GCMs ameaçam moradores de rua após guarda perder arma, munições e documento

    Bolsa com os pertences estava no capô de um veículo particular no Parque Mooca e foi encontrada em estação de energia da Eletropaulo; ameaças chegaram até padre

    Registro de ação feita por GCMs em busca dos itens perdidos pelo imrão de farda | Foto: Arquivo pessoal

    Uma bolsa com uma arma, muitas munições e a identificação de um agente da GCM (Guarda Civil Metropolitana) de São Paulo foi encontrada no capô de um carro particular estacionado no Parque da Mooca, na zona leste da capital. O sumiço do material gerou uma caça a moradores em situação de rua da região, segundo relatos de quem sofreu com a ação de agentes que buscavam recuperar a arma da corporação.

    Depois de serem ameaçados e agredidos, os moradores procuraram o Padre Julio Lancelloti, vigário episcopal para a população de rua da Arquidiocese de São Paulo, que também foi alvo das ameaças. “Avisa o padre que ele vai rodar também”, relataram os moradores de rua a Lancellotti, sobre o que foi dito a eles pelos agentes.

    Segundo o padre, desde domingo (27/1) os moradores de rua passaram a relatar a violência que vinham sofrendo em ações feitas pelos guardas da GCM. “Os agridem, batem no rosto deles, xingam e mandam ameaças indicadas a mim”, declarou o padre, que investigou a situação por conta própria e apurou que os agentes estavam procurando a arma que havia desaparecido.

    “Os CGMs falaram que iriam invadir os barracos dos moradores na Bresser e bater neles até que a arma fosse encontrada. Aí eu comecei a tentar entender e descobri que uma arma foi perdida e tinha sido jogada dentro de um terreno da Eletropaulo aqui perto”, indicou o padre, que passou a informação ao Secretário da Segurança Urbana de São Paulo, José Roberto Rodrigues de Oliveira.

    Logo depois, o serviço reservado da GCM passou a tentar autorização para entrar no terreno em que a arma teria sido abandonada. A empresa deu aval e os agentes encontraram a arma junto com todos os pertences deixados pelo agente em cima do capô de seu carro particular.

    “A arma foi negligenciada. O relato que eu tenho é que era estava no capô de um carro não caracterizado como sendo da GCM, dentro de uma necessáire. As pessoas encontraram essa necessáire abandonada, sem ninguém perto. Se fosse um carro da GCM, ninguém pegaria por medo. Eles [moradores em situação de rua] nem se aproximam de carro da GCM”, explica Lancellotti. “Pegaram a necessáire, abriram e viram uma arma. Quem a pegou se assustou com a arma, com a quantidade alta de balas [munição] e os documentos do guarda. Aí ela foi jogada nesse terreno da Eletropaulo”, emendou.

    Moradores em situação de rua relataram ameaças ao padre Julio (à esq.) | Foto: Reprodução/Instagram

    O padre aponta que não entende o que levaria um agente treinado para ter uma arma a agir com negligência como a apontada por ele neste caso. “Essa história ainda não está bem contada e tem alguma coisa atrás de tudo isso. Por que um guarda civil metropolitano estava com uma arma em um carro descaracterizado, ele mesmo não estava fardado e como essa arma ficou largada e foi encontrada em um terreno que não se tem acesso? É uma história maluca”, indagou Julio, lembrando que muitas das armas usadas no crime têm origem legal, mas depois entram para a ilegalidade.

    A questão de Lancellotti se baseia em pesquisa do Instituto Sou da Paz, que indica: a maior parte das armas de fogo usadas pelo crime é de fabricação nacional e em algum momento foi comercializada legalmente, por cidadãos autorizados a portar arma. A preocupação fica ainda mais latente depois do decreto que alterou o direito à posse de armas no país, assinado por Jair Bolsonaro no último dia 15, que autoriza o brasileiro a ter arma em casa.

    “É um dado estarrecedor. As armas apreendidas retornam à sociedade para uso indevido. Aliás, toda arma é de uso indevido na realidade. Nós não deveríamos ter armas e nem posse de armas. E o fato de acontecer isso com uma arma de um GCM nesse momento é emblemático”, opinou o padre.

    A Ponte procurou a Secretaria Municipal de Segurança Urbana de São Paulo e a Prefeitura de São Paulo para solicitar um posicionamento deste caso e entrevista com o secretário da pasta, José Roberto Rodrigues de Oliveira. A pasta explicou que a arma do GCM “foi furtada do interior do seu veículo”. “O comando da GCM não recebeu nenhuma denúncia ou testemunha relatando pressão sobre moradores de rua, ressaltando que não pode instaurar um processo de investigação sem uma denúncia formalizada”, aponta a pasta.

    A secretaria ainda aponta que o padre Julio Lancelotti foi quem acionou a GCM para informar o local onde estava a arma do agente. “O comando da GCM ressalta, novamente, que toda as denúncias recebidas são apuradas, sendo que não consta nenhum feita por moradores de rua neste caso” e ainda “informa que foi aberta apuração para investigar a conduta administrativa do agente, em virtude do furto de sua arma”, finaliza a nota.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas