Filho de ativista denuncia intimidação da PM durante audiência sobre Operação Escudo

Jovem disse que saiu de evento para comprar lanche e levou enquadro na região da Avenida Paulista, centro de SP, nesta sexta (1/9); segundo ele, policial pediu a identificação da mãe dele, que atua em movimento social

Jovem anotou inscrição da viatura, número da placa e nomes de alguns policiais que estavam na abordagem | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

Um jovem negro de 27 anos, filho de uma ativista de movimento de mães, denunciou ter sido abordado e intimidado pela Polícia Militar, na tarde desta sexta-feira (1/9), quando saiu para comprar um lanche no nas proximidades da Avenida Paulista, no centro da capital. Ele e a mãe, que são do litoral paulista, participavam de uma audiência pública sobre violência policial na Baixada Santista promovida pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que aconteceu no auditório do prédio da Defensoria Pública da União (DPU) em São Paulo.

À Ponte, Otávio* disse que saiu da audiência com outros cinco amigos, por volta das 16h40, para comer um lanche e na volta foi enquadrado. “Parou uma viatura e eles [policiais] ficaram olhando para nós e eu falei ‘vamo embora porque eu to sentindo uma coisa ruim'”, afirmou. Parte do grupo acabou entrando em uma rua e correram para atravessar na faixa, sendo que Otávio acabou seguindo reto pela Rua Bernardino de Campos, no bairro do Paraíso, e não percebeu que se separou dos demais.

“Eu peguei a rua movimentada e os policiais falaram ‘vai, mão na cabeça’ e eu só vi os meninos correndo. Eu falei ‘não vou por a mão na cabeça, eu não tô fazendo nada’. Então ele disse, então põe a mão para trás e tira o boné”, relatou.

Otávio afirma que perguntou ao policial onde os amigos estavam e o PM teria dado risada. Segundo ele, chegaram mais duas viaturas no local e o policial que o abordou, que se chamaria Eduardo, mexeu na câmera que usava na farda. “Ele chegou e disse ‘eu sei onde você estava, você estava na Defensoria, né? Qual seu nome?”

Otávio teria respondido. e na sequência o PM perguntou o nome da mãe dele. “Eu estranhei quando ele falou isso. Eu falei Viviane (nome fictício). E ele ‘o nome todo’. Eu falei ‘não sou obrigado a falar o nome todo’. Ele já ficou bravo, com a arma assim abaixada. Ele falou ‘tranquilo, seus amigos correram para lá’. Chegaram mais uns policiais, e o policial falou para os policiais das motos que passaram antes e falou ‘vai atrás deles’ e virou para mim: ‘eu vou ajudar você a encontrar seus amigos’. Eu já fiquei preocupado”, relatou.

Otávio disse que estava sem documento no momento da abordagem pois tinha deixado no carro. De acordo com ele, os policiais queriam acompanhá-lo até o veículo. “Eu falei ‘o senhor não quer me acompanhar até a audiência na Defensoria?’ e ele deu risada”, declarou. Depois, foi liberado e retornou ao prédio da Defensoria contando o que havia acontecido e preocupado com os amigos que não tinham aparecido.

O jovem anotou a inscrição de uma das viaturas como M-12217 e placa PMH-1640. Pela inscrição da viatura, trata-se do 12º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (BPM/M). Ele anotou os nomes de alguns policiais identificados como Eduardo, Smith e Diana.

“Eu estou aqui acompanhando as famílias e meu filho foi intimidado”, disse Viviane, abalada, que pediu que nem ela nem o filho fossem identificados.

O fotógrafo da Ponte, Daniel Arroyo, acompanhou Otávio pela região para procurar os amigos, que acabaram se perdendo porque também são da Baixada Santista e não conheciam a região da Avenida Paulista. Por volta das 18h, todos foram localizados.

O ouvidor das Polícias, Claudio Aparecido da Silva, que também estava presente no evento da CNDH, repudiou a ação dos PMs e disse que o órgão deve apurar os fatos.

“A Ouvidoria já está tomando providências no sentido de comunicar à Corregedoria deste constrangimento que esse jovem passou, dessa abordagem totalmente descabida, com perguntas totalmente descabidas em relação à postura dos policiais”, afirmou. “É um profundo desrespeito e demonstra um certo temor por parte das forças de segurança do estado de São Paulo em relação à ação, mobilização e movimentação dessas instituições públicas e da sociedade civil. Nós não estamos mais na ditadura militar em que as pessoas necessitam ser vigiadas. As pessoas podem reivindicar seus direitos, sua cidadania e questionar o Estado em relação a todas as ações do Estado, se assim for necessário.”

Além do ouvidor, participavam do evento na DPU, Danilo Orlando Pugliesi, promotor do do Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (Gaesp) do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), representantes da Defensoria estadual e também da União, organizações da sociedade civil, lideranças de movimentos sociais como as Mães de Maio e Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, moradores de cidades da Baixada Santista e figuras ligadas a instituições internacionais como a Human Rights Watch.

Na ocasião, o CNDH estava apresentando um relatório preliminar sobre as visitas realizadas em comunidades da Baixada Santista em agosto devido às denúncias de violência policial decorrentes da Operação Escudo, que foi deflagrada pelo governo estadual após o assassinato de um soldado da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) numa comunidade do Guarujá, em 27 de julho. De lá até o momento, as polícias mataram 24 pessoas e moradores têm denunciado invasões a casas, abordagens truculentas, demora de socorro às vítimas, ameaças, tortura e medo.

O Conselho fez uma série de recomendações, que podem ser lidas aqui, sendo a mais urgente delas o pedido de fim imediato da operação. O órgão disse que não conseguiu se reunir com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) nem com o secretário de Segurança Pública Guilherme Derrite sobre os relatos de violações de direitos humanos decorrentes da Operação Escudo.

Derrite, inclusive, cancelou dois encontros em que se reuniria com as entidades. Convocados para a audiência pública desta sexta-feira, o governador e o secretário não apareceram, não enviaram representantes e nem justificaram as ausências.

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A Ponte procurou a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP) questionando a motivação da abordagem e a maneira como o jovem foi alvo de perguntas dos agentes públicos. Não houve retorno até a publicação do texto.

*Os nomes foram trocados a pedido dos entrevistados que temem represálias.

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