Trabalhadores denunciam insalubridade e falta de manutenção em prédio do extinto programa ‘De Braços Abertos’ e expõem dificuldade de gestão atual em implementar novo sistema de atendimento
Funcionários da unidade Parque Dom Pedro do extinto programa De Braços Abertos (DBA), onde ainda moram cerca de 100 usuários e ex-usuários de crack, entre crianças e idosos, atendidos pela Prefeitura de São Paulo, entraram em greve no último dia 30/11. Cerca de 20 profissionais alegam “ausência de condições de trabalho referentes a estrutura física e de recursos humanos” para justificar a paralisação.
Ratos, baratas e outros animais peçonhentos: é esse cenário de abandono ao qual beneficiários do programa e os profissionais de assistência social e saúde estão submetidos. O edifício tem oito andares e está com o elevador parado há cinco meses por falta de manutenção, obrigando os moradores a subirem pelas escadas, que também possuem vazamentos de água e não têm reposição de lâmpadas. A situação chegou a causar pequenos acidentes e uma permanente sensação de insegurança.
De acordo com os técnicos, por duas vezes ocorreram princípios de incêndio no local, porém não havia extintores para conter as chamas. “O prédio tem diversos problemas hidráulicos e elétricos, apresentando risco de incêndio, sendo que as questões hidráulicas trazem prejuízo a higiene pessoal, disseminando pediculose e escabiose aos moradores e trabalhadores”, explica um dos participantes da greve, que pediu anonimato.
Os programas assistenciais municipais funcionam por meio de convênio que a prefeitura faz com OS (organização social). E o detalhe é que a Iabas (Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde) continua sendo uma dessas OSs, mesmo com o fim da gestão Haddad e a teórica extinção do programa de redução de danos De Braços Abertos, anunciado em maio, em meio às operações violentas na Cracolândia.
Os funcionários explicam, portanto, que, aliado aos problemas estruturais, existe um cenário de indefinição que pode estar atrapalhado o andamento dos trabalhos: teoricamente, o programa De Braços Abertos (DBA), da gestão Fernando Haddad (PT), foi extinto para dar lugar ao Redenção, da administração do atual prefeito João Doria (PSDB), que na prática não foi definido. Os profissionais alegam que não sabem a que “rei devem servir”, já que o DBA, como é chamado por quem está no sistema, não existe na teoria. Na prática, sobrevive aos trancos e barrancos, sem qualquer revisão, por exemplo, dos convênios da gestão anterior. Alguns assistentes sociais e da saúde que atuam na região explicam que não há identificação com relação ao Redenção, tanto que ainda se reconhecem como sendo trabalhadores de um sistema que nem existe mais.
“Não está havendo negociação, a Iabas sabe exatamente as condições de trabalho a que somos submetidos e mediante inúmeros questionamentos, recebemos como resposta que voltemos ao nosso posto de trabalho, e que se há insatisfação podemos romper com a empresa”, conta um dos grevistas, que por medo pediu para não se identificar.
Segundo o grupo, a Organização Social Iabas (Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde), responsável pela coordenação do prédio, se recusou a negociar com os técnicos em duas reuniões. De acordo com os trabalhadores, a ordem foi voltar imediatamente ao trabalho.
A última reunião aconteceu na quarta-feira (13/12), na sede da organização, na Avenida Paulista, em São Paulo. Representando a empresa, o responsável pelos contratos dos hotéis do programa DBA e a gerente de Recursos Humanos da Iabas se reuniram com oito funcionários e novamente não houve avanço nas negociações. A organização não divulgou o nome do responsável e da gerente.
“Paralisar as atividades foi uma medida drástica, visto que reivindicamos questões básicas há 11 meses”, afirmou uma funcionária que preferiu não se identificar. Na última quinta-feira (14) os grevistas entraram com uma ação no Ministério Público do Trabalho contra a empresa.
Violência e risco de morte
As exigências do grupo vão de dedetização do espaço até troca de lâmpadas de energia, pessoal qualificado para garantir a segurança na entrada e saída de pessoas, manutenção de eletrodomésticos, entre outros.
“Considerando os múltiplos episódios de violência registrados e direcionados através de e-mails e contatos telefônicos aos responsáveis pela gestão do equipamento, o setor administrativo do Iabas, além dos agravantes no decorrer desse ano que colocam constantemente a equipe acima referida em risco de morte (…) Comunicamos a impossibilidade de prosseguir com o trabalho”, afirmam os trabalhadores em carta aberta.
