Casal ia promover oficina de grafite e apresentação de poesia falada para crianças e adolescentes, mas foi barrado por guardas municipais. Prefeitura havia cedido banheiros químicos para a realização do evento
Um casal de artistas foi agredido por guardas municipais de Barueri, na Grande São Paulo, no último sábado (15/3), ao ser barrado de realizar um evento cultural na periferia da cidade. A prefeitura, sob gestão Beto Piteri (Republicanos), chegou a instalar banheiros químicos no local do evento na véspera, em apoio à iniciativa, mas, em contato agora com a Ponte, alegou não ter autorizado a programação, sem explicar por qual razão cedeu então previamente a estrutura de higiene.
Um vídeo gravado por vizinhos mostra o ator e produtor cultural Nelson Tobias, responsável pelo evento, sendo agredido na ocasião junto da esposa, Larissa Bacellar. Ele também foi algemado e levado de viatura pelos guardas à Delegacia de Polícia de Barueri, onde precisou assinar um termo circunstanciado de ocorrência. Os agentes municipais acusaram o artista de desacato e desobediência.
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O evento cultural planejado por Nelson ocorreria no bairro Jardim dos Altos, em um trecho da Rua Mirante das Nascentes que percorre os fundos de um conjunto habitacional — o local é isolado e acessado praticamente apenas por quem mora ali, como é o caso do próprio artista e sua esposa.
Nelson havia protocolado ainda em janeiro um pedido de autorização junto à Secretaria de Cultura e Turismo de Barueri para realizar o projeto. No documento, também solicitava o fornecimento de um palco, duas tendas e banheiros químicos. Ele diz que, em apoio à iniciativa, a pasta forneceu dois banheiros, que foram levados ao local na sexta (14/3) e recolhidos nesta terça (18/3).

Evento levaria hip-hop para crianças
A iniciativa se estenderia das 12h às 18h e seria dedicada a crianças e adolescentes, com uma oficina de grafite liderada por Larissa e apresentações de poesia falada e dancehall conduzidas por Nelson. O casal ainda distribuiria doces para os participantes e tentaria arrecadar fundos com convidados para viabilizar um novo evento posteriormente, desta vez dedicado à celebração da Páscoa.
Por volta das 11h, no entanto, uma equipe de guardas apareceu no local, determinando que Larissa desmontasse a barraca que já havia levantado para expor pinturas e que Nelson não realizasse o evento. Mesmo com os artistas informando que havia apoio da prefeitura, os agentes se mostraram irredutíveis, acusando o casal de tentar promover um baile funk.

Após desistirem do evento, Nelson diz que, como aquele era o dia do aniversário de Larissa e já estavam ali alguns amigos, sugeriu a eles que fizessem ao menos um churrasco de almoço na calçada do condomínio, uma área comum dos próprios moradores. Os guardas, no entanto, também barraram a confraternização privada, ocasião em que o artista diz ter se exaltado. Foi então que ele e a esposa acabaram agredidos, em cena que foi filmada por vizinhos [veja acima].
“Minha língua foi cortada, estou com o pescoço todo machucado, todo doendo, o meu braço também está doendo. E a minha esposa está machucada”, diz Nelson, inconformado.
“A ideia do evento era trazer para a molecada os quatro elementos do hip-hop como um meio de transformação, como uma segunda opção. Porque a primeira opção na periferia é o tráfico. Nós, os produtores culturais, ainda brigamos para poder fornecer uma segunda opção”, lamenta o artista, que, em sua trajetória profissional, guarda participação na série Sintonia (Netflix), além de ter inspirado um personagem do filme Na Quebrada (Globo Filmes).

