Funcionários da Fundação Casa anunciam greve

Servidores pretendem iniciar paralisação nesta quarta-feira (3) por reajuste salarial e segurança no trabalho; eles também contestam fechamento de unidades socioeducativas e afirmam que governo paulista está descumprindo ECA

Servidores participam de assembleia do Sitsesp em 29 de abril de 2023 | Foto: divulgação/Sitsesp

Funcionários do Centro de Atendimento Socioeducativo para Adolescentes, a Fundação Casa, anunciaram uma greve geral para iniciar a partir da meia-noite de quarta-feira (3/5) por “esgotamento de negociações coletivas”. A categoria reivindica valorização profissional, segurança no trabalho e contesta as suspensões de funcionamento e os fechamentos de unidades socioeducativas que vêm ocorrendo desde 2021 no estado de São Paulo.

A decisão foi tomada no sábado (29/4) durante assembleia do Sindicato dos Trabalhadores nas Fundações Públicas de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Privação de Liberdade do Estado de São Paulo (Sitsesp). Uma audiência pública sobre o assunto também foi marcada na quarta-feira na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) e um protesto deve acontecer no dia seguinte, em frente à sede administrativa da Fundação Casa, no centro da cidade.

Segundo ofício do sindicato, a Fundação teria informado, no dia 15 de abril, que o governo estadual, sob a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), não faria reajuste salarial após ter dito, um dia antes, que o aumento do salário com reposição inflacionária de 6,7% dependeria de aprovação de uma comissão. O governo teria sugerido inicialmente o reajuste de 5,75%, o que o sindicato não concordou por estar abaixo da inflação.

“Amanhã (2), o governo vai apresentar na Assembleia Legislativa o projeto de lei para beneficiar a Polícia Militar e a Polícia Civil, mas exclui o agente penal e a socioeducação”, afirma o servidor, secretário de finanças e diretor do Sitsesp Emerson Feitosa ao citar que está previsto o envio do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2024 pelo Executivo.

“A Fundação não quer cumprir as cláusulas funcionais acordadas com o tribunal [do trabalho] no ano passado que, dentro dessas cláusulas, consta a evolução do plano de carreiras e salários, que não vem sendo implementado desde 2017, por dizer que é de cunho econômico”, completa.

O Sitsesp elenca como motivos para a paralisação: uso de câmeras nos locais de trabalho como forma de “perseguir e punir exclusivamente o servidor”; redução de servidores nas unidades com baixo efetivo durante o período noturno; ausência de contratações; “ausência de posicionamento em relação à regulamentação das escalas de trabalho”; medidas de “redução de custos sem a ponderação dos riscos que estes servidores estão expostos” ao citar dois casos de servidores que foram mortos por adolescentes internados em abril e em dezembro de 2022.

“São vários servidores que estão sendo agredidos nos centros socioeducativos, inclusive voltou à época da Febem [antigo nome da Fundação Casa] porque está entrando drogas dentro das unidades”, denuncia Emerson. “Às vezes são quatro ou cinco funcionários para cuidar de 60 adolescentes”, prossegue.

Segundo ele, a questão das câmeras não se refere a dificultar a fiscalização de condutas, mas de “penalizar” os funcionários sem motivos. “É uma perseguição de quando ele vai no banheiro, hora que vai sair para fumar um cigarro, quando tempo gasta”, diz.

Também são mencionados os fechamentos de unidades socioeducativas e transferências compulsórias de servidores. Em 2021, funcionários protestaram e denunciaram à reportagem que as transferências estavam sendo realizadas sem discussão e para locais muito distantes de onde moram. A medida tinha afetado, na época, 77 pessoas e, segundo agentes ouvidos pela Ponte, as transferências foram mantidas, mas alguns servidores resolveram contestar por ação judicial. “”A intenção da cúpula da Fundação é fechar mais centros e isso desestrutura completamente a vida dos servidores porque não tem vagas nos outros centros e eles colocam os servidores para irem mais de 100 km da sua residência”, afirma o diretor do Sitsesp.

