‘Foi porque ele é preto’: jovem morto pela PM em Paraisópolis estava desarmado, diz familiar

Nicolas de Oliveira, de 19 anos, foi morto no sábado (10/5). Versão contradiz narrativa dos policiais, que apresentaram pistola supostamente usada pelo jovem

Família do jovem questiona também a demora no socorro médico a Nicolas, que teria sido impedido pelos policiais. A vítima teve a morte confirmada no Hospital do Campo Limpo | Foto: Arquivo pessoal

O jovem negro Nicolas Alexandre Pereira dos Santos de Oliveira, de 19 anos, estava desarmado quando foi morto por policiais militares em Paraisópolis, na zona Sul de São Paulo. É o que diz um familiar de Nicolas ouvido pela Ponte. A morte aconteceu na noite do último sábado (10/5).

“Ele não atirou contra os policiais, o Nicolas não estava armado”, diz o parente, que pediu para não ser identificado por medo de represália. A versão contradiz os policiais envolvidos, que levaram até a delegacia uma pistola que supostamente estaria com o jovem. “A gente vai fazer justiça. Realmente, [a morte] foi por causa do preconceito, porque ele é preto. O Nicolas tomou quatro tiros”, afirma.

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O familiar também denuncia que houve demora no socorro ao jovem. Ele conta que os policiais não teriam deixado a ambulância socorrer Nicolas. A Ponte questionou a prefeitura de São Paulo, responsável pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), sobre isso, mas não houve retorno. O jovem chegou a ser levado ao Hospital do Campo Limpo, onde teve a morte confirmada. 

A Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) informou que a morte é investigada pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civl de São Paulo, e por meio de Inquérito Policial Militar. 

A Ponte questionou de qual batalhão pertenciam os agentes envolvidos e quantos participaram da ocorrência. A SSP-SP não respondeu. O g1 noticiou que seis agentes estão envolvidos na ação. As imagens das câmeras corporais de todos eles serão analisadas ao longo do inquérito, disse à pasta. 

BO registra que jovem não atirou

A versão da família é corroborada por uma informação que aparece no boletim de ocorrência. Segundo o g1, o documento diz que Nicolas não atirou. “Ele não tinha problema para ficar armado contra policiais”, diz o familiar. Três policiais admitiram ter atirado, dois deles com fuzis. Nicolas foi ferido na mão esquerda, braço direito, cintura e perna esquerda.

A versão policial é de que os agentes teriam visto um grupo traficando enquanto faziam um patrulhamento pela rua Ernest Renan. Ao chegar próximo, atiraram contra Nicolas, que supostamente estava armado. No local teriam sido apreendidas drogas, dinheiro, celulares, uma faca, mochilas e cadernos de contabilidade do tráfico.

Paraisópolis revoltada 

Um protesto pela morte de Nicolas bloqueou avenidas que cortam o bairro na última segunda-feira (12/5). Os manifestantes fecharam a Giovanni Gronchi e a Hebe Camargo com barricadas. A Tropa de Choque foi ao local e disparou balas de borracha contra os manifestantes. Ninguém foi preso. “Paraisópolis está revoltada. O Nicolas era um menino legal”, diz o familiar. 

O Ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo, Mauro Caseri, diz que é preciso rever com urgência e prioridade os processos e compartimentos da Polícia Militar. A crítica compreende também o tratamento dispensado pelos policiais contra moradores de Cidade Tiradentes e da favela do Moinho.

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“Esses três casos não são ocorrências isoladas, mas cenas de um mesmo filme que a sociedade não quer mais assistir. O tratamento diferenciado entre regiões pobres e ricas de nossa cidade demonstra que, no mínimo, processos e comportamentos precisam ser revistos com prioridade e urgência”, afirma o ouvidor.

“Manifestações são legítimas e expressam um direito da sociedade, que precisa ser exercido com inteligência, mas, por outro lado, a polícia não pode adotar um tratamento do ‘olho-por-olho’ com respostas violentas nos territórios periféricos, que desonra a tradição da polícia militar e perpetua uma guerra onde só se contam perdedores, em todos lados”, completou.

O que dizem as autoridades 

O caso citado é investigado pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e por meio de Inquérito Policial Militar. Todos os agentes envolvidos na ocorrência estavam equipados com câmeras corporais, cujas imagens serão analisadas no decorrer da investigação. Na noite do último sábado (10) policiais militares faziam patrulhamento na Rua Ernest Renan, em Paraisópolis, quando flagraram um grupo traficando drogas. Ao se aproximarem os policiais viram que um dos suspeitos estava armado e houve intervenção. O homem, de 19 anos, foi socorrido ao Hospital Campo Limpo, mas não resistiu. A pistola que ele usava foi apreendida, assim como drogas, dinheiro, celulares, faca, mochilas e cadernos de contabilidade do tráfico.

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