Enquanto tucano criminaliza ativismo e defende polícia que atira para matar, atual governador usa fala mansa, mas adota ações questionáveis, como armar PMs com fuzis
De um lado, o candidato que literalmente veste a farda da PM. Do outro, o que atualiza bordões populistas famosos, como o “Rota na rua”, para vencer. Está é a análise de especialistas quanto aos perfis de Márcio França (PSB) e João Doria (PSDB) para governar a segurança pública do estado de São Paulo. Eles se encaram no segundo turno das eleições no domingo (28/10) e expõe diferentes propostas, mas em ambas há o apoio à violência policial, seja com fuzis ou de forma explícita nos discursos.
Márcio França assumiu o governo em abril, quando o então governador Geraldo Alckmin (PSDB) se licenciou para concorrer à presidência. Dali por diante, o novo governador colocou a segurança pública como foco, ao mudar o comandante-geral da PM e tentar separar as lideranças das polícias Militar e Civil, ambas submetidas à SSP (Secretaria da Segurança Pública), levando a Civil para a Secretaria da Justiça – ideia que não vingou por resistências internas das corporações e no próprio governo.
França tem usado repetidamente a imagem da PM em suas propagandas, bem como escolheu uma coronel como vice-governadora na chapa. Antes, premiou e posou para fotos com uma PM por ter reagido e matado um assaltante em Suzano, na Grande São Paulo – ela concorreu na eleição e foi eleita deputada federal. O socialista ainda pretende aumentar o uso de fuzis pela PM, colocando ao menos uma dessas armas em casa viatura, hoje usada em ações específicas, para “ampliar ainda mais o poder de reação”. Este armamento é utilizado em guerras e não indicado por especialista em conflitos em áreas urbanas com grandes aglomerações de pessoas.
Por outro lado, expõe no plano de governo a busca por “atacar causas sociais da violência”, colocar uma meta para reduzir os crimes e criar uma ronda da lei Maria da Penha, contra violências sofridas por mulheres. Recentemente, o MST (Movimento Sem-Terra) e outros movimentos sociais declararam apoio à candidatura do PSB.
João Doria também coloca a segurança pública como tema-chave na campanha, ao ponto de apoiar a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) à presidência, contrariando sua própria visão de que, além de se tratar de um candidato “extremista”, não seria “preciso empunhar armas” para resolver a crise da violência. Ele mudou de visão. Doria, agora, é favorável ao direito à arma e tem seguido a linha de raciocínio de Bolsonaro com carta branca para a PM matar – atualmente, a polícia militar paulista registrou o ano mais matador em duas décadas.
Em 2 de outubro, dia em que o Massacre do Carandiru (quando 111 pessoas foram assassinadas por PMs após uma rebelião no Pavilhão 9 do Complexo) completou 26 anos, o candidato do PSDB alertou “a bandidagem”. “Não façam enfrentamento com a Polícia Militar nem a Civil. Porque, a partir de 1º de janeiro, ou se rendem ou vão para o chão. Se fizer o enfrentamento com a polícia e atirar, a polícia atira. E atira para matar”, disse Doria, em entrevista para a Rádio Bandeirantes. Em outros momentos, Doria chamou membros do MST de “criminosos” em post no seu Twitter.
Em seu plano de governo, o candidato fala em levar batalhões da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, a elite da tropa da PM paulista) para todo o estado, blindar as viaturas da PM, melhorar o armamento e recompor gradualmente o salário dos militares. A intenção do empresário é colocar 40 delegacias para a mulher atendendo 24 horas por dia e triplicar as 400 bases para 1,2 mil, também 24h.
