Guarda se ajoelha sobre pescoço de homem para imobilizá-lo em SP

Mesma técnica foi usada para matar George Floyd nos EUA; abordagem ocorrida na Praça da Sé nesta segunda (6) não é atribuição da Guarda Metropolitana

Um homem agoniza por estar com o pescoço debaixo do joelho de uma agente de segurança pública. Policiais estão por perto e nada fazem. Quem vê a cena grita, esperneia e pede clemência para que a pessoa que está no chão não seja morta. Essa cena pode descrever o que ocorreu com George Floyd, em 2020, nos EUA, e desencadeou uma série de protestos mundo afora contra o racismo. Porém, ela ocorreu na última segunda-feira (6/2) em um dos locais mais movimentados do Brasil: a Praça da Sé, centro de São Paulo.

A ação foi realizada por um um guarda civil metropolitano, que no momento da agressão estava cercado por policiais militares. Segundo o boletim de ocorrência expedido pelo 2º DP (Bom Retiro), o rapaz de 20 anos que aparece nas imagens foi conduzido para a delegacia para ser autuado por tráfico de drogas pelos GCMs Paulo Henrique Vicente De Oliveira, 52 anos, e Luciano Aparecido Damião, 50 anos.

Ainda de acordo com o documento produzido pela Polícia Civil, a motivação para a abordagem seria o possível comércio de drogas no local. A central de monitoramento da GCM paulistana acionou uma equipe após perceber, através das câmeras instaladas no Praça da Sé, que um homem mexia em uma sacola plástica em um dos canteiros do local.

Ao ser abordado, já no meio da praça, nenhum entorpecente foi encontrado com ele. Na sacola vista no vídeo, havia 18 porções de K9, uma espécie de maconha sintética. Os guardas alegam que o rapaz, que negou estar vendendo as substâncias, tentou correr ao ser abordado e estava se debatendo, por isso precisou ser contido. 

“O indiciado foi levado ao atendimento médico pois se encontrava muito agitado, possivelmente por uso de drogas, e no momento da abordagem foi imobilizado com uso de força proporcional”, diz um trecho do boletim de ocorrência.

Um outro homem, de 19 anos, foi detido no mesmo local momentos depois com 13 porções de cocaína. Ele afirmou não conhecer o rapaz que tinha sido agredido pelo guarda. Mesmo assim, a polícia utilizou a detenção para justificar a prisão do outro. “O indiciado quando perguntado em seu interrogatório informou que de fato estava no local em posse das drogas e confirma a traficância. Declara não conhecer o outro homem”.

A polícia reconhece que a quantidade de entorpecente encontrado com os dois homens é pequena, mas mesmo assim ambos foram indiciados no artigo 33 da Lei 11.343, de 2006. “Apesar da relativa pouca quantidade de drogas, a confissão de um dos acusado que estava realizando a traficância, assim como a maneira se encontra acondicionada as drogas e o contexto fático, indicam que se trata de fato de tráfico de entorpecentes.”

Irregularidades

O servidor público flagrado nas imagens não poderia estar em cima do rapaz por uma série de motivos. Dentre eles, uma determinação, de junho de 2022, da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça que reforça que não é função  da Guarda Civil Metropolitana fazer abordagens e revistas em seus patrulhamentos rotineiros.

“Constata-se, assim, que a Constituição Federal de 1988 – por opção político-democrática expressa do constituinte – não atribui à guarda municipal atividades ostensivas típicas de polícia militar ou investigativas de polícia civil, como se fossem verdadeiras ‘Polícias Municipais’, mas tão somente de proteção do patrimônio municipal, nele incluídos os seus bens, serviços e instalações”, afirmou em seu voto o relator da determinação, o ministro Rogério Schietti .

Em setembro de 2020, ainda na gestão do prefeito Bruno Covas, foi baixado um decreto proibindo o uso de técnicas de estrangulamento com qualquer parte do corpo ou tipo de instrumento pelos agentes da Guarda Civil Metropolitana no município de São Paulo.

“É vedado aos agentes da Guarda Civil Metropolitana, no exercício de suas funções, o uso de técnicas de estrangulamento, restando vedada a sua aplicação com qualquer parte do corpo ou com a utilização de qualquer tipo de instrumento”, diz o artigo 1 do decreto 59.748, de 9 de setembro de 2020.

Ao analisar o vídeo onde o homem é abordado no centro da cidade de São Paulo, o coronel da reserva da PM paulista Paulo Ribeiro aponta as irregularidades da ação da GCM e omissão dos policiais militares. 

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“Eles estão em superioridade numérica, então não precisava deste exagero. Não existe técnica de imobilização colocando o joelho no pescoço de ninguém. Esse procedimento não pode ser mais feito em razão das consequências que pode trazer. É preciso saber também se houve uma ação conjunta da PM e da GCM. Se houve algum abuso, os policiais militares foram solidários porque nada fizeram”, destaca.

A Polícia Militar de são Paulo, em uma determinação interna revelada em julho de 2020, está proibida de dar golpes de enforcamento. No mês passado um PM foi condenado por pisar no pescoço de uma mulher negra na capital paulista também em 2020.

Outro lado

Questionada pela reportagem, a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Urbana de São Paulo encaminhou a seguinte nota:

A Prefeitura e a Secretaria Municipal de Segurança Urbana (SMSU) repudiam veementemente a violação dos direitos humanos, preceito que deve ser rigorosamente seguido pelo guardas-civis e por todos os servidores municipais. O Comando Geral da GCM afastou preventivamente das atividades operacionais o guarda-civil que aparece no vídeo e abriu averiguação preliminar para apuração rigorosa do fato.

A Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) não respondeu, até o momento, os questionamentos em relação à participação da Polícia Militar na abordagem.

Reportagem atualizada às 10h27, de 13/2/2022, para incluir resposta da Prefeitura.

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