Evento que ocorreu no fim de agosto reuniu jornalistas, lideranças indígenas e artistas periféricos para debater o futuro do jornalismo e da democracia; fundadoras da organização devem lançar edital nacional
A capital baiana foi palco da arte, da cultura periférica e do jornalismo de causas nos dias 25, 26 e 27 de agosto de 2022. O Festival Fala!, que é uma iniciativa da Ponte Jornalismo junto com o Alma Preta Jornalismo, a Marco Zero Conteúdo e o 1Papo Reto, ocupou Salvador com uma programação intensa de mesas de debate, apresentações artísticas e oficinas. O evento também foi marcado por novidades como os lançamentos do Instituto Fala! e o anúncio de um edital nacional voltado para a mídia independente.
A nova instituição, fundada também pelas quatro organizadoras do festival, irá fomentar a produção de conteúdos jornalísticos que são pautados nos direitos humanos, no respeito à diversidade racial e de gênero e na democracia. “A iniciativa começou com o festival e a ideia é ampliá-lo para outras atividades, como o edital que está sendo divulgado agora. Além disso, estão previstas formações e outros eventos, além do festival, que acontece anualmente”, adiantou Laércio Portela, jornalista e cofundador da Marco Zero, na mesa de encerramento do evento.
Segundo os organizadores, o objetivo da iniciativa é perpetuar na prática todas as discussões e ideias dispostas nos três dias de evento. De quinta-feira a sábado, o Teatro Gregório de Mattos, no centro da capital baiana, foi o ponto de encontro de quem está por trás destas produções e narrativas, além do público engajado em transformar a realidade em que vive. Na mesa de abertura do Fala!, Helio Santos, fundador do Instituto Brasileiro de Diversidade (IDB), ao lado da doutora em comunicação Cíntia Guedes e da jornalista Cristiane da Silva Guterres, apontou a equidade de gênero e de raça como fatores determinantes no fortalecimento da democracia.
Já na sexta-feira (26/8), a programação abordou temas envolvendo a política, os movimentos sociais e a luta dos povos indígenas com diversos convidados. A mesa “Entre redes e ruas: que democracia é essa?” discutiu a negação de direitos a quem vive nas favelas e periferias. “Falar de democracia nesse contexto é doloroso porque envolve uma série de questões. E uma delas é o acesso aos direitos básicos previstos na Constituição. Então, eu acho que a gente não vivencia nesse momento uma democracia e dentro do processo de fazer comunicação, está ainda mais complicado”, apontou o jornalista Michel Silva cofundador do jornal Fala Roça, no debate com a professora e jornalista Rosane Borges, a liderança indígena Célia Tupinambá e a jornalista Midiã Noelle.
A importância do olhar periférico nas notícias e redações foi o tema da segunda mesa do dia, “Novas resistências para velhas violações”, que reuniu os jornalistas Guilherme Soares, criador do Guia Negro, Valéria Lima, da Mídia Étnica, Denise Mota, da Agence France-Press, e Claudia Wanano, comunicadora da Rede WAYURI, de São Gabriel da Cachoeira (AM). “Eu acho que trazer a informação pelo nosso olhar, pela nossa fala, é comunicar de forma verdadeira, e não uma notícia que alguém escreveu e deduziu que os povos indígenas vivem dessa maneira”, defendeu Wanano.
Neste contexto, a arte periférica e os movimentos sociais também precisam furar as bolhas das grandes cidades, a gentrificação e mostrar suas potências. Tal conclusão foi debatida durante a terceira mesa do Fala! que contou com a participação da artista visual Luna Bastos, a gestora do movimento Canteiros Coletivos, Débora Didonê, o coordenador do Centro Cultural “Que Ladeira é Essa”, Marcelo Teles, e a jornalista Mônica Santos, que mediou a conversa. “A arte urbana em essência é reivindicar o direito à cidade, é reivindicar nossa existência. Muitas vezes, são pessoas periféricas e querem de alguma forma comunicar que estão ali, que estão resistindo e quem tem o direito de intervir neste espaço urbano”, disse Luna Bastos.
No último dia de evento, sábado (27/8), a jornalista Semayat Oliveira abriu os trabalhos no comando da mesa “Novas formas de ver e contar o mundo”, que tratou dos desafios dos coletivos de comunicação e dos artistas que estão fora do eixo Rio-São Paulo. “O audiovisual me salvou. Eu aprendi a filmar em projeto social há 14 anos e trabalho com audiovisual há 10. Esse contato foi incrível porque hoje eu podia contar aqui vários argumentos do por que eu gostei do audiovisual, mas na real eu curti porque na primeira vez que eu peguei uma câmera eu senti o poder. Eu congelo o tempo e eu vou contar o que eu quero”, disse a cineasta Yane Mendes, da favela do Totó em Recife (PE), uma das convidadas da mesa ao lado de Fabiana Lima, do Slam das Minas da Bahia, e Darwiz Bagdeve, professor universitário e quadrinista.
Finalizando os debates, a quinta mesa “Nós por nós. Identidade, cultura ancestral e combate ao silenciamento” trouxe falas potentes sobre a luta e a memória de grupos historicamente silenciados pela mídia hegemônica. A ativista Naira Santa Rita moderou o debate entre os jornalistas Erisvan Guajajara e Joyce Cursino e a educadora Natureza França. “Antes do Brasil da coroa, existia o Brasil do cocar. Precisamos lembrar disso. Nós queremos participar do governo para lutar por nós”, lembrou Erisvan no evento. Logo após, Antonio Junião, da Ponte, Elaine Silva e Pedro Borges, do Alma Preta, Laércio Portela, da Marco Zero Conteúdo, e Rosenildo Ferreira, do 1 Papo Reto, anunciaram as novidades da edição como o futuro lançamento de um edital pelo Instituto Fala!.
A publicação do documento deve acontecer nos próximos meses e tem como alvo os coletivos de comunicação popular e independente que atuam em territórios periféricos e viabilizam questões locais. O Instituto Fala! pretende selecionar propostas que fortaleçam histórias e culturas de resistências e tragam novas narrativas ao jornalismo.
Todas as mesas e intervenções artísticas do Fala! estão disponíveis no canal do festival no Youtube. Assista a seguir: