Guardas civis jogam spray de pimenta em alunos de escola municipal de SP

Mães denunciam presença constante de GCMs na Escola Municipal de Ensino Fundamental Pedro Nava, na zona oeste da capital paulista; segundo agentes, spray foi usado para separar briga entre estudantes de 11 a 14 anos

Em meio a dezenas de adolescentes entre 11 e 14 anos de idade, que esperam o horário para entrar na Escola Municipal de Ensino Fundamental Pedro Nava para mais um dia de aula, estão três agentes da Guarda Civil Metropolitana (GCM). Segundo mães de alunos, a cena de servidores públicos da área de segurança em meio aos estudantes tem sido cada vez mais comum nos últimos dias.

Elas denunciam que a direção da unidade de ensino, localizada no bairro do Butantã, zona oeste da cidade de São Paulo, é omissa em relação a questões disciplinares e pedagógicas e que estaria utilizando a GCM para retirar alunos de dentro de sala de aula e fazer a proteção pessoal da diretora Ingrid da Silva Ricomini dentro do espaço escolar.

No mês passado, guardas municipais usaram spray de pimenta durante uma briga entre alunos após o término do horário de aula bem em frente à escola. Durante a confusão, a vice-diretora da EMEF Pedro Nava ficou machucada e desde então está afastada do trabalho por licença médica.

De acordo com as mães, são recorrentes os atos de indisciplina dos jovens dentro da escola e alguns adolescentes são vítimas constantes de bullying. A filha de 12 anos da dona de casa Maria Verônica Matias Oliveira teve que cortar o cabelo, que estava na altura da cintura, depois que colegas de classe jogaram slime, uma espécide gosma, em sua cabeça. “Minha filha ficou muito sentida com isso que aconteceu. E não foi a primeira vez. Já tinha dado uma bolada nela antes e até álcool em gel na cara dela já jogaram”, explica.

Maria Verônica conta que a mesma garota foi expulsa da sala de aula porque teria esquecido parte do material escolar em casa. Após se recusar a sair da sala, a mãe informa que a garota foi retirada de classe por guardas civis que a colocaram para fora da escola.

“Minha filha disse que pediu para ligar para casa. Se tivessem me ligado eu teria trazido o material dela. Eu moro aqui perto. Mas ao invés disso colocaram minha filha para fora da escola e não me avisaram nada. Ela passou a tarde toda sozinha na calçada do lado de fora da escola. E se acontecesse alguma coisa com ela?”, indaga a dona de casa.

Mães de alunos conversam com guardas da GCM em frente a EMEF Pedro Nava | Foto: Gil Luiz Mendes / Ponte Jornalismmo

Para Janete Barbosa Pereira, que tem filhos na escola, é importante a presença dos guardas do lado de fora da escola, mas que é um absurdo que eles transitem entre os jovens dentro do ambiente escolar. “Nossos filhos não são bandidos para estarem sendo fiscalizados por pessoas armadas dentro da escola. É uma forma de intimidação contra pessoas que ainda estão em processo de formação”.

A mãe ainda ressalta que um dos riscos ter guardas atuando dentro da escola é em relação aos GCMs andarema rmados. “Já pensou se um grupo de garotos maiores se juntam e conseguem tirar a arma de um desses guardas, a tragédia que pode acontecer?”, questiona.

O grupo de mães está colhendo relatos de outros pais de alunos, professores e funcionários, além de documentos e provas do descaso da diretoria da escola em relação à segurança dos alunos e à infraestrutura do prédio da escola. A intenção é entregar esse material para a secretaria de educação do município e para o Ministério Público.

A reportagem teve acesso à ata de uma reunião ocorrida no dia 9 de abril deste ano nas dependências da EMEF Pedro Navas entre professores e funcionários, onde foram discutidos os principais problemas da escola. A diretora Ingrid da Silva Ricomini é apontada pelo corpo docente, segundo o documento, como uma das principais responsáveis pelo crescente clima de insegurança dentro da escola.

