Ato ocorreu nesta quinta-feira (2/11), Dia de Finados, com grande ato ecumênico no Cemitério São Luiz, na zona sul; um dos criadores da caminhada, Crowe morreu em fevereiro deste ano
A tradicional Caminhada pela Vida e Paz chegou a 28º marcada por homenagens a um de seus idealizadores. Morto em fevereiro desde ano, o padre Jaime Crowe foi lembrado em diversos momentos do ato ocorrido nesta quinta-feira (2/11) e que percorreu o Jardim Ângela e demais bairros da zona sul de São Paulo até chegar no Cemitério São Luiz.
O irlandes Jaime Crowe, 77 anos, atuou no Jardim Ângela a partir da década de 90. A época coincide com o momento em que a região (junto com os bairros Capão Redondo e São Luiz) foi considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) o lugar mais perigoso do mundo. Crowe também ajudou a fundar o Fórum em Defesa da Vida, iniciativa da sociedade civil que luta pelas vidas na periferia da zona sul.
A atual coordenadora do Fórum e membro da Sociedade Santos Mártires, Regina Paixão, destaca a importância que a iniciativa teve para o desenvolvimento social do bairro.
“Quando o Fórum em Defesa da Vida começa a se relacionar com pessoas do bem, diretores de escolas, todas as igrejas, nós começamos a entender que faltavam políticas públicas”, diz Paixão.
É nesse contexto de busca por políticas públicas que os membros do Fórum viram em Fernando Proença de Gouvêa um companheiro de luta. Fundador do Centro de Estudos e Pesquisas “Dr. João Amorim” (Cejam), ele teve importante atuação na garantia de saúde pública aos moradores do bairro. Proença morreu em junho de 2019, aos 90 anos.
A camiseta da 28ª Caminhada tinha o rosto dele e de Jaime estampados na parte de trás do tecido. Os nomes de ambos foram clamados durante todo o percurso, que durou cerca de 1h e 30min. “Jaime, presente! Proença, presente!”
Saúde mental na quebrada
Além das homenagens, a Caminhada pela Vida e Paz trouxe a saúde mental como lema desta edição. “Saúde Mental na Quebrada é Fundamental!” era o título da frase que soava como provocação aos presentes.
Em carta divulgada no final do evento, os organizadores cobraram atendimento psicológico público nas comunidades periféricas O manifesto fez questão de lembrar que o acesso aos equipamentos de saúde é direito.
“A saúde mental deve ser entendida como um direito e uma responsabilidade compartilhada entre a comunidade e os profissionais de saúde, proteção social e educação. A saúde é um direito humano fundamental e sua garantia depende do compromisso e dos recursos do setor público, devendo ser respeitados os princípios orientadores do Sistema Único de Saúde tais como universalidade, integralidade e equidade”, diz o texto (leia na íntegra abaixo).
A garantia ao tratamento de saúde psicológica também foi lembrada por Débora Silva, fundadora do Movimento Independente Mães de Maio. O grupo se uniu após mais de 600 execuções ocorridas no ano de 2006 em São Paulo e na Baixada Santista, os chamados Crimes de Maio. Débora pediu urgência na aprovação do PL 2.999/22, conhecido como “Lei Mães de Maio”.
Proposta pelo deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), o projeto cria o Programa de Enfrentamento aos impactos de violência institucional, que prevê, entre outras medidas, atendimentos psicológicos para familiares de vítimas da violência do Estado.
“A sociedade tem que cooperar com essa política pública que é para o atendimento psicológico. É uma reparação econômico-social para essas mulheres seguirem cuidando dos filhos e também da luta. Os filhos delas precisam de memória. Os filhos delas não são baratas para matar, acertar com uma bala e acabou. Nós parimos, eles têm nome e sobrenome. Eles não são suspeitos. Suspeitos são quem mata nossos filhos”, disse Débora.
A líder social também participou de uma ação durante a Caminhada. Já no Cemitério São Luiz, ela e Maria Cristina Quirino, mãe de Dennys Henrique, um dos nove jovens mortos por ação da PM no Massacre de Paraisópolis, e membro do Movimento de Familiares das Vítimas do Massacre em Paraisópolis, ajudaram a plantar uma flor e um ipê branco no local. O ato simbólico foi pensado como homenagens às mães pela organização da Caminhada.
Caminhada pela Vida e Paz
“Caminhando e cantando e seguindo a canção. Somos todos iguais, braços dados ou não”. A canção clássica de Geraldo Vandré embalou parte da Caminhada e encheu de lágrimas os olhos dos presentes. “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”, cantaram alto e em coro as dezenas de pessoas que se somaram ao grupo que deixou a Paróquia Santos Mártires por volta das 8h.
O cortejo fez a primeira parada em frente a Escola Estadual Prof. Luís Magalhães de Araújo. O motivo casou com o tema da saúde mental e da proteção dos mais novos. Lembraram a morte da adolescente Giovanna Bezerra Silva, 17 anos, morta por um colega dentro da escola. A professora Elisabete Tenreiro, de 71 anos, morta por um aluno dentro de sala de aula em março também foi homenageada.
Jefferson Santana, 34 anos, professor de português na Prof Luís Magalhães, leu um poema escrito por João Paulo, um de seus alunos. A mensagem do adolescente pedia paz e investimentos para a periferia.
“Corre, corre, corre. Mais uma Marielle assassinada. A favela pede paz, a favela pede mais. A favela pede, pede, pede, mas o que é que a favela recebe?”
Enquanto seguia o trajeto até o Cemitério São Luiz, a Caminhada foi recebendo mais e mais integrantes. Em meio aos hinos cristãos, ressoavam também orações de religiões de matriz africana. Um grupo fez ainda uma apresentação de capoeira.
Um ato ecumênico marcou o fim da atividade. Pastores e lideranças de religiões afro-brasileiras subiram ao palco e endossaram o pedido por paz, segurança e saúde.
Estrada Jaime Crowe
Durante o trajeto, o cortejo da Caminhada passou pela Estrada do M’Boi Mirim, que pode passar a ser chamada de Padre Jaime Crowe caso o PL 252/2023 seja aprovado na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Paulo (Alesp).
De autoria do deputado Enio Tatto (PT), o projeto segue desde abril parado na Comissão de Constituição, Justiça e Redação, ainda sem relatoria.