‘Como destruir a vida do seu desafeto com um único e-mail: ameace fazer um ataque em uma universidade, mencione o ISIS para trazer mais credibilidade’, afirma integrante do Dogolachan, grupo formado por hackers racistas e misóginos
Membros de um fórum de extrema direita comemoraram o sucesso na trollagem – brincadeira ou zoeira na linguagem virtual – ao enviar um e-mail com ameaças de ataque terrorista à USP (Universidade de São Paulo), na segunda-feira (4/12). A comunidade é frequentada por hackers, que seriam os autores da mensagem.
Endereçada aos alunos de Letras, que compõe da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas), a mensagem ameaçava com um ataque a tiros na universidade para “matar o maior número de viados, travestis, esquerdistas e feministas que aparecer na minha frente”. A seguir, jura lealdade ao Estado Islâmico e “ao califa Al Baghdadi”.
No grupo de nome Dogolachan, um dos perfis se vangloria do êxito em culpar um desafeto, o qual assina a carta: “Todos aqueles que tentaram ferrar com o Mallonne, como este macaco, com isso de ‘eu combato a pedofilia’, desejo do fundo do meu coração que se f… lindamente. Agora, esse babaca desse Murilo está com o nome sujo no Google”, escreveu um dos integrantes, em perfil anônimo. “Esse cara vai ter problemas quando tentar tirar o visto americano”, segue.
Em outra mensagem, um dos membros utiliza o caso para ensinar “como destruir a vida do seu desafeto com um único email”. “Crie uma conta o nome do seu desafeto no protonmail [serviço de correio eletrônico criptografado]; Ameace fazer um ataque em uma universidade, mencione o ISIS para trazer mais credibilidade; lucro!”, escreve.
Uma das publicações da página mostra uma pesquisa feita no Google com o nome assinado na ameaça e matérias o ligando ao Estado Islâmico.
O email enviado à USP é assinado por Murilo Ianelli Chaves, já ouvido pela Polícia Civil no 93º DP, de Jaguaré, responsável por investigar o caso. Chaves nega ser o autor do documento e alega sofrer retaliação por atuar contra a pedofilia na internet praticada por hackers.
Um frequentador do fórum Dogolachan apontou à Ponte haver “100% de chance” de a ameaça ter sida elaborada por Marcelo Silveira Mello. Hacker de 32 anos, ele tem histórico de prisões e condenações por crimes de ódio praticados em grupos da internet.
Em 2009, Mello foi condenado a um ano e dois meses de prisão por ofensas raciais praticadas em um fórum da Universidade de Basília (UnB) quatro anos antes. Uma de suas mensagens dizia que negros eram “macacos subdesenvolvidos”. Ao recorrer, ele respondeu em liberdade.
A blogueira Lola Aronovich, do blog “Escreva Lola, Escreva”, é uma das vítimas de perseguição de Marcelo. Em novembro de 2015, um site com pregação de infanticídio de meninos e o aborto foi criado colocando a imagem de Lola como idealizadora. Ameaças e ofensas foram feitas a ela pelo Twitter. Um boletim de ocorrência levou à queda temporária do fórum.
“Acredito ter juntado várias evidências ao longo dos anos provando que Marcelo é o autor do chan (fórum), já que há coisas a que só ele pode ter acesso. Além disso, este é o modus operandi da quadrilha misógina chamada Sanctos: fazer doxxing para poder atacar e ameaçar desafetos e criar sites e e-mails falsos para tentar incriminar os inimigos”, sustenta Lola, em entrevista à Ponte. “O Marcelo fez ameaças parecidas à UnB em seu outro site de ódio, o que o levou à prisão. Anteontem (segunda-feira, 4/12), antes dos veículos de comunicação divulgarem a notícia da ameaça, o chan já exibia um print com a ameaça em si, comemorando. Um dia antes, a quadrilha falava abertamente sobre tentar incriminar esse Murilo, que eles colocaram como autor do e-mail, porque ele conseguiu abrir um inquérito contra eles em Guarulhos, em novembro”, prossegue.
O argumento da blogueira é compartilhado pelo frequentador da página, que pediu anonimato. “Realmente, esse é o modus operandi deles. Não gostam desse Murillo. Eles estão zoando ele por ser pouco direitista/direitista não digno e, se você acompanhar por uns momentos, vai ver que os alvos deles são 70% eles mesmos e 30% alvos externos, tipo a Lola”, explica um frequentador do fórum, que passou a acompanhar as mensagens do fórum após sofrer perseguições e ameaças. “Eles simplesmente queriam trazer vergonha e desgraça pra pessoa”.
A Superintendência de segurança da USP registrou boletim de ocorrência por conta do e-mail. Segundo ela, as autoridades policiais “tomaram as providências cabíveis para garantir o funcionamento normal de todas as atividades acadêmicas”, sustenta.
Em contato com a reportagem, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, por meio de nota enviada pela assessoria de imprensa terceirizada, a CDN Comunicação, não traz detalhes sobre as investigações. “Testemunhas estão sendo ouvidas e o representante da faculdade de Filosofia da USP foi intimado para prestar maiores informação e representar para instauração de inquérito policial, contudo ainda não compareceu na unidade policial”, diz a nota.
A reportagem da Ponte tentou contato com Marcelo Silveira Mello, mas não encontrou meios de contatá-lo e pedir a ele uma resposta.