Feira Preta: a força do empreendedorismo negro

    Maior evento de cultura negra da América Latina, Feira Preta, idealizada por Adriana Barbosa, reúne donos de negócios de diferentes áreas

    Adriana Barbosa, idealizadora da Feira Preta | Foto: Mayara Oliveira/Revista AFROCULT

    Paulistana, negra e criada numa família matriarcal, Adriana Barbosa é referência para muitas mulheres empreendedoras. Poderosa, ela está entre os 51 negros mais influentes do mundo e foi a primeira brasileira a ganhar um prêmio no MIPAD (Most Influential People of African Descent), premiação mundial para afrodescendentes realizada em Nova York, nos Estados Unidos.

    Foi graças à sua bisavó, com seu espírito inventivo e a necessidade de sobreviver na cidade de São Paulo, que Adriana começou a investir no seu próprio negócio. Para aumentar a renda da família, Dona Maria Luiza preparava e vendia coxinhas com aquilo que tinha na despensa. Anos mais tarde, contou com a ajuda dos bisnetos e chegou a abrir um restaurante na própria casa. “Meu primeiro contato com o empreendedorismo foi com ela”, conta.

    Seguindo os passos da bisavó, Adriana começou a empreender com o que tinha em mãos. Iniciou abrindo um brechó com suas roupas e acessórios, o Brechó da Troca: “Eu vendia minhas roupas em feiras e mercados alternativos junto com uma amiga que vendia pastel. Ela também estava desempregada e era da área de cinema, então era bem o que a gente tinha em mãos mesmo”. A empreendedora explica que começou a vender e trocar essas peças para conseguir dinheiro para se locomover, procurar emprego e comer.

    Depois de muito tempo frequentando feiras alternativas e conhecendo as noites da Vila Madalena, bairro na Zona Oeste que, em 2002, era o maior cenário da black music de São Paulo, Adriana teve outro insight. Percebeu que a maioria das produções artísticas saia das mãos de jovens negros, mas que nenhum deles era de fato protagonista dessas produções. “No final da noite, quando acabavam os eventos, quem contava o dinheiro eram os homens brancos e aquilo me deixava intrigada. Como a gente pode produzir riqueza e o dinheiro não passar pelas nossas mãos?”, lembra.

    Adriana: “No final da noite, quando acabavam os eventos, quem contava o dinheiro eram os homens brancos” | Foto: Mayara Oliveira/Revista AFROCULT

    Pensando em mudar esse cenário, teve a ideia de criar, ainda em 2002, a Feira Preta, um evento exclusivo para empreendedores negros mostrarem a sua criatividade e inventividade nas áreas de moda, música, gastronomia, audiovisual, design, tecnologia e muitas outras. O Instituto Feira Preta, responsável pelo evento, realiza o mapeamento de afro-empreendedorismo no Brasil e atua como acelerador e incubador de negócios negros, dando oportunidades àqueles que são deixados à margem pela sociedade.

    Após tropeços e acertos, a feira, que começou com “zero reais no bolso”, como Adriana costuma dizer, hoje movimenta cerca de R$ 4 milhões. Contando com mais de 700 expositores em suas edições, acumula um público de mais de 150 mil pessoas.

    Feira Preta

    O afro-empreendedorismo idealizado por Adriana Barbosa tem como objetivo a valorização da cultura e o fortalecimento da identidade negra. Apesar de todas as dificuldades, 60% dos jovens acreditam que o empreendedorismo é uma alternativa para a mudança social, segundo a pesquisa Juventude Conectada, realizada pela Fundação Telefônica Vivo em parceria com Ibope Inteligência e Rede Conhecimento Social em 2018. Para que os jovens negros possam dar início à sua carreira no empreendedorismo, medidas estratégicas são tomadas para encorajá-los e prepará-los.

    Uma dessas medidas é o chamado Black Money, que tem como ideia principal o giro de capital dentro da comunidade afrodescendente, incentivando que consumidores negros comprem de produtores negros, fortalecendo o fluxo desse mercado. Outro fator importante é a representatividade: quanto maior o número de negros em posições de liderança, mais a população se vê representada e com vontade de arriscar e investir em seu próprio negócio. A Feira Preta proporciona o encontro de patrocinadores, empreendedores e clientes através de um evento que conta com shows, workshops, palestras e stands dos participantes, criando um ambiente de networking rico para quem quer fazer seu negócio crescer. Além disso, é nela que mulheres e homens negros passam a se ver representados na sociedade e no mercado de trabalho.

    Empreendedoras e suas histórias

    Luciane Barros, empreendedora que, em 2013, fundou o Africa Plus Size Fashion Week Brasil, uma forma promover desfiles com modelos negras e reunir empreendedores que tenham interesse em expandir o mundo plus size. Luciane conta que sentiu-se realizada por ter um local como a Feira Preta para mostrar o seu trabalho, espaço esse que a possibilitou alcançar exatamente o público com quem almejava trabalhar.

    A empreendedora já frequentava o evento antes de se tornar uma expositora, por isso conhecia muito bem o público. “Eu percebi que eram escassos os trabalhos voltados ao corpo gordo trabalhado com a questão da estética afro. Comecei a pesquisar, a procurar modelos e roupas que a gente podia trazer para essas mulheres. Foi aí que eu entrei com essa de trazer um trabalho mais segmentado”, explica Luciane.

    Michelle Fernandes, fundadora, diretora-executiva e designer de turbantes e acessórios da Boutique de Krioula, que também é participante da feira, nos contou que uma das maiores dificuldades é conseguir empréstimos em bancos, patrocinadores e empregar outros funcionários. Em desabafo disse: “A gente não tem acesso ao crédito do banco e nem do governo. Temos que ficar provando a nossa capacidade. Infelizmente, as pessoas fingem que dão oportunidade pra gente, mas, no final, não estão dando coisa nenhuma”.

    A Feira Preta é voltada para pessoas que querem valorizar suas raízes, estar em lugares com outras pessoas inspiradoras e se tornar um marco da representatividade na vida de quem já é empreendedor e de quem ainda será. Michelle lembra que o evento também traz a beleza negra à tona: “Antigamente, quando víamos as negras em um clipe de black, pensávamos: ‘Nossa! Eu quero ser igual a ela, quero estar num lugar assim’. Quando você vai para a Feira Preta é justamente isso que acontece. É representatividade pura! Você quer estar naquele evento. Sempre foi maravilhoso e continua a cada ano”.

    Raio-x do empreendedorismo negro

    Segundo a pesquisa Os Donos de Negócio no Brasil: análise por raça/cor, que teve como base os microdados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), realizada no ano de 2014 pelo Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), 50% dos proprietários de negócios são negros. Apesar desse número, e dos negros representarem 54,9% da população brasileira, eles ainda enfrentam sérias dificuldades no mundo dos negócios. Na mesma pesquisa, os dados apontam que 91% dos empreendedores negros possuem negócio de um só dono e apenas 9% são empregadores, enquanto que, no caso dos declarados brancos, essa diferença é reduzida substancialmente para 78% que trabalham sozinhos e 22% para empregadores. Os empreendedores negros sofrem na hora de investir, produzir e até mesmo fechar negócios por conta da discriminação. Por isso, têm menos dinheiro para empregar. Ademais, o número significativo de empreendedores reflete a falta de oportunidade para o trabalhador negro no mercado de trabalho. Muitos resolvem investir no próprio negócio depois de tentarem oportunidades dignas como empregados e não obterem sucesso.

    (*) A reportagem foi originalmente publicada na Revista AFROCULT. Criada como trabalho de conclusão de curso das jornalistas Giovanna Monteiro, Marina Sá, Mayara Oliveira e Thais Morelli na Universidade Anhembi Morumbi, a revista visa ser um instrumento didático para o auxílio do combate ao racismo no país

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