Especialistas ouvidos pela Ponte avaliam que queda de 23% no número nacional de homicídios tem como comparação 2018, um ano atípico com extrema mortalidade, e que redução nos crimes tem relação com estados e não com o governo Bolsonaro
Pela primeira vez, o governo de Jair Bolsonaro (PSL) divulga dados nacionais sobre segurança pública no Brasil em 2019. De acordo com o MJ (Ministério da Justiça e Segurança Pública), comandado pelo ministro Sérgio Moro, o levantamento aponta uma queda de 23% no número de homicídios dolosos. Os dados são da Sinesp (estatísticas criminais baseadas em boletins de ocorrência estaduais e distrital).
Em janeiro e fevereiro de 2019, segundo o MJ, foram registados 6.543 homicídios dolosos. Em 2018, os números apontavam para 8.498 ocorrências para este mesmo crime. Já as tentativas de homicídios apresentaram uma redução de 15,1% (6.431 ocorrências para 5.461), ainda de acordo com os números oficiais.
O ministro Sergio Moro, em publicação feita em seu perfil no Twitter, afirma que o resultado se deve à atuação integrada feita pelo governo federal com os governos locais. “Muitos fatores influenciam a queda, o mérito não é só do Governo Federal, mas também dos estaduais e distrital. Ajudaria a aprofundar a queda a aprovação do projeto anticrime, mas respeitamos a prioridade da Nova Previdência”, defende Moro, que aproveitou a nota para falar sobre o pacote anticrime.
Especialistas discordam da avaliação feita pelo ex-juiz de Curitiba. Em entrevista à Ponte, José Vicente da Silva Filho, coronel da reserva da PM de SP e ex-secretário de segurança no governo FHC (Fernando Henrique Cardoso), afirma que 2018 foi um ano atípico e, diante disso, é preciso enxergar a queda com um olhar crítico.
“Os comandos das polícias costumam ter uma superatividade no começo dos mandatos, para mostrar serviço logo de cara. Ano passado foi um ano atípico de muitos homicídios, muitas mortes em cadeias e em comparação com isso parece que houve uma grande queda. Não há nenhum motivo especial, além desses, para gente atribuir que alguma coisa boa esteja acontecendo para as quedas de homicídios”, explica Vicente. “Quando há uma tendência de queda, costuma ser lento e gradual. Não se pode dizer que alguma mudança possa ter ocorrido porque se teve uma mudança no governo federal”, continua.
O coronel da reserva lembra que no começo do mandato de Anthony Garotinho, que governou o estado do Rio de Janeiro entre 1999 e 2002, a queda no número de homicídios trouxe um clima de segurança que não permaneceu durante todo o governo. “Quando o Garotinho assumiu, ele dizia que estava acontecendo uma grande queda de homicídios e em breve iria sufocar o crime no estado, o que não aconteceu”, relembra.
José Vicente também avalia que, para mensurar qualquer queda no número de homicídios, é necessário esperar o terceiro trimestre do ano. “Dois meses não tem um significado tão grande em termos de analisar tendências. Em análise de tendências a gente só consegue começar a deslumbrar alguma coisa depois dos três primeiros trimestres seguidos. Então daqui até agosto podemos ter uma análise melhor, se continuar essa queda. Como nós temos uma política geral insuficiente para todo o país é difícil entender as mudanças. É muito cedo ainda para se cantar vitória”, defende ex-secretário de segurança.
Ex-investigador da Polícia Civil de SP e cientista político, Guaracy Mingardi também entona que é preciso mais tempo para avaliar se a queda é real. “Isso não tem resultado imediato. Se você começa a aplicar uma coisa nova, demora pelo menos seis meses ou um ano, às vezes, muito depois. Por exemplo, se um estado decide aumentar o número de policiais e mudar a forma de policiamento, significa fazer concurso, treinar o pessoal para depois ir pra rua e só depois que eles estão na rua há algum tempo é que se acontece alguma coisa, não é no primeiro dia”, exemplifica. “O policial vai para rua nas primeiras semanas e não sabe o que está fazendo ainda, ele precisa ganhar um pouco de experiência. Não é só estar na rua que funciona”, pondera Mingardi.
Para o integrante do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), outro ponto fundamental é entender que os dados de letalidade policial, em alguns estados, não são incluídos na contagem de homicídios. “Tem estado que entra morte praticada por policiais como homicídio, depois tem outros que é separado e tem outros que não entra em lugar nenhum, não aparece nas estatísticas. Então fica difícil saber quantas pessoas estão morrendo”, alerta. “A única causa nacional que dá pra pensar é que no ano passado diminuiu a guerra entre o PCC e o CV. No ano passado eles começaram a se matar menos. Mas não existe causa única. As pessoas vão dizer que foi a polícia que fez, como dizem aqui em São Paulo foi o PCC que derrubou os homicídios, mas nunca é tão simples, nunca é uma coisa só. São fatores que faz com que caia, mas a gente não tem certeza”, explica.
O ex-investigador analisa que a participação do governo federal no número de homicídios estaduais é mínima. “O governo federal atual está dizendo que foram eles. Isso é bobagem. Quem faz alguma coisa acontecer nos estados são as policiais estaduais, não é a Polícia Federal, não é o governo federal. O governo federal dá dinheiro. O dinheiro que o governo federal fosse dar esse ano, na verdade, se tivesse vindo em fevereiro, só ia começar a chegar nos estados no segundo semestre. Essas coisas não acontecem de uma hora para a outra”, critica Guaracy.