Projeto social reúne cerca de 100 crianças e adolescentes para jogar futebol no extremo sul de SP, e encerra o ano com doações de chuteiras, uniformes e festa
Fogos de artifícios queimando no céu do Jardim Itajaí, na região do Grajaú, zona sul da cidade de São Paulo, e o vira-lata Bob correndo à frente de dezenas de meninos e meninas para entrar no campinho de terra ao lado do córrego que margeia o bairro anunciaram o começo da festa de Natal dos Meninos do Brejo, na tarde do último domingo (22/12).
Crianças e adolescentes do projeto independente Meninos do Brejo, muitos em situação de vulnerabilidade social, foram divididos em times de diferentes categorias para enfrentar uma equipe do bairro vizinho Jardim Sete de Setembro.
O terrão recebeu as estreias de 45 chuteiras e do uniforme novo do time da casa. E as reclamações de Silvio Antônio, 15 anos, mostraram que a festa não se limitava aos novos vestuário dos jogadores. “Não sei para que foram quatro pessoas, se eu trouxe tudo sozinho”, disse ao deixar uma caixa cheia de lanches doados para festa. “Fomos fazer a segurança”, respondeu outro adolescente em tom de zoeira.
O tradicional evento de fim de ano teve distribuição de 300 cachorros-quentes, mais de 100 kits com doces e brinquedos, cerca de 50 litros de refrigerantes, além de brincadeiras e, obviamente, muito futebol. Cerca de quatro horas de bola rolando.
O Meninos do Brejo, que existe desde 1998, reúne cerca de 100 meninos e meninas com idades de 6 a 16 anos para jogar futebol no campo desnivelado durante as tardes de todos sábados e domingos. “Não somos escolinha de futebol, somos um projeto social que forma cidadãos”, diz Ademilton Alves, o Lelê, 53 anos, que é o treinador e líder do projeto.
Desde o início do projeto, Lelê vive os finais de semana para as crianças e adolescentes do bairro. De segunda a sexta, trabalha como pedreiro. “Eu não tenho mais uma vida social, não sei o que é ir no shopping, mas é isso que me deixa feliz”, conta.
E não é difícil de ver a felicidade do treinador se transformar em lágrimas. Na preleção com os meninos, na garagem de sua casa, antes de descer a viela para ir ao campo, Lelê chora ao fazer um balanço do ano e as conquistas para a festa.
“Foi uma luta muito grande para ganhar essas chuteiras. Mas vocês merecem, todos que ganharam merecem mesmo”, disse emocionado. Os calçados foram doações recebidas de uma ONG parceira do projeto.
Mas além das chuteiras, o evento contou com a solidariedade de muitas outras pessoas do bairro. Comerciantes doaram pães e salsichas para os cachorros-quentes, alguns moradores se dispuseram a preparar os lanches, enquanto outros fizeram os kits com doces e brinquedos para dar a todos que participam do projeto.
Já os novos uniformes do time, com meiões, shorts e camisetas com numeração e nome dos meninos e meninas, foram feitos graças ao dinheiro arrecadado ao longo do ano em eventos como a Festa Junina dos Meninos do Brejo.
A verba, no entanto, não foi suficiente para fazer para todos do projeto. Então, segundo Lelê, “as questões extra-campo, como problemas na escola ou com a família, determinam quem recebe”. Ficaram sem os novos uniformes os meninos e meninas que não atingiram os objetivos escolares traçados no início do ano e os que os pais reclamaram por falta de ajuda em casa.
Os mesmos critérios foram usados para definir os ganhadores de novas chuteiras. E esse momento mostrou que a solidariedade que vem de fora é a mesma entre os meninos. Matheus Pacheco, 13 anos, ganhou novos calçados e emprestou o seu para o amigo Ryan Vieira, 14, que havia acabado de perder a sola do seu.
Com a bola rolando, seja com chuteira nova ou velha, uniforme atual ou antigo, a meninada queria mostrar talento no futebol. No banco de reservas, a conversa era bem dividida: uns queriam narrar e comentar os lances do jogo, outros preferiam prestar mais atenção nos pipas que estavam no alto, e ainda tinha os que se preparavam, brincando, para ir a campo. É o caso de Hyago Marques, 15 anos.
“Filma aí e pode preparar, levanta a plaquinha porque hoje tem gol do careca”, disse Hyago, antes de começar a jogar. Ele perdeu o cabelo depois de querer entrar na moda e descolorir o cabelo para ficar igual ao Gabigol — jogador do Flamengo que levanta plaquinha em comemorações de gols. O menino jogou duas partidas, teve participações importantes, deu passe, mas não fez o gol para levantar a plaquinha.
As partidas contra o time do Jardim Sete de Setembro começaram equilibradas. Vitórias com placares apertados dos Meninos do Brejo. A situação só mudou quando as meninas entraram. O time feminino do projeto aplicou a maior goleada da tarde. “Nem sei quanto tá, já foi um monte”, disse Eduardo Augusto, de 12 anos, autor do único gol do jogo da sua categoria. Mas o Lelê confirmou o placar: 6 a 0.
O futebol do campo do brejo acontece até anoitecer. Como o campo conta apenas com a luz natural, os jogos das categorias com os mais novos rolam mais cedo. No final da tarde, o campo é dominado por adolescentes com idades mais avançadas.
Pouco antes de anoitecer, o futebol já é só entre os adultos. Eles finalizam o domingo. E o ano dos Meninos do Brejo fecha também. Lelê agora se prepara para seu aniversário, que é no dia seguinte: “Estou feliz. O meu presente é isso, essa festa, e essas chuteiras que eles ganharam”.