Geleião, único fundador do PCC vivo, vai completar 40 anos preso

    José Márcio Felício conseguiu esconder condenação por estupro, crime repudiado pela massa carcerária, e ajudou a criar a facção. Após delatar amigos, foi expulso e sobreviveu colaborando com a polícia

    Geleião em foto de 2002 | Foto: arquivo

    José Márcio Felício, o Geleião, único fundador vivo do PCC (Primeiro Comando da Capital), vai completar 40 anos de prisão no dia 7 de julho de 2019. Em 10 de maio de 1979, dois meses antes de ter a prisão preventiva decretada, ele e José Rubens Dias, o Binho, foram acusados de roubar e estuprar a estudante E.M.M. no Jardim Tietê, zona leste da cidade de São Paulo.

    Geleião e Binho abordaram a vítima na rua Versínio Pereira de Souza, por volta da 0h10, quando ela voltava da escola e a arrastaram para um terreno baldio. Segundo o MPE (Ministério Público Estadual), Geleião e Binho roubaram 250,00 cruzeiros e o material escolar da estudante e depois a estupraram.

    O MPE apurou que Geleião foi o primeiro a estuprá-la, desvirginando-a, enquanto seu parceiro vigiava o local. Depois Geleião assumiu a função de vigia e Binho passou a violentar a estudante. Além de estuprar a garota, a dupla de assaltantes a espancou e a golpeou com uma facada no pescoço, causando-lhe ferimentos de natureza grave.

    A vítima, uma jovem nisei, sobreviveu e reconheceu Geleião porque ele morava nas imediações da casa dela. Os criminosos foram presos e, para a Polícia Civil, Geleião, fundador da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), quebrou dois códigos de ética da bandidagem. Primeiro atacou uma vítima no mesmo bairro onde morava. E depois ainda a estuprou, cometendo assim um crime intolerável para a massa carcerária.

     

    Geleião e Binho foram condenados, em primeira instância, a 11 anos de prisão por roubo e estupro. O MPE recorreu da decisão, alegando que os acusados cometeram dois estupros e não um. A Justiça deu provimento ao recurso e aumentou a pena dos réus para 12 anos, 11 meses e 25 dias de prisão.

     

    Ainda segundo o MPE, Geleião conseguiu esconder a condenação de estupro na cadeia e, junto com outros sete presos, criou o PCC em 31 de agosto de 1993, na Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté. A ex-mulher de Geleião, Petronilha Maria de Carvalho, sempre afirmou que Geleião jamais estuprou a estudante e que a jovem foi violentada por Binho, o comparsa dele.

    Em 2002, Geleião delatou parceiros de crime, foi excluído do PCC e, desde então, passou a ser jurado de morte, sendo considerado até hoje uma espécie de “troféu” para quem conseguir executá-lo. Na prisão, Geleião foi condenado por outros crimes, como homicídios e formação de quadrilha. A pena do criminoso soma 142 anos, seis meses e 15 dias de reclusão em regime fechado.

    Apesar de ter feito delação premiada, Geleião não conseguiu nenhum benefício da Justiça, ao contrário de réus poderosos e milionários condenados pela operação Lava Jato, que já estão em liberdade. O fundador do PCC está recolhido na Penitenciária de Iaras, no interior de SP. O presídio é destinado a presos que cometeram crimes sexuais, como estupro.

    Promessas de benefícios a Geleião não faltaram. Além da deleção, ele também foi retirado da prisão, com ordem judicial, para fazer escutas telefônicas de desafetos do PCC em um quartel da PM em Dracena. Em meados dos anos 2000, o juiz Edmar de Oliveira Ciciliatti, já falecido, da Comarca de Tupã, autorizou Geleião a sair da Penitenciária de Osvaldo Cruz para passar uns dias na casa de sua ex-mulher, também no interior.

    A autorização foi concedida por causa dos serviços prestados por Geleião, ao fazer as escutas telefônicas à Justiça no quartel da Polícia Militar. A saída de Geleião da prisão era para ser mantida em sigilo, mas veio à tona e o caso se tornou um escândalo.

    A imprensa teve até acesso a fotos de Geleião deitado em uma cama, só de cueca e tomando cerveja na residência.

    Nesses 40 anos atrás das grades, Geleião não pôde acompanhar de perto os avanços tecnológicos e industriais. A exceção foi o telefone celular, sempre presente nas prisões brasileiras, ao qual ele também teve acesso.

    Em 2002, quando foi levado de volta do Deic (Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado) para um presídio no interior, Geleião deu provas de seu atraso tecnológico. Os policiais que o escoltavam pararam em um restaurante na estrada para o preso ir ao banheiro. Ele nunca tinha visto uma torneira automática, com sensor eletrônico, e não sabia como usar o equipamento para lavar as mãos.

    Na rodovia, durante o trajeto ao presídio, também se encantou com os automóveis modernos e luxuosos. Só se lembrava das velhas Kombis e dos antigos Simca Tufão, Gordine, Karmann Ghia, Opala e Fusca. Realmente, muita coisa aconteceu nesses praticamente 14.600 dias ininterruptos de prisão de Geleião.

    No futebol, o Brasil venceu duas Copas do Mundo. O Corinthians conquistou sete títulos brasileiros, uma Copa Libertadores e o bicampeonato mundial de Clubes. Na política, a ditadura militar acabou em 1985. Houve eleições diretas para presidente da República em 1989.

    Empresários e políticos – incluindo governadores, deputados, ministros, outros parlamentares e um presidente da República, foram presos e condenados por corrupção a partir de 2005. O novo presidente eleito, Jair Bolsonaro, capitão da reserva do Exército, tinha 23 anos quando Geleião foi preso e havia se formado recentemente na Academia Militar de Agulhas Negras. Já o PCC fundado por Geleião se expandiu por todo o território brasileiro e hoje tem hegemonia transnacional entre as facções criminosas.

    Sem dinheiro para pagar advogado, Geleião faz à Justiça recursos à caneta, com a própria mão, pedindo para ser colocado em liberdade. Geleião também fundou, em Osvaldo Cruz, o TCC (Terceiro Comando da Capital) com César Augusto Roriz Silva, o Cesinha, outro fundador do PCC, assassinado em agosto de 2006 na Penitenciária 1 de Avaré. José Márcio Felício é, sem sombra de dúvidas, um dos condenados que está há mais tempo preso no Brasil.

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