Rafael Alcadipani aponta relação entre disponibilidade de armas e ataque em Suzano (SP); senador Major Olímpio, integrante da ‘bancada da bala’, aproveitou tragédia para defender posse de arma
Pouco tempo depois do massacre na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, na Grande São Paulo, que deixou 10 mortos, a muitos quilômetros de distância, em Brasília, o senador Major Olímpio (PSL), um dos integrantes da chamada “bancada da bala” saiu em defesa do armamento da população. “Se tivesse um cidadão com arma regular dentro da escola, professor, servente, policial aposentado trabalhando lá, poderia ter minimizado o tamanho da tragédia”, disse em sessão da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) desta quarta-feira (13/3). “A política desarmamentista fracassou. Não podemos deixar que os aproveitadores se utilizem da tragédia para falar que o desarmamento é solução, essas armas são ilegais e foram obtidas e usadas por adolescentes”, escreveu major Olímpio, em nota, aproveitando para reforçar a necessidade da redução da maioridade penal. O detalhe é que apenas um dos atiradores, Guilherme Taucci Monteiro, tinha menos de 18 anos. O outro, Luiz Henrique de Castro, tinha 25 anos.
Promessa de campanha do agora presidente Jair Bolsonaro, companheiro de partido de Major Olímpio, o decreto de flexibilização da posse de arma foi assinado nos primeiros dias de governo com a alegação de que todo brasileiro “tem efetiva necessidade de arma”. Isso inclui, portanto, Guilherme e Luiz, os atiradores do massacre de Suzano.
Rafael Alcadipani, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e membro do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), refuta por completo a tese do senador. “A flexibilização do estatuto faz com que haja mais armas disponíveis na casa dos brasileiros e pessoas que tenham problemas psiquiátricos, como me parece ser o caso dessa situação, tenham mais acesso para cometer essas loucuras”, declarou.
“A gente tem atentado desde o começo que é um tiro no pé essa flexibilização do estatuto. Você tem que restringir o número de armas e não aumentar o número de armas em pode da sociedade”, apontou Alcadipani. A arma utilizada pelos atiradores é um revólver calibre 38, a mais encontrada em apreensões. “A maior parte das armas apreendidas no crime são armas curtas, em especial o revólver, a pistola. O revólver é a arma mais apreendida no Brasil há décadas e em geral existe essa preferência porque é mais fácil você esconder essa arma, você pode facilmente ocultar no carro, na rua, é mais fácil de manusear. Além disso, por ser uma arma presente tanto no mercado legal quanto ilegal, facilita por exemplo o abastecimento da munição desse tipo. Porque são armas de calibre permitido”, explicou, em entrevista recente à Ponte sobre roubo e desvio de armas, Bruno Langeani, gerente de sistemas de justiça e segurança pública do Instituto Sou da Paz.
O deputado estadual Carlos Gianazzi, que por ser professor e titular da Comissão de Educação da Alesp, esteve no cenário do massacre e criticou a tentativa de usar o ocorrido para defender o armamento da população. “Essa prática do governo federal de armar a população vai estimular a acontecer mais casos como esse. Facilitar o acesso a armas é um grande estímulo para isso. O pai de um aluno com uma arma em casa é perigo. O aluno pode pegar a arma sem que o pai saiba e sair para se vingar”, analisou.
Uma das armas encontrada no arsenal dos atiradores é uma “besta” – uma espécie de arco e flecha – e foi considerada “excêntrica” pelas autoridades. A arma é usada pelos personagens de um game chamado Fortnite, do qual ao menos um dos atiradores, Guilherme, era fã, conforme postagens no Facebook demonstram. O perfil do jovem foi desativado.
A atuação de Guilherme e Luiz foi comparada ao trágico episódio em Columbine, nos Estados Unidos, que foi até mesmo tema de filmes. Ocorrido em 20 de abril de 1999, Eric Harris e Dylan Klebold entraram na Columbine High School mataram 12 alunos e um professor e, em seguida, se mataram. O enredo é muito semelhante ao de Suzano, já que nos dois casos os atiradores agiram em dupla, e diferente do Massacre de Realengo, ocorrido no Rio de Janeiro em 2012, onde Wellington de Menezes agiu sozinho ao matar 12 pessoas.