‘Ideologia Telhada’ é o maior veneno para PM e para população

    Sucessão de fatos mostra que política de “guerra contra bandidos” é uma falácia. Junte as peças e monte o quebra-cabeças com a gente.

    Entre os policiais, sensação de abandono, medo de morrer e casos de homens sendo cruelmente torturados por criminosos. Situação que faz crescer o desejo de vingança, os crimes em Caixa 2 (quando o policial mata sem farda e fora do trabalho) e os riscos da multiplicação de grupos de extermínio e do aparecimento das milícias. A descrição desse quadro não é minha, mas do deputado Major Olímpio, em entrevista à Ponte.colagem BRUNO_1020

    Já entre a população, cada vez mais pessoas descrentes das autoridades, principalmente nas periferias, temendo que seus filhos sejam vítimas de policiais revoltados. Em meio a essa tensão, que veio à tona nos últimos dias, os casos de roubo batem recordes sucessivos em São Paulo. O crescimento foi de 42% em maio.

    Nos anos 1980, Conte Lopes fazia papel de herói. Hoje divide palco com Telhada

    As notícias de segurança pública, muitas vezes, chegam aos montes e se espalham diante de nós como peças soltas de um quebra-cabeça. Isoladas, não fazem sentido e parecem o retrato de uma confusão incompreensível. Mais exemplos desse caldeirão caótico de informações? Na semana passada, foram anunciados dois produtos que só prosperam em ambientes de medo, quando a sensação de insegurança contribui para manter a população mal informada.

    Um deles é a saga do coronel Telhada em quadrinhos, falando de algumas de suas ações  na Rota. Outro é o filme A Verdadeira História da Rota,  cujas sessões cinematográficas foram descritas no site da Ponte. No trailer do filme da Rota, o ex-capitão Conte Lopes declara: “Nessa guerra, quem pode mais chora menos”. “Vamos atrás do bandido até mesmo se ele estiver armado com um canhão”, diz outro integrante da Rota.

    contelopescontelopes1telhadaquaPrepara-se para um entediante passeio por este “museu de grandes novidades”. Em 1980, era Conte Lopes que se vangloriava no papel de super-herói contra o crime. Hoje, ele divide o palco com o coronel Telhada. As frases de efeito são as mesmas que se repetem há quatro décadas, criticando direitos humanos, afirmando que seus militantes defendem bandidos e blá, blá, blá, blá, blá, