Agentes deixaram criança nua e ainda arrancaram aparelho dentário de sua mãe com alicate, durante visitas ao presídio de Pacaembu (SP), em 2013
A Justiça de São Paulo condenou o Estado ao pagamento de R$ 10 mil por danos morais a uma menina de 7 anos que foi obrigada a ficar nua na frente de agentes e foi separada da mãe durante a revista para entrar na Penitenciária de Pacaembu, localizada no interior paulista, onde o pai dela está preso. A Defensoria Pública de SP, que cuida do caso, conta que a decisão diz respeito ao julgamento de um recurso movido por eles que questionava uma primeira decisão contrária ao pagamento de indenização.
De acordo com a Defensoria, a garota foi obrigada a ficar nua durante a revista na frente de agentes penitenciários. Ao passar a camiseta dela em um detector de metais, o aparelho apitou por causa de uma pequena placa metálica na etiqueta. A situação provocou estresse na criança, que ficou afastada da mãe. Em outra oportunidade, na mesma unidade prisional, a mãe dela também passou por situação semelhante, ficou nua e teve até que tirar os aparelhos dentários com alicate porque o metal disparava o detector.
Na decisão, a desembargadora Silvia Meirelles destaca um trecho da avaliação dos efeitos emocionais do ocorrido para a menina, que embora muito nova, teve total consciência do constrangimento ao qual foi submetida. “Em uma das visitas ao pai, ao passar pelo detector de metais o mesmo disparou após a sua passagem. Lembra que após o disparo, foi separada de sua mãe em um canto da sala. Chorava e chamava sua mãe, e as agentes teriam gritado para ela para que ficasse quieta”, detalha uma psicóloga que avaliou a criança, no trecho separado pela magistrada.
A psicóloga prosseguiu sua análise. “Estava de calcinha. Diz que se lembra com detalhes deste dia e que levou um tempo considerável até voltar àquele lugar. Diz que ‘jurou’ a si mesma que nunca mais voltaria àquele lugar. Não entendeu o que estava acontecendo e ficou com muito medo de ser separada de seus pais”, detalha a profissional.
Para Mateus Moro, defensor público do NESC (Núcleo Especializado de Situação Carcerária), que integra a Defensoria Pública de São Paulo, o princípio de que a pena não pode ultrapassar a pessoa do condenado foi desrespeitado no caso, já que tanto mãe quanto filha passaram pela humilhação de uma revista íntima, sem qualquer razão aparente, pelo simples fato de serem familiares de uma pessoa que está presa.
“A juíza considerou que, com relação a criança, por ser vulnerável, por não poder falar por si mesma, houve um ato ilícito. Mas no caso da mãe, o pedido de indenização foi julgado o improcedente e para essa decisão”, compara Moro. “O tribunal usou o argumento de que uma eventual questão de segurança pública está acima da intimidade e dignidade de uma mulher, o que consideramos um absurdo e, por isso, vamos recorrer”, explicou.
Moro também criticou o valor dos danos morais. “Se um juiz perde um voo, por exemplo, ganha uma bolada. Nesse caso, R$ 10 mil pelo que aconteceu é pouco”, avaliou.
O caso aconteceu em 2013, nos meses de março e outubro, antes da lei estadual, de 2014, que obrigava presídios de SP a ter um aparelho de scanner, e da lei federal, de 2016, que proíbe a revista vexatória em unidades prisionais. Moro alerta que casos como esse continuaram acontecendo mesmo depois da mudança na legislação.
“Vivemos em um Estado formalmente democrático, mas socialmente fascista, citando o Boaventura dos Santos Souza, sociólogo português. Uma pessoa só pode ser revistada quando houver uma fundada suspeita de portar algo ilícito”, argumenta. “Mas o que vemos nos presídios é que todas as pessoas que são familiares de presos e que fazem as visitas aos finais de semana, é presumidamente alguém que precisa passar pela revista”, critica o defensor.
A principal alegação para a existência de revista íntima é que familiares podem estar sendo usados para entrar com drogas nos presídios. Um documento da Defensoria Pública, feito em parceria com a Conectas, traz dados da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo obtidos pela Lei de Acesso à Informação, que refutam o argumento: “em 2013, a cada 11.000 visitantes que passaram pela revista íntima, apenas uma averiguação resultou em apreensão”.
Mateus Moro alerta que a revista vexatória desrespeita tratados internacionais de Direitos Humanos e contraria recomendações da Corte Interamericana de Direitos Humanos, da ONU e da Corte Europeia de Direitos Humanos. Em 2017, após lei estadual e federal, a PFDC (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão) entrou com pedido de ação para o fim das revistas vexatórias em estabelecimentos prisionais e socioeducativos por constatar que essas situações continuavam acontecendo mesmo com a adoção de scanners corporais.
A SAP (Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo) foi procurada para comentar o caso. Em nota, a pasta informa que atualmente todos os Centros de Detenção Provisória, Penitenciárias e Centros de Progressão Penitenciária do Estado contam com escâner corporal.
“A política é não tolerar a entrada de ilícitos, sejam eles celulares, entorpecentes, entre outros, em suas unidades prisionais. Todas as unidades prisionais do Estado também estão equipadas com aparelhos de Raio-X de menor e maior porte, além de detectores de metais de alta sensibilidade, que ajudam a coibir a entrada de equipamentos e drogas, atrelados a uma vigilância constante dos agentes de segurança, treinados para evitar a entrada de ilícitos nas unidade. Observamos também que são realizados revistas periódicas nas dependências das unidades”, informa.
Sobre o caso em questão, a SAP afirma que a indenização foi dada apenas para a menina. “O que foi considerado pela justiça foi a teoria do risco administrativo, que não exige que haja falta do servidor ou serviço público para o pagamento da indenização e sim o ato em si já se basta. Ressalvamos ainda que até o momento a Procuradoria Geral do Estado não foi notificada da decisão”, disse em nota.
Reportagem atualizada às 18h10 do dia 17/12 para inclusão da nota da SAP-SP