Favela do Moinho protesta contra a PM: ‘chega de violar os direitos humanos’

Em apoio a ação do Ministério Público contra o PCC, policiais invadiram casas e revistaram até mochilas de crianças, segundo moradores; durante protesto, major ameaçou ‘prender quem estiver filmando’

Moradora protesta diante de policiais militares na entrada da Favela do Moinho | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

Moradores da Favela do Moinho, no centro da cidade de São Paulo, um bairro que os principais veículos de comunicação do país apelidaram de “centro de inteligência do crime organizado“, “fortaleza do Primeiro Comando da Capital” ou de “base do PCC”, se reuniram na tarde desta quarta-feira (7/8) para gritar.

Gritar, a quem quisesse ouvir, que elas são pessoas de carne e osso, com histórias de vida, filhos, pais, casas e direitos, e denunciar uma série de violações que teriam sido cometidas ontem pela Polícia Militar em apoio a uma operação contra o PCC realizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP).

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Durante protesto realizado no cruzamento da Avenida Rio Branco com a Alameda Eduardo Prado, na entrada da comunidade, uma dessas moradoras contou à Ponte que os PMs, ontem como hoje, estavam invadindo casas sem mandado judicial e que não poupavam nem as crianças.

“Os policiais mandaram abrir a mochila da minha filha de 11 meses para ver se tinha droga quando eu ia levar ela para a creche”, contou. Ela trazia nas mãos uma cartolina amarela com a mensagem: “Direito à moradia não se trata com braço armado do Estado. Chega de violar os direitos humanos”.

A operação realizada ontem pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MPSP, com o apoio das polícias, visava “desarticular o ecossistema e a logística do crime organizado em diferentes pontos do centro da capital paulista, bem como acabar com a violação de direitos humanos na região”, conforme nota da Secretaria da Segurança Pública.

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A Favela do Moinho foi um dos locais que foi alvo de mandados de busca e apreensão e é descrita pelo promotores como uma “central de operações” do crime organizado.

Ordem de prender quem filmar a polícia

A auxiliar de limpeza Simone Carlheiros, 50, que empunhava um cartaz dizendo “favela pede paz”, mora há dez anos no Moinho e contou que ontem voltou do trabalho e deu de cara com policiais na porta da sua casa. “Eles estavam invadindo a nossa casa e apontaram a arma para a minha filha. Perguntaram para uma vizinha se ela preferia ‘ficar aqui ou sair no caixão”, denuncia.

A auxiliar de limpeza Simone Carlheiros com cartaz escrito “favela pede paz” em manifestação | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

Na manhã de hoje, Simone teria sido alvo de novos abusos policiais. “Revistaram minha bolsa e perguntaram para onde eu ia. Todo mundo que entrava e saía eles revistavam. Eu me senti humilhada porque aqui também tem pessoas de bem”.

A comerciante Mel Rodrigues, 56, relatou que os netos, de 9 e 4 anos, ficaram assustados com a presença da polícia. “Eu estava indo levar um dos meus netos para a creche e o policial estava com aquelas armas longas apontando para a nossa cara como se a fosse bandido. Meu menino tem problema cardíaco, eu tirei ele dali chorando”, relatou.

Manifestante mostra cartaz para policial com frase “favela é sinônimo de luta e resistência” | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

O coordenador da associação de moradores do Moinho, Humberto Rocha, disse que a presença massiva da PM se deu durante toda a madrugada de terça para esta quarta e pela manhã, mesmo com a operação encerrada. “Invasão de casa sem permissão de ninguém, diversas portas quebradas. É inaceitável isso”, criticou.

Enquanto ele mostrava a entrada da comunidade, um tenente da Força Tática do 13º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (BPM/M) pediu para checar o RG dele e o desta repórter. Só metade dos policiais usava câmera nas fardas. “Manifestação pode fazer o quanto quiser, só tem que tomar cuidado para não fechar vias importantes”, disse o oficial.

No local, os policiais negaram a conduta relatada pelos moradores. Alguns deles responderam à Ponte que não houve invasão de casas nem revista geral e que só fizeram abordagens quando tinham “fundada suspeita”.

Moradores fecharam cruzamento da Avenida Rio Branco com a Alameda Eduardo Prado em protesto | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

Enquanto policiais do 13º BPM/M mandavam os manifestantes liberarem parte da via, a Ponte presenciou o major Galhardo, que comandava a equipe de Força Tática, dizer aos subordinados que, se houvesse “quebra da ordem”, era para “prender principalmente quem está filmando”. Ele não usava câmera na farda.

A Ponte era a única equipe de imprensa no local e contestou o major sobre a declaração, já que filmar ação da polícia não é ilegal. Ele respondeu que só prenderia alguém se houvesse “quebra da ordem” e que a reportagem estava desvirtuando o que ele havia acabado de falar.

Os moradores cantaram o “Rap da Felicidade”, de Cidinho e Doca, e também palavras de ordem com “Fora, Tarcísio”. Eles fecharam o cruzamento da Avenida Rio Branco gritando “Moinho resiste” e com uma faixa “contra a especulação imobiliária no Campos Elíseos”, já que o bairro é alvo de um projeto encabeçado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) de transferir a sede administrativa do governo para a região.

Além disso, um projeto de privatização de três linhas da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), também do governo estadual, prevê a construção de uma estação no lugar da Favela do Moinho.

Em determinado momento do protesto, apareceu um carro de reportagem da Record TV. Alguns manifestantes gritaram de alegria e vários cercaram o veículo. Parte deles pedia para que a equipe ficasse para registrar o que estava acontecendo, já outros estavam revoltados e chegaram a bater e chutar nas portas, por conta da cobertura feita no dia anterior, que, na visão de parte da comunidade, teria retratado os moradores como bandidos sem os ouvir. O carro seguiu pela Avenida Rio Branco.

Quando os moradores estavam encerrando o protesto em frente à favela, por volta de 16h, apareceram técnicos da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), que é ligada à Secretaria Estadual de Habitação.

Eles disseram que foram ao local por ordem do governo para realizar o levantamento de imóveis e de moradores da favela a fim de oferecerem uma proposta de habitação posteriormente.

Servidores da CDHU conversam com moradores da Favela do Moinho | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

Os moradores viram a chegada deles com desconfiança. “Por que eles aparecem logo após uma operação policial? Não são eles que têm que vir com projeto, é a gente que está há 30 anos aqui que tem que dizer o que nós queremos. Não é só uma casa, é a nossa história de vida”, criticou a líder comunitária Alessandra Moja, 40.

“Como a gente vai acreditar no que vocês vieram fazer aqui depois da opressão da polícia que a gente vive?”, questionou outro morador.

O que dizem as autoridades

A Ponte questionou a Secretaria da Segurança Pública a respeito das denúncias dos moradores bem como da declaração do major. A Fator F, assessoria terceirizada da pasta, enviou a seguinte nota:

A manifestação citada teve início por volta das 14h30 e terminou perto das 16h, sem registros de prisões e/ou apreensões ou necessidade de intervenções por parte da Polícia Militar. O ato foi acompanhado por uma viatura de policiamento de trânsito.

Viaturas da Força Tática do 13º BPM/M em frente à entrada da comunidade | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

Cabe destacar que a operação Salus et Dignitas atuou exclusivamente para desarticular a logística do crime organizado em diferentes pontos da região central e qualquer denúncia contra a atuação de policiais militares pode ser oficializada na Corregedoria para apuração e demais medidas pertinentes.

A reportagem também procurou a Secretaria Estadual de Habitação sobre a visita da CDHU, mas até a publicação não houve resposta.

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