Vídeo flagra jovem perseguido, na zona norte da capital paulista, pedindo ajuda a policial, que responde com um chute e diz que, por estar ‘de folga’, só poderia ‘ligar 190 e pedir apoio’
Um homem armado agride, xinga e ameaça atirar em um jovem negro. Para evitar que o menino seja baleado, uma mulher, que estava com o atirador, chega a se colocar entre ele e arma. Tudo isso por volta das 16h deste domingo (12/11), diante de dezenas de testemunhas, em frente à estação Carandiru do metrô, na zona norte da cidade de São Paulo.
Uma dessas testemunhas é uma policial militar, que assiste a tudo encostada a um muro, de braços cruzados. Quando o jovem negro se aproxima para pedir ajuda, a PM não só se recusa a dar qualquer auxílio como ainda afasta a vítima com um chute na barriga.
A cena foi flagrada por um repórter fotográfico, que enviou às imagens à Ponte e preferiu se manter no anonimato por temer represálias.
No vídeo, um homem agarra o jovem negro pelo pescoço e o xinga de “filho da puta” diversas vezes. Uma das pessoas presentes diz: “está roubando aí, rapaz”. Enquanto isso, um outro homem saca uma arma, aponta para o garoto e discute com uma moça que gravava a cena na rua. Após ela dizer “Se matar eu vou gravar, porque ele não está armado”, o homem armado retruca: “Você defende ladrão?”.
O homem armado continua cercando o rapaz, enquanto outro o agarra pelo pescoço. Ele está acompanhado por uma mulher, de vestido, e crianças pequenas. É possível ver sangue no rosto do jovem negro. Ele tenta se desvencilhar do homem que o imobiliza, pede desculpas e sai correndo, perseguido e chutado pelo homem que estava armado. A mulher de vestido grita, pedindo calma, e se coloca em frente do menino, diante da arma, gritando: “para, para!”.
Ao acompanhar a ação, o repórter fotográfico se depara com uma PM uniformizada e armada, parada em frente à saída da estação de metrô, vendo tudo de braços cruzados. Quando o jornalista a interpela, a PM responde com um gesto de telefonema, indicando para ligar 190, e continua parada. O repórter se exalta e fala: “serve pra porra nenhuma essa polícia”.
Momentos depois, enquanto as crianças que acompanham o homem armado choram diante das cenas de violência, o jovem negro sai andando ao lado da mulher que o defendeu de um possível tiro. Ela o segura pela mão e diz: “você não vai fugir, não”.
O menino negro tenta novamente se separar da mulher e do homem armado, dessa vez pedindo ajuda à policial. A PM, no entanto, chuta a barriga do jovem, no mesmo momento em que o homem armado diz “ela está de folga, sai daí, seu tranqueira” e tenta agredi-lo. A mulher de vestido grita: “para, Paulo, guarda essa arma, Paulo, pelo amor de Deus”. Pouco tempo depois o jovem sai correndo.
Diante de toda a situação, o repórter que estava gravando o ocorrido questiona novamente a policial que assistiu a tudo sem se mexer. “Vocês servem para quê?”. A policial responde: “Se o senhor falar comigo desse jeito, eu vou te prender”. Os dois discutem e a policial argumenta: “Eu estou de folga, o procedimento é ligar no 190 e pedir viatura”. Pouco depois, ela avança sobre o jornalista e o vídeo acaba.
O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar determina que é dever dos PMs “atuar onde estiver, mesmo não estando em serviço, para preservar a ordem pública ou prestar socorro, desde que não exista, naquele momento, força de serviço suficiente”.
À Ponte, o repórter fotográfico afirmou que não queria criticar a policial, mas sim a corporação. “Ela tomou as dores e partiu para cima de mim e me agarrou pelo pescoço, nessa hora o celular parou de gravar e eu não percebi”, relata. Ele disse que tomou a iniciativa de ligar a câmera quando saiu do metrô e, após ouvir um barulho parecido com um tiro, se deparou com os gritos e o menino negro imobilizado. “Parecia que o rapaz tinha tentado furtar e a população reagiu. O cara oriental apontava a arma para ele, uma certa hora que ele viu que eu estava gravando colocou a arma na cintura, mas estava completamente fora de controle. Eu perguntei se ele tinha porte de arma e ele disse que tinha porte e posse.”
O que diz a polícia
A reportagem solicitou esclarecimentos à Secretaria de Segurança Pública do estado de São Paulo sobre os acontecimentos e sobre a conduta da policial. Na manhã desta terça-feira, a Fator F, assessoria terceirizada da pasta, respondeu com a seguinte nota:
“A SSP informa que a Polícia Militar apura o caso e que trabalha para identificar a pessoa que aparece nas imagens. Se confirmado, o caso será tratado como transgressão disciplinar grave, já que o comportamento omisso registrado em vídeo não condiz com as expectativas da sociedade e muito menos com as responsabilidades do profissional de segurança pública, que deve agir prontamente sempre que presenciar um crime, estando ou não em serviço.“
*Reportagem atualizada às 11h30 do dia 14/11/2023 para adicionar o posicionamento da SSP