Frente Estadual pelo Desencarceramento é lançada no Rio de Janeiro

    Mais de 80 entidades assinaram o documento que propõe revisão do Sistema Penitenciário e o combate ao encarceramento em massa. Somente em 2016, pelo menos 254 presos foram mortos sob a custódia do estado do Rio

    Lançamento da Frente Estadual pelo Desencarceramento no CAARJ, centro do Rio. Foto: Luiza Sansão/Ponte Jornalismo


    O lançamento da Frente Estadual pelo Desencarceramento lotou o auditório do CAARJ (
    Caixa de Assistência dos Advogados do Rio de Janeiro), no centro da capital fluminense, na noite de quinta-feira (26). Ex-presidiários, familiares de presos, egressos do Sistema Socioeducativo, representantes de movimentos sociais, especialistas em Segurança Pública, magistrados e moradores de favelas reuniram-se para debater questões relacionadas ao cenário dramático do Sistema Penitenciário Brasileiro.

    A fundação da Frente foi impulsionada, sobretudo, pela preocupação com o fato de ao menos 254 presos terem morrido sob a custódia do estado do Rio somente no ano de 2016 e pelas recentes rebeliões em presídios do Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte, em que 118 presos foram mortos.

    A proposta é de aprofundamento do debate sobre o sistema prisional e as questões sociais relacionadas ao processo alarmante que, embora antigo, ganhou as páginas dos jornais de forma mais enfática desde que tiveram início as decapitações que circularam em vídeos chocantes pelas redes sociais.

    “Espera-se que a partir da proposta ora apresentada, construa-se política sólida, sem remendos, que seja apta a atacar na integralidade a grande chaga que representa o sistema penal às massas de marginalizados e periféricos desse país”, diz o documento, que foi assinado por mais de 80 entidades.

    A integrante da ONG Justiça Global Monique Cruz destaca a importância de tantas pessoas e instituições se articularem para tratar da questão do sistema carcerário. “A articulação de um monte de gente que já estava discutindo, que já estava pensando o tema, com um objetivo comum, é muito importante. É preciso trazer outros setores e a opinião pública, mostrar o que está acontecendo, mostrar quem está preso, o que é o sistema penitenciário, procurar derrubar estigmas construídos há tanto tempo e mostrar que a cadeia só serve para causar sofrimento e não enfrenta a criminalidade”, diz.

    A Frente apresenta as seguintes diretrizes básicas de atuação:

    – contribuir para a elaboração e implementação de Plano de Redução da Superlotação no Sistema Prisional e Sistema Socioeducativo, sem a criação de novas vagas;

    – congregar e acolher a participação de familiares de pessoas presas ou em medida de internação, bem como de pessoas que tenham passado por pena ou medida de privação de liberdade;

    – promover e divulgar a realização de pesquisas e estudos de interesse no tema, aportando recomendações e dados para as esferas de decisão de políticas públicas;

    – acompanhar a implementação de políticas públicas no estado do Rio de Janeiro, em especial aquelas referentes aos temas de prisão provisória e alternativas penais;

    – acompanhar as condições das unidades prisionais e socioeducativas, a partir dos relatos e documentos produzidos pelos órgãos de controle.

    Entre as 22 propostas de ação que constam no documento, estão a “observância das diretrizes e recomendações estabelecidas pelos organismos internacionais para o enfrentamento do problema da superlotação carcerária, em especial daquelas previstas no Manual de Estratégias para a Redução da Superlotação Carcerária” e “a consolidação e expansão das audiências de custódia, hoje restritas à capital e aos dias de semana”.

    Também discutiu-se a necessidade aprofundar o debate crítico para pôr fim à Guerra às Drogas, à qual o documento se refere como “uma falida e danosa política, principalmente por causa do encarceramento massivo e da violência”.

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    Primeira mulher a dirigir o sistema penitenciário do Rio de Janeiro, a socióloga Julita Lemgruber lembrou, ao discursar no evento, contou que a primeira vez que pisou em uma prisão foi em 1976, ao definir que o tema de seu trabalho no mestrado seria a prisão de mulheres, e lamentou a situação atual dos presídios brasileiros.

    “Para mim, é particularmente difícil ver que, ao longo desses anos, tudo piorou. Passaram-se 40 anos desde que entrei numa prisão pela primeira vez. Depois disso, trabalhei com prisões, pesquisei prisões e é muito duro, muito triste, ver que tudo piorou tanto. Como é trágico a gente precisar de episódios como os que aconteceram recentemente para que as pessoas acordem”, disse, referindo-se às rebeliões em presídios do Norte e Nordeste.

    Ela afirmou temer que a pauta saia da agenda da mídia e enfatizou a importância do trabalho da Frente contra o esquecimento. “Realmente, se a gente não se organizar e não tiver propostas muito concretas e disposição para trabalhar, logo a mídia vai esquecer, a sociedade vai esquecer”.

    Também discursou no evento o desembargador do TJRJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) João Batista Damasceno, que destacou o papel do Poder Judiciário nas prisões. “A polícia não prende, o Ministério Público não prende, os agentes penitenciários não prendem, o secretário de gestão penitenciária não prende. Quem prende e mantém preso é o Judiciário”, afirmou.

    Segundo o juiz, o Judiciário está prendendo muito e isso está causando problemas no sistema prisional do estado. “Os juízes não estão desencarcerando, estão mantendo presos, não estão comprometidos com o desencarceramento”, destacou.

    Lançamento da Frente Estadual pelo Desencarceramento no CAARJ, centro do Rio. Foto: Luiza Sansão/Ponte Jornalismo


    Familiares de preso criticam precariedade dos presídios

    Egressos do sistema prisional e familiares de presos também discursaram, tecendo críticas às condições das unidades do estado do Rio.

    Mãe de um homem que se encontra preso há 20 anos, uma senhora ressaltou as condições de higiene, a péssima qualidade da alimentação e do atendimento a familiares de presos, em que frequentemente há “constrangimentos”, segundo ela.

    “As celas são imundas, os banheiros são imundos, até o da própria visita. Um contingente muito grande [de presos], e ainda desativaram um presídio e carregaram pra outro que já estava superlotado. A coisa está péssima. Onde nós vamos parar?”, questionou.

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