“Um colega apontou que a EMEF Pedro Nava já tinha passado por outros episódios de violência. Todavia, ele disse que o atual momento lhe deixa bastante abalado por conta da ruptura da comunicação da EMEF com a comunidade escolar e que se sente amedrontado diante da turbulência que enfrentamos atualmente”, diz um trecho do documento.

“Além disso, o colega ressaltou que as ações da Diretora interferem diretamente no nosso fazer pedagógico, que nosso trabalho tem se resumido a mediar conflitos, visto que somos alvo constante de agressões verbais intensas, de assédio constante por parte dos estudantes e da Direção, resultando em um número elevado de professores adoecendo no início do ano letivo”, consta outro trecho da ata de reunião.

Fiscalização do patrimônio e contagem

No início da tarde da última sexta-feira (1/7), ao ver a reportagem da Ponte conversando com mães em frente à escola, os guardas civis metropolitanos CE (Classe Especial) Ribeiro, CE Ademir e CL (Terceira Classe) Nascimento abordaram o grupo pedindo para dar a versão deles em relação às denúncias da presença da corporação dentro do espaço escolar.

“O que a GCM faz é o trabalho de fiscalização do patrimônio. Entramos na escola para verificar as condições de segurança do local como portas e extintores. Também fazemos diariamente a contagem de alunos, porque se acontecer algum acidente precisamos saber o número exato de estudantes que estão no local”, justificou Ademir.

Os guardas informaram também que não há uma equipe fixa que faça essa função na escola e que diferentes membros da GCM atuam no local. Eles negam que tenha havido algum pedido da diretora em relação a fazer a segurança dela na escola, assim como dizem que os três que estavam naquele dia trabalhando nunca tiraram nenhum aluno de dentro da sala de aula ou da escola.

“Eu, quando estou aqui, sempre busco orientar os alunos para manterem um clima bom na escola. Eles têm muita energia nessa fase da vida e muitas vezes extravasam da forma errada. Acho que precisa de um maior diálogo entre as famílias e a escola nesse sentido”, comentou Ademir.

Para o presidente do Grupo Tortura Nunca Mais e membro do Instituto Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente, Ariel de Castro Alves, a presença dos guardas armados e intimidando os estudantes configura em crime previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente ao submeter os jovens a vexame e a constrangimento.

“A diretora e os guardas devem responder criminalmente. Os pais, mães ou representantes legais podem fazer boletins de ocorrência e denunciar as situações ao Conselho Tutelar mais próximo e para a promotoria da infância e juventude”, informa Ariel.

O especialista também afirma que é necessário que as corregedorias sejam questionadas para que haja uma maior fiscalização dos trabalho dos servidores públicos. “Além disso temos, conforme os relatos, situações de abusos de autoridade (aluna retirada da sala) e tortura (aluno agredido com spray), que precisam ser investigados. As famílias também devem procurar a ouvidoria e a corregedoria da GCM, mas, infelizmente, são órgãos de pouca atuação e nenhuma independência.”

A Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio está acompanhando o caso e dando assistência para o grupo de mães de alunos. Para Marisa Fefferman, mobilizadora da Rede, o ambiente escolar precisa ser preservado e a presença de guardas armados no local foge totalmente das premissas necessárias para a educaçãos dos jovens.

“A escola é o espaço de criar cidadãos da melhor maneira possível e não criminalizar pessoas que moram na periferia. Quem deveria manter a organização de uma escola é o conselho formado por pais, educadores e alunos. É inadimissível que em lugar que tem adolescentes até 14 anos conviva com policiais armados”, comenta Fefferman.

Outro lado

A Ponte tentou falar com a diretora Ingrid da Silva Ricomini no mesmo dia em que esteve na escola conversando com as mães, mas foi informado que ela estava em reunião. Durante toda a segunda-feira foi tentado falar com a gestora por meio do telefone da escola, mas não foi atendida.

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As assessorias de imprensa da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, Secretaria Municipal de Segurança Urbana e o Conselho Tutelar do Butantã foram questionados, por email, sobre a presença e atuação da GCM dentro da EMEF Pedro Nava, mas até a publicação desta matéria nenhum órgão enviou resposta.

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