Aristides Braga teria começado a enviar mensagens de perseguição e ofensas de ‘macaco’ após Antonio Isuperio denunciar propaganda nazista; Polícia Civil do RS investiga o caso e pai do rapaz afirma que ele foi hackeado
Um homem pergunta a uma menina negra, em inglês, se ela quer uma banana e passa a imitar um macaco em uma chamada de vídeo. A filmagem foi divulgada pelo ativista Antonio Isuperio, 38, em seu Instagram na terça-feira (12/10) e o rapaz foi identificado como Aristides Mathias Flach Braga, filho de um comissário de polícia aposentado da Polícia Civil do Rio Grande do Sul.
Isuperio conta que passou a buscar informações sobre ele quando recebeu ameaças de morte e com teor racista nas suas redes sociais. “Fiz o post sobre o Israel Soares, que fez um vídeo de ‘recebidos’ de produtos nazistas, que inclusive também fez saudações nazistas, e a denúncia chegou a vários lugares e eu comecei a receber ameaças.” O ativista se refere a um homem que se identificava como “machista opressor” fazendo propaganda de artigos nazistas de uma loja da cidade de Timbó (SC). Por causa do vídeo, a Polícia Civil, no mês passado, fechou o estabelecimento e abriu um inquérito, já que apologia ao nazismo é crime.
Na mensagem privada atribuída a Aristides, o ativista é ameaçado de perseguição e morte: “a gente vai te achar e o que a gente vai fazer contigo é do tamanho do patamar de aqueles vídeos dos chilenos cortando a cabeça dos caras”. E que outros que “odeiam judeus” iriam atrás dele. Isuperio também é xingado de “macaco” e “preto fedido”. O perfil no Instagram não está mais disponível quando a Ponte tentou localizá-lo. O ativista registrou um boletim de ocorrência eletrônico na Polícia Civil.
Isuperio também teve acesso a mensagens de um grupo na plataforma Discord, um aplicativo de mensagens, em que os membros afirmam que Aristides “foi pego” junto a uma imagem da denúncia feita por Isuperio com a foto dele. A Ponte também localizou o grupo e o usuário no aplicativo.
O rapaz seria conhecido pelo usuário “overdose” e as mensagens atribuídas a ele mencionam sobre tentar ter um álibi, ver como se desfazer de um HD, como conseguir um hacker para entrar em uma conta, inclusive sob pagamento em dinheiro, medo de ser preso e que existiria um vídeo dele usando arma do pai atirando em latões e que o pai também estaria a par do caso e conversando com advogados.
A Ponte também localizou um grupo no WhatsApp com o mesmo título do Discord, criado em 25 de setembro, por um número de celular confirmado como registrado em nome de Aristides e por onde a reportagem tentou contatá-lo. No grupo, há 42 membros e um link para acessar o chat da outra plataforma. Em um texto do grupo no Discord, de 7 de fevereiro, eles se descrevem como racistas, LGBTfóbicos e contra antifascistas, com mensagens acompanhadas de sinais da suástica nazista. No chat, há ainda vídeos de pessoas que se automutilaram escrevendo o nome do grupo no braço, maus tratos a um gato e ameaça de quebrar o braço de uma criança negra na rua.
O vereador de Porto Alegre Leonel Radde (PT) também formalizou um boletim de ocorrência na Delegacia de Combate à Intolerância em relação ao vídeo em que Aristides oferece uma banana a uma menina negra e à ameaça contra o ativista. “Um fato que se tem que ter atenção é se esse guri tem acesso às armas do pai, que é o maior problema. Não conheço o pai, ele não deve estar na ativa, mas pode ter arma em casa”, afirma. “Dá para configurar como crime de racismo [pelas postagens]”, prosseguiu o parlamentar, que já integrou a Polícia Civil e também já denunciou grupos supremacistas e de neonazis.
À Ponte, a delegada Andrea Rocha Mattos, da Delegacia de Combate à Intolerância, informou que instaurou o inquérito nesta quinta-feira (14/10) para apurar o crime de ameaça contra o ativista, previsto no Código Penal, e também por prática, indução ou incitação a discriminação ou preconceito de raça por meio de meios de comunicação, que é previsto no artigo 20, parágrafo 2, da Lei de Crimes Raciais. “A princípio, para não prejudicar a investigação, não podemos dar maiores detalhes”, disse ao ser perguntada sobre as mensagens desse grupo.
O ativista também fez uma representação ao Ministério Público Federal cuja assessoria informou que foi aberto um inquérito na Superintendência Regional da Polícia Federal do Rio Grande do Sul. “É uma situação muito absurda e preocupante porque há diversas células neonazistas no país e é um risco para quem denuncia”, afirma Isuperio, que mora atualmente nos Estados Unidos.
‘Não faz sentido, ele é negão, eu sou negão’
A Ponte procurou Aristides pelo WhatsApp e por ligação, mas ele preferiu não responder.
Também questionamos o pai dele, o comissário Alexandre Neves Braga, que alegou que o filho teve a conta hackeada. “Já registramos um boletim de ocorrência para apurar isso porque o telefone do meu filho foi invadido, as nossas fotos foram expostas de forma indevida”, disse. Ao ser perguntado sobre o grupo e o vídeo, negou que o filho tenha sido racista. “Não faz sentido, ele é negão, eu sou negão”.
A reportagem questionou a assessoria da Polícia Civil sobre realização de registro conforme apontado por Alexandre, mas a corporação disse que a informação é “sensível” e pessoal e não poderia dar detalhes.
Também procuramos a assessoria da plataforma Discord sobre o grupo e atuação da empresa com conteúdo de incitação à violência, mas não teve retorno.
Em grupo, rapaz confirma que falou com a reportagem
A Ponte ligou para o número de Aristides às 13h45, momento em que atendeu, mas negou ser ele e desligou, bloqueando o contato em seguida. No grupo no Discord, às 14h, ele menciona que falou com a reportagem e mente de ter passado para o advogado e exposto dados. Em seguida, ligamos para Alexandre Braga, pai dele que alegou dispositivos hackeados.
*Colaboração: Leonardo Coelho.
Reportagem atualizada às 18h04, de 14/10/2021.