Adilson Paes de Souza afirma que mudança de decreto-lei do regime militar pode evitar injustiças contra policiais
A pena de prisão disciplinar administrativa para policiais militares e bombeiros militares de todo o Brasil foi extinta. A alteração no decreto-lei 667, de 2 de julho de 1969, portanto promulgado no regime militar, foi assinada na quinta-feira (26/12) pelo presidente Jair Bolsonaro. A decisão não impacta em prisões judiciais, que continuam podendo ser utilizadas de forma preventiva e com o intuito de punir os maus profissionais contra crimes e abusos cometidos no exercício da função.
A lei tem abrangência federal, mas os critérios e escalas de punição de transgressões disciplinares nas polícias militares são definidas em cada estado.
Para Adilson Paes de Souza, tenente-coronel reformado da PM paulista, mestre em Direitos Humanos e autor do livro “O Guardião da Cidade – Reflexões sobre Casos de Violência Praticados por Policiais Militares (Escrituras, 2013)”, a alteração foi acertada. Ele afirma que o ideal é que o decreto fosse extinto, mas que a mudança é um bom sinal e que vai na direção da desmilitarização da Polícia Militar. “Achei uma medida acertada, porque essa questão da privação de liberdade por medida administrativa, ou seja, detenção ou prisão, pode trazer injustiças”, afirma.
Souza explica que o decreto 667 é uma herança da ditadura militar e foi o ápice do processo de militarização da Polícia Militar. “Esse decreto é perigoso, ele cita expressamente o AI-5 como fundamento, que foi um dos piores, ou o pior instrumento baixado pela ditadura, que dizimou direitos civis e garantias constitucionais, inclusive dos policiais militares”, pontua. “Essa é mais uma prova do mal que a militarização das polícias causa. E no caso, para os próprios policiais militares. Essa medida do Bolsonaro eu posso entender como uma espécie de sinalização da desmilitarização”, afirma.
“Isso vai ser bom para os policiais verem que quando a gente pleiteia pela desmilitarização da polícia, a gente não quer acabar com a PM. A gente quer acabar com as injustiças que esse modelo militarizado traz para os civis que são alvos da ação da polícia e para os próprios policiais militares inseridos em um ambiente militarizado e de restrições”, avalia o PM da reserva.
O tenente-coronel reformado da PM Adilson Paes de Souza explica que nos países com democracias bem estabelecidas, a atividade de policiamento é eminentemente de cunho civil. “Nos EUA, quando você vê ‘militar police’ é a polícia do Exército, não é a polícia que vai patrulhar as cidades”, continua.
Na sua longa experiência dentro da corporação e agora como pesquisador da área de segurança pública, Adilson conta que viu policiais sendo presos por conta de processos com falhas e sem ter a quem recorrer. “Quem acusa um policial de cometer uma falta disciplinar? O comandante dele, que faz um documento, um termo acusatório, que inicia o processo disciplinar administrativo. E é esse mesmo comandante quem julga. O fato de o comandante instaurar o processo e ele mesmo julgar pode afetar a imparcialidade necessária para apreciar os fatos. Mesmo constituindo advogado próprio e produzindo provas, já vi comandante ignorar e punir policial”, critica.
Por fim, Adilson aponta que a mudança no decreto coaduna com o que considera garantia constitucional do devido processo legal e amplo direito à defesa. “Policiais precisam ser tratados como cidadãos, merecedores de direitos. Eles não podiam impetrar habeas corpus frente a uma prisão injusta. Tinham que entrar com mandado de segurança, que é muito demorado. Às vezes acontecia de o policial cumprir a pena mesmo injusta e ao final nem tinham avaliado o mandado de segurança”, explica o PM aposentado.
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública emitiu uma nota nesta sexta-feira (27/12) elogiando o fim da prisão administrativa de policiais militares e bombeiros no que se refere especificamente às transgressões disciplinares. “Trata-se de uma demanda histórica do setor, sobretudo de praças que atuam nas corporações. A lei acaba com as prisões administrativas para transgressões disciplinares, que muitas vezes decorrem de punições arbitrárias ou subjetivas, a depender do entendimento particular dos comandantes, e sem critérios muito claros para sua aplicação”, apontou o texto.