As suspensões de funcionamento mais recente, ocorridas em abril, foram dos centros socioeducativos Ipê e Nova Aroeira, que integram o Complexo Raposo Tavares, ambas na capital paulista. Servidores disseram à Ponte que a decisão não foi comunicada com antecedência. A assessoria da Secretaria de Justiça e Cidadania, que é responsável pela Fundação Casa, confirmou o encerramento das atividades e disse que os funcionários foram realocados para as unidades Jardim São Luís e Vila Maria, na capital, e Osasco, na região metropolitana.

A justificativa, que vem sendo dada desde 2021, é a mesma: queda no número de adolescentes internados. Até julho de 2022, a Fundação Casa desativou 31 centros socioeducativos e manteve 116 em atividade, segundo o jornal Folha de S.Paulo. Pelo menos três imóveis foram cedidos à prefeitura para virar centros de acolhida à população de rua. Em nota, a Fundação Casa disse que 111 centros estão em funcionamento (leia ao final da reportagem).

De acordo com boletim estatístico divulgado pela própria Fundação Casa, até 28 de abril, 4.990 adolescentes estão sob custódia da entidade. As informações não são detalhadas por centro socioeducativo e sim por oito divisões regionais (que abarcam mais de uma unidade cada uma) e cuja ocupação é de 79% da capacidade. Ou seja, com 1.287 vagas sobrando no geral. Em novembro de 2013, dado mais antigo informado no site, 9.479 adolescentes estavam internados, indicando superlotação de 9,3% na época.

O Sitsesp denuncia, ainda, que o governo estadual está descumprindo o artigo 123 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ao não obedecer a “rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração” dos adolescentes internados e que estaria colocando jovens de 13 a 20 anos, primários (primeiro ato infracional) e reincidentes, “dentro do mesmo espaço”.

O que diz o governo

A Ponte procurou a Secretaria de Justiça e Cidadania sobre as reivindicações da categoria, o anúncio de greve e os fechamentos dos centros socioeducativos. A assessoria encaminhou a seguinte nota:

A Secretaria da Justiça e Cidadania, por meio da Fundação CASA, esclarece que o Governo do Estado de São Paulo ofereceu 5.75% de reajuste salarial, inclusive sobre os benefícios (vale refeição, vale alimentação, auxilio creche e funeral), aos servidores da Fundação CASA. A proposta foi recusada, em assembleia, no último dia 29 abril. A Instituição reforça que, desde o início da campanha salarial, em março deste ano, vem dialogando com os representantes dos servidores e do Sindicato dos Trabalhadores nas Fundações Públicas de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Privação de Liberdade do Estado de São Paulo (Sitsesp).

O Tribunal Regional do Trabalho concedeu, ontem (30/04), liminar que obriga a permanência de 70% dos servidores, de cada área de autuação (Agente de Apoio Socioeducativo e Operacional, Agente Educacional, Assistente Social, Psicólogo, Enfermeiro, Auxiliar de Enfermagem, Pedagogo e Professor de Educação Física), para garantir a execução da medida socioeducativa em todo o Estado de São Paulo. Casa seja descumprida a ordem judicial relativa ao emprego de 70% dos servidores em atividades, o Sitsesp será multado em 200 mil reais por dia.

Vale destacar que, entre 2018 e 2022, a Fundação CASA concedeu 18,91% de reajuste para os servidores, incluindo os benefícios do vale-refeição, auxílio-creche e auxílio-funeral. O vale-alimentação, por sua vez, teve elevação 45,42% no mesmo período.

A Fundação CASA não transferiu servidores compulsoriamente. O que, de fato, aconteceu foi a suspensão das atividades dos centros socioeducativos Nova Aroeira e Ipê, localizados no Complexo Raposo Tavares, devido à baixa demanda de adolescentes nos últimos anos. Hoje, a Instituição atende 4.989 jovens para uma capacidade de 6.277 vagas. A taxa de ocupação chega a 79% em todos os 111 centros espalhados no Estado de São Paulo. Os servidores que trabalhavam nos CASAs Nova Aroeira e Ipê foram transferidos para centros de Osasco, Jardim Luiz e Vila Maria, medida de eficiência adotada em qualquer modelo de gestão, inclusive, por mandamento constitucional, no da administração pública.

Reportagem atualizada às 17h, de 1/5/2023, para incluir entrevista de Emerson Feitosa e resposta da Fundação Casa.

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