deu uma estiada e os manifestantes pró-governo passaram a ocupar a Avenida Paulista. Apesar de os atos terem um número menor de participantes do que em 2021, não chegaram a ser aquilo que a juventude definiria como um “flop”, um fracasso total.

Entre berrantes, infláveis com Bolsonaro montado em um cavalo e caixões com rostos dos ministros do STF, circulavam manifestantes com cartazes atacando diretamente a imprensa. Gilberto Carderelli, 86 anos, médico aposentado, dava o tom golpista do ato: “Se o Supremo não roubar as eleições, o Bolsonaro ganha no primeiro turno. Para mim o Supremo é um ninho de hienas, risonhas e histéricas”.

Inflável com o presidente Jair Bolsonaro montado em um cavalo | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

Já Odete Marques Costa, 72 anos, tecnóloga em recursos humanos, foi à Paulista pela causa monarquista: “A gente apoia a monarquia pelos conceitos de família, de religiosidade. Eu não estudei muito a fundo, estou lendo ainda sobre o tema. O rei seria como o presidente e regeria o parlamento”, explica. “Eu fico  pensando nas crianças — eu não tenho netos, mas tenho familiares que têm. A gente quer um país livre, onde as pessoas possam trabalhar, e não viver de mendingância (sic) do governo”, completa, contendo as lágrimas, em frente a um trio elétrico que também trazia um busto de Dom Pedro I.

E como levantar a tampa do bueiro sempre traz o risco de trazer as baratas à luz, não faltaram fascistas descarados a marcharem pela avenida. Um grupo de ativistas da Frente Integralista Brasileira, organização neofascista que prega os ideais de Plínio Salgado e que já teve em suas fileiras um dos responsáveis pelo atentado terrorista contra a sede da trupe Porta dos Fundos em dezembro de 2019 (e que teria sido expulso depois do episódio), agitavam suas bandeiras azuis com o sigma sem serem importunados. 

Juan Alves, 39 anos, militante do integralismo, movimento fascista brasileiro | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

Juan Alves, 39 anos, montador e militante neointegralista, se desdobrava ao falar com a reportagem para tentar negar o fascismo latente no ideário do movimento. Citando uma conversa de uma hora e meia entre Plínio Salgado e o Il Duce Benito Mussolini, líder dos fascistas italianos, Alves afirmou que “sim, o integralismo não tem nenhum vínculo com o fascismo, nenhum vínculo com o nazismo”. O mote integralista “Deus, pátria e família”, já apropriado por Bolsonaro, era ainda um grito frequente por toda a Paulista.

No Rio de Janeiro, depois de ter a sua motociata hostilizada por usuários do transporte coletivo (como mostra o imortal registro da jornalista Lola Ferreira), Bolsonaro subiu no trio elétrico do pastor Silas Malafaia para o segundo discurso do dia. Em 15 minutos, o presidente voltou atacar o STF e chamou o adversário e ex-presidente Lula (PT) de “quadrilheiro de nove dedos” que deveria ser “extirpado da vida pública”. No chão, além da micareta geriátrica costumeira, um guindaste levantava um banner reeditando os ataques de Bolsonaro à jornalista Vera Magalhães.

Manifestante vestido de palhaço segura cartaz contra a imprensa | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

O clima hostil a jornalistas se fez presente na manifestação da Avenida Paulista. Cartazes com dizeres “o jornalismo morreu”, “a mídia mente, Brasil love (sic) Bolsonaro”, além de ataques à Rede Globo, Folha e Grupo Bandeirantes eram entoados. A Ponte, para se preservar, escondeu os crachás por baixo da roupa enquanto transitava pelo público e se identificava quando se aproximava de alguma pessoa para pedir entrevista.

A reportagem presenciou outros colegas que também tentavam não transparecer que eram profissionais de imprensa. Em uma semana, Bolsonaro atacou duas jornalistas mulheres, a própria Vera e também Amanda Klein, da Jovem Pan, ao ser confrontado, respectivamente, sobre vacinação e a aquisição de 51 imóveis em dinheiro vivo, como revelou o portal UOL, e o esquema de “rachadinhas” pelo qual seu filho, o senador Flavio Bolsonaro (PL-RJ), é investigado.

Grito dos Excluídos

O clima à tarde na Paulista era diametralmente oposto à 28ª edição do Grito dos Excluídos, que começou às 9h sob forte chuva na Praça da Sé, também na região central, sob o mote “Brasil: 200 anos de (In)dependência para quem?”. O ato tradicional da esquerda foi criado na década de 1990 por setores progressistas da Igreja Católica e busca dar voz a quem está às margens da sociedade em um dia em que se celebra a independência do país.

Tendas da Prefeitura de São Paulo fechadas na praça da Sé | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

Em frente a barracas da Prefeitura de São Paulo fechadas para o público, equipes como a do Instituto CEU Estrela Guia montavam refeições para a população de rua, que costuma se concentrar no local. No cardápio, além de sanduíches quentes, frutas doadas por sindicatos e arroz doce do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Uma servidora do governo municipal disse que a tenda só abriria às 18h por conta da Operação Baixas Temperaturas e que “não seria necessário” antecipar o acolhimento porque havia tendas de movimentos sociais e sindicatos na frente distribuindo alimentos.

Edvaldo Gonçalves, cofundador e coordenador do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR), explica a natureza do Gritos dos Excluídos: “A independência é uma ficção porque até hoje temos a falta de políticas públicas para todos, nossas riquezas vão para fora do país e não temos cidadania de verdade. Só vamos ser independentes quando o povo pobre tiver acesso às políticas públicas e ao que é determinado pela Constituição, porque nos últimos anos o que houve só foi desmonte deste desgoverno”.

Militantes durante a chuva na manhã deste 7 de setembro | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

O pastor Eliel Batista, da Frente Inter-religiosa Dom Paulo Evaristo Arns por Justiça e Paz, cobrou que as candidaturas que disputam as eleições deste ano tenham propostas que visem a população mais vulnerável e que combatam “um neofascismo perverso” pois “a democracia está ameaçada”.

“Essa necropolítica está armando a população e destruindo nossas matas, acabando com povos originários, silenciando minorias, levando o povo à fome, lançando famílias para debaixo de viadutos e desmontando políticas públicas de inclusão”, declarou. “É esse neofascismo que está deturpando a fé religiosa e ocasionando a corrupção da democracia, por isso religiosos sérios pedem que na eleição tenham mais respeito com a fé e cumpram com o dever de garantir os direitos básicos do povo porque um governante que não tem empatia com quem está de luto e não ouve o choro da fome é inimigo de Deus e demônio do povo”, discursou.

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Por perto, Roger de Jesus, 40 anos, desempregado e há quatro meses em situação de rua, segurava duas placas de sua autoria com uma bandeira do Brasil e a palavra “fome” sobreposta em vermelho: “Fiz a placa aqui com as pessoas para mostrar que ainda existe muita gente passando fome”. Segundo relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), mais de 60 milhões de brasileiros sofrem com insegurança alimentar. Em entrevista a uma TV de extrema-direita no final de agosto, Jair Bolsonaro perguntou: “você vê alguém pedindo pão no caixa da padaria? Você não vê, pô”.

Manifestantes na Av. Paulista durante o 7 de setembro | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

A reportagem foi atualizada às 12h40 do dia 9 de setembro de 2022 para incluir mais detalhes sobre o atentado praticado por um integralista contra o grupo Porta dos fundos em 2019.

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