Disparate x ideia esdrúxula
Para traçar o perfil de cada candidato nesta disputa, a Ponte buscou especialistas tanto com experiência militar quanto de ações acadêmicas. O entendimento é de que há um uso excessivo de marketing em ambas as campanhas, mas com diferenças nas propostas. O coronel da reserva da PM de SP José Vicente da Silva Filho, ex-secretário de segurança no governo FHC (Fernando Henrique Cardoso), aponta erros nos dois lados: seja quando França tenta colocar a Polícia Civil com chefia diferente da Polícia Militar, seja a proposta de Doria em levar batalhões da Rota, considerada tropa de elite da PM, para todo o estado.
“O Márcio França não vem prometendo nada pirotécnico e não mostrou bem o que quer fazer. Soltou um disparate de colocar a Polícia Civil debaixo da Secretaria da Justiça e o demoveram da ideia péssima. A cooperação é fundamental”, aponta.
José Vicente usa um exemplo para sustentar a tese. “O 47º DP (Distrito Policial), no Capão Redondo. Houve queda de 90% de homicídios de 1998 para 2017 porque o delegado que esta lá e o capitão que comanda a PM no local têm que analisar todo o dia a evolução do crime na região. Toda semana eles replanejam, refazem as operações… Se separar mais ainda as corporações, atrapalha a cooperação que atualmente já não é boa”, justifica.
Quanto à análise de João Doria, o coronel tem elemento de sobra. Ele participou do grupo de um trabalho com 15 especialistas de segurança que fez uma espécie de consultoria para Doria. “A idéia que estávamos trabalhando é de que SP está com bons resultados, tem uma boa performance na segurança e precisa trabalhar com as polícias”, conta. Isto aconteceu até o candidato contrariar os apontamentos do coletivo, o que fez o coronel abandonar os trabalhos.
“De repente, numa entrevista no interior, o Doria saiu com a ideia de criar 17 batalhões tipo Rota para combater o crime organizado, que está explodindo carros de transporte de valores. E isso nunca tinha passado pela cabeça de ninguém do grupo. É uma fórmula esdrúxula”, explica José. “É como se resolvesse inovar na cirurgia neurológica no Hospital das Clínicas desprezando os médicos especializados no ramo”, pontua.
Solução errada x populismo
Os perfis com apontamentos errados também são alvo de críticas por parte de Rafael Alcadipani, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e membro do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Para ele, França mostra um dos problemas da segurança com uma solução errada, enquanto Doria surge como um “novo Maluf”.
“Vejo o França como o único cara no debate eleitoral que quer falar da causa do problema que são jovens vulneráveis. Não necessariamente da forma mais correta, com alistamento para trabalho. Tem a vantagem de pelo menos ver o jovem da periferia. Alistamento não é o caminho perfeito, mas pelo menos se tem uma luz no fim do túnel”, pondera, antes de apontar os problemas da campanha.
“O França tem aparecido muito com símbolos da PM e tem uma coronel como sua vice. Ele tenta se mostrar como o candidato da PM. E se o Doria ganhar, como fica a troca? A polícia tem que ser do Estado, não pode ter presença política tão forte. A utilização que fez não é boa para a corporação e nem para a sociedade”, completa Alcadipani.
Sobre as intenções de João Doria para a segurança pública, o especialista relembra uma figura emblemática da política paulista, o ex-governador Paulo Maluf. “Levar Rota para o interior é o velho lema ‘Rota na rua’, e ele perdeu o contato do José Vicente, figura importante. Ainda falou que polícia vai atirar para matar… Tenta surfar na onda populista, uma tentativa de pagar de ‘neo-Maluf’ [o autor da frase ‘Rota na rua]'”, aponta.
Para o professor, a equipe de trabalho de Doria voltada para o tema é composta por “gente séria”, que “conhece o tema”, mas ideias soltas podem complicá-lo. “O Doria é muito bom de marketing, vai falar tudo que acha que pode fazê-lo ganhar a eleição. O governador, antes de assumir, dar licença para matar é complicado. Já temos uma polícia muito letal em SP. E não fala de violência contra a mulher, que cresce no estado”, finaliza.