Evento aconteceu em Porto Alegre neste sábado (22/9) e discussões passaram por investigação de candidatos, fact-checking, escolhas editoriais, neutralidade e diversidade
A edição do Festival 3i que teve como ponto central a cobertura eleitoral aconteceu no campus da Unisinos de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, neste sábado (22/9) e foi dividida em três mesas: “Os santinhos: o que investigar? Como investigar?”, com os debatedores Francisco Leali, diretor da Sucursal de Brasília do jornal O Globo, Taís Seibt, cofundadora do Filtro Fact-Checking, e Leandro Demori, editor-executivo do The Intercept Brasil, “Corpo a corpo: como o jornalismo pode renovar a agenda eleitoral”, com Geórgia Santos, fundadora do portal Vós, Flavia Marreiro, editora do EL PAÍS Brasil, e Rosane Borges, doutora em ciências da comunicação pela USP – Universidade de São Paulo, e “Temos um vencedor: e agora, jornalismo?”, com Alexandre de Santi, editor do The Intercept Brasil e cofundador da Agência Fronteira, Sylvio Costa, diretor do Congresso em Foco, e Jineth Prieto, La Silla Vacía (Colômbia). Os mediadores dos debates foram Breno Costa (BRIO), Junião (Ponte Jornalismo) e Moreno Osório (Farol Jornalismo), respectivamente.
Cada um dos participantes teve um momento para falar sobre os temas propostos, depois o mediador fez pergunta e, em seguida, a plateia também pode fazer colocações e questionamentos.
O editor-executivo do The Intercept Brasil, Leandro Demori, falou sobre diretrizes que devem ser observadas na cobertura eleitoral e ressaltou que reportagem tem que incomodar, caso contrário não precisa ser feita. “O jornalista deve ser o porta-voz do oprimido, porque o opressor já tem RP [relações públicas]. Os poderosos têm assessorias de imprensa, advogados, publicidade. As pessoas comuns, não. E é para elas que o site existe.”, disse em um dos momentos do primeiro debate.
Taís Seibt, co-fundadora do Filtro Fact-Checking, agência de checagem que, nas eleições de 2018, está focada na cobertura da campanha eleitoral ao governo do Rio Grande do Sul, trouxe para a discussão o conceito de certo e errado quando se fala em checagem de um fato. “Quase nunca as coisas são simplesmente certo e errado. Porque dados são colocados em um debate, em uma declaração por alguma razão. Tanto que a gente tem sete classificações. Checar dados não é tudo. O jornalismo de verificação é um marco desse tempo, porque tem muita coisa circulando e o boato vira rapidamente noticia. Mas o jornalismo não pode se restringir apenas a isso, até porque a gente não da conta de fazer verificação de tudo que circula”, pondera.
Na segunda mesa, a pesquisadora Rosane Borges, doutora em comunicação pela USP, fez questão de destacar a necessidade de mudar a cobertura jornalística, no sentido de tratar temas sob outras perspectivas. “O aborto não impacta como agenda eleitoral porque, no debate público, ele se resume à criminalização. É preciso pautar o aborto como assunto de saúde pública, de desenvolvimento econômico e social do Brasil. Porque há mulheres, principalmente pobres e negras, morrendo por isso”, explicou.
Rosane também criticou o clima de competição em entrevistas com os presidenciáveis em programas de TV. “Eu chamo de telecatch [referência a um programa da extinta TV Excelsior que exibia luta livre] aquela entrevista [do candidato Jair Bolsonaro ao Jornal Nacional, da TV Globo]. Quando terminou, tinha gente na timeline avaliando que a Renata Vasconcellos saiu vitoriosa. Só que se a gente acha que tem um vencedor entre entrevistado e entrevistador, já está errado”, criticou. Para ela, de maneira geral, os jornalistas não têm conseguido lidar com Bolsonaro. “Se perguntasse do Fundeb para o Bolsonaro, ele ia fazer aquela cara do meme do John Travolta, sabe? É assim que você pega o candidato. E também discordo dos que dizem que não é para falar o nome dele. Tem que falar o nome e sobrenome e saber que ele é uma expressão fascista do Brasil.”, apontou. O candidato à presidência pelo PSL, aliás, apareceu em outros exemplos ao longo do dia.
A jornalista Geórgia Santos, fundadora do Vós, tratou sobre neutralidade e afirmou que o momento político exige que os veículos tomem posição frente aos fatos. “A imparcialidade é um véu bastante confortável, onde a gente se esconde de forma conveniente sempre que possível. É preciso deixar esse mito confortável”, explicou ao lembrar que a cobertura estrangeira sobre o processo eleitoral no Brasil tem sido, de forma geral, mais crítica do que no nosso país. “A cobertura sobre Bolsonaro, por exemplo, lá fora. Ninguém se furta se chamá-lo de machista, homofóbico, racista, até porque ele mesmo já deu declarações suficientes nesse sentido. E aqui muitas vezes não é dado o nome aos bois, não se chama pelo nome certo”, disse.
Também nessa linha, editora do El País Brasil, Flávia Marreiro, criticou o conteúdo meramente declaratório, falou sobre como é importante que a análise caminhe junto com a reportagem se quisermos um jornalismo mais crítico. “A realidade é mais contraditória do que nosso discurso, inclusive o engajado. Antes de falar para aquele ou esse grupo, vamos ouvir o que eles têm a dizer, mesmo que a mim particularmente pareça um argumento frágil”. E citou como exemplo a reportagem publicada pelo El País Brasil “Nem fascistas nem teleguiados: os bolsonaristas da periferia de Porto Alegre”.
Sobre a questão dos cliques, engajamentos e compartilhamentos, Flávia deixou uma provocação ao público. “Matérias mais complexas não são as mais compartilhadas. Talvez a gente tenha que assumir que jornalismo de qualidade não é um produto de massa”.
As discussões da última mesa passaram pelos modelos de negócio no jornalismo independente e como manter a cobertura política após as eleições. Para Sylvio Costa, diretor do Congresso em Foco, há espaços para criar, inovar nessa cobertura, mas o jornalista precisa fazer uma revisão da própria função. “Um dos nossos deveres é monitorar o poder. Mas como você vai fazer isso se você só mostra as cagadas dos políticos? Isso é um desserviço. Só contribui para fortalecer o preconceito contra a política”, provocou Sylvio.
A editora Jinieth Prieto, do La Silla Vacía, aposta na aproximação com as realidades e histórias e critica o que ela chamou de “obsessão pelos políticos e o que dizem”. “Notamos que muitas coisas que cobríamos não tinham audiência”, conta.
Alexandre de Santi, editor do The Intercept Brasil e co-fundador da Agência Fronteira, se mostrou preocupado com o acompanhamento pós-eleições que, segundo ele, dependerá do vencedor. Para ele, caso Bolsonaro vença, a previsão é de uma cobertura tal qual acontece nos Estados Unidos, depois que Donald Trump se tornou presidente, bastante focada na figura em si e não nos contextos implicados. Santi ainda falou do risco de acomodação da cobertura política, caso um outro candidato que não o do PSL vença. “Existe uma obsessão pelo que o presidente faz. Mas existem muitos atores envolvidos: Judiciário, Ministério Público, empresas. É preciso focar nesses outros lugares.”.
Integrante da Ponte Jornalismo e mediador de uma das mesas, Junião agradeceu a presença de todos ao final do evento e lembrou que a discussão sobre as mudanças e inovações na cobertura jornalística devem ser um exercício diário. “Foi muito bom o dia de hoje. Isso foi um laboratório. Essas discussões devem continuar, elas precisam ser diárias”, pontuou.