No texto, eles argumentam que é necessário profissionais qualificados para a mediação de conflitos entre usuários do programa, porque “além de desviar da função técnica, impede o fortalecimento do vínculo com os beneficiários e, assim, a possibilidade de oferecer os cuidados previstos pelo programa”.
Apesar dos relatos e denúncias apresentadas pelos profissionais para a Iabas, de acordo com os funcionários, a organização se mantêm relutante em negociar. Além disso, dizem que não raro “os representantes não atendem o telefone ou pedem que enviemos um e-mail, isso mediante situações graves”.
“Já foram encaminhados e-mails, mas eles nunca se dispõem a ir ao nosso local de trabalho. A ida a sede ja é uma burocracia, tanto para subir aos andares, quanto para ter alguém para nos ouvir e nunca temos uma resposta concreta. Neste momento nos negamos a retornar ao posto de trabalho, visto que já ouvimos inúmeras vezes que mudanças aconteceriam”, diz um funcionário grevista.
A organização se posiciona de forma diferente, negando haver paralisação. Em nota, se contradiz ao afirmar que “não foi deflagrada greve dos colaboradores do Hotel Dom Pedro. O Iabas mantém o diálogo aberto com os colaboradores da unidade e, inclusive, já foi realizada reunião entre o gestor dos hotéis, o RH do Instituto e os colaboradores para que seja alcançada uma solução”. Mas, ao final da declaração, o instituto cobra a volta ao trabalho “para que não haja prejuízos à assistência aos beneficiários”.
A Iabas alega que as reivindicações dos trabalhadores fogem da responsabilidade. “Os questionamentos dos colaboradores são fortemente ligados a uma questão de segurança pública, sobre a qual o Iabas não tem ingerência, mas tem feitos esforços junto à SMS para articular ações visando à melhoria desta questão”, sustenta, seguindo a mesma linha sobre obras no prédio Dom Pedro do extinto DBA. “O Contrato de Gestão firmado com a Secretaria Municipal da Saúde não prevê intervenções estruturais nas unidades gerenciadas. O Iabas, contudo, realiza ações de manutenção regularmente visando à melhor conservação do prédio”, aponta, argumentando ter herdado o local com “problemas estruturais e sociais crônicos” e, por isso, “há um processo de deterioração acelerado, apesar dos esforços constantes do Instituto para sanar tais questões”.
Procurada pela Ponte, a Prefeitura de São Paulo não se posicionou até a publicação da reportagem. Os seguintes questionamentos foram feitos:
- Como a prefeitura e, mais especificamente, a SMADS (Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social), está atuando na infraestrutura e segurança dos funcionários do DBA?
2. Como está sendo realizada a negociação para a retomada dos serviços no prédio?
3. Qual é a política que será aplicada no DBA, uma vez que foi lançado o programa Redenção, que tem atuação semelhante?
As tentativas de redenção
Em meio à situação de indefinição do De Braços Abertos – uma vez que foi oficialmente extinto, mas ainda existe -, o prefeito João Doria (PSDB) lançou, por coincidência no mesmo dia do anúncio da greve (30/11), as bases do programa Redenção. Também destinado para usuários de crack, especialmente aqueles do território conhecido como Cracolândia, no centro da capital paulista, o novo programa adota estratégias de redução de danos semelhantes ao DBA. A diferença é tratar aliado à abstinência, presente no programa do governo do Estado de São Paulo, Recomeço, lançado há quatro anos pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB).
Com uma série de questionamentos sobre o funcionamento do programa, que foi chamado de “ineficaz” pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, o coordenador do Redenção, Arthur Guerra, demonstrou não receber apoio da Prefeitura na elaboração da sua metodologia. “Tenho dúvida se tenho vocação e tempo necessário, me sinto extremamente solitário. À noite, vou dormir e pergunto: ‘De quem tenho apoio?’. São muito mais dúvidas do que certezas. De fato, não tenho várias respostas”, contou Guerra, durante o lançamento do novo programa.
Apesar do esforço em dialogar com movimentos e adotar a estratégia de redução de danos no Redenção, a prefeitura permanece destacando o número de internações compulsórias como métricas de sucesso. No dia 21/11, de acordo com os resultados oficiais, foram realizadas 2.300 internações no período de seis meses de programa.