Casal tenta recuperar carro levado pela GCM
Além de agredir os artistas, os guardas tomaram a chave do carro do casal das mãos de Larissa, afirma Nelson. O veículo estava desligado e estacionado em uma vaga da rua, mas acabou guinchado a mando da Guarda Municipal sob a alegação de que estaria em mau estado de conservação e com som em alto volume. No entanto, ainda segundo o produtor, o carro sequer tem aparelho de som.
O veículo foi recolhido em um pátio e só pode ser recuperado mediante o pagamento de multa. Nas redes sociais, o casal tenta negociar itens pessoais e obras assinadas por Larissa para arcar com o prejuízo e ter o carro de volta. Nelson conta que, desde o ocorrido, não teve mais contato com a prefeitura.
“Barueri é uma tremenda mentira: eles falam que é uma cidade que acolhe as pessoas, mas não acolhem as pessoas da periferia. O negócio deles é lá embaixo, no Centro e em Alphaville, mas aqui tem muito mais comunidade, muito mais periferia do que a galera que vive do outro lado da ponte”, diz.
Prefeitura diz que negou autorização, mas não explica por quê cedeu banheiros
A Ponte questionou a prefeitura, via assessoria de imprensa, sobre a razão pela qual os guardas, sob ordens do município, barraram o evento cultural. Em nota, a gestão Beto Piteri comunicou que a programação não estava autorizada e que previamente comunicou o casal de artistas disso, no dia 5 de março deste ano — Nelson nega que tenha sido avisado. A prefeitura afirmou ainda que o registro do pedido de autorização não significa, por si só, o aval para que a iniciativa fosse realizada.
Segundo a gestão do município, o evento foi barrado “em face de não atendidos os requisitos legais”, sem especificar quais são. “A Secretaria de Segurança Urbana e Defesa Social (SSUDS) de Barueri informa que o Decreto Municipal nº 8.423/2016 que disciplina a realização de eventos em espaços públicos outorga à SSUDS a decisão de conveniência e oportunidade de sua realização, precedida de manifestação e deliberação de Secretarias Municipais, como por exemplo, Secretaria de Indústria, Comércio e Trabalho, Secretaria de Mobilidade Urbana, Secretaria de Planejamento e Urbanismo, etc., ajuizando o atendimento, pelo interessado, dos requisitos determinados no referido decreto”, escreveu.
A Ponte questionou se algum guarda municipal foi afastado ou é alvo de inquérito em razão da conduta no caso. A prefeitura atribuiu a Nelson as agressões.
“No dia dos fatos, a Guarda Civil Municipal de Barueri, atendendo a reclamação de moradores, os quais denunciavam a reunião de pessoas para evento de grafite com música (baile funk), se deslocou ao local reiterando ao solicitante o indeferimento de seu pedido para a realização do evento e, que em face de sua insurgência, não acolhendo aquela deliberação e ainda ofendendo os agentes da GCM de Barueri, foi por estes contido, fazendo assim cessar suas agressões, e conduzido ao Distrito Policial de Barueri para o registro do boletim de ocorrência de desacato e desobediência”, comunicou.
A Ponte também perguntou à prefeitura, por duas vezes, por qual razão forneceu banheiros químicos se não autorizou o evento, mas não houve retorno sobre esse ponto.
Leia a íntegra do que diz a prefeitura de Barueri
A Prefeitura de Barueri esclarece que de fato, os organizadores do evento realizado em 15 de março de 2025, no Jardim dos Altos, enviaram um ofício solicitando o apoio da Secretaria de Cultura e Turismo (Secult) como palco, tendas e banheiro químico. No entanto, o envio de um ofício de solicitação não significa que o mesmo foi atendido. Assim, o evento em comento, em face de não atendidos os requisitos legais teve sua realização indeferida, dando-se previamente conhecimento ao solicitante da decisão no dia 05/03/2025, por meio do Ofício GCMB nº 101/2025/CMT.
A Secretaria de Segurança Urbana e Defesa Social (SSUDS) de Barueri informa que o Decreto Municipal nº 8.423/2016 que disciplina a realização de eventos em espaços públicos outorga à SSUDS a decisão de conveniência e oportunidade de sua realização, precedida de manifestação e deliberação de Secretarias Municipais, como por exemplo, Secretaria de Indústria, Comércio e Trabalho, Secretaria de Mobilidade Urbana, Secretaria de Planejamento e Urbanismo, etc., ajuizando o atendimento, pelo interessado, dos requisitos determinados no referido decreto.
No dia dos fatos, a Guarda Civil Municipal de Barueri, atendendo a reclamação de moradores, os quais denunciavam a reunião de pessoas para evento de grafite com música (baile funk), se deslocou ao local reiterando ao solicitante o indeferimento de seu pedido para a realização do evento e, que em face de sua insurgência, não acolhendo aquela deliberação e ainda ofendendo os agentes da GCM de Barueri, foi por estes contido, fazendo assim cessar suas agressões, e conduzido ao Distrito Policial de Barueri para o registro do boletim de ocorrência de desacato e desobediência.
A Guarda Civil Municipal de Barueri reitera seu compromisso como instituição mantenedora de direitos, atuando sempre em favor do interesse público e do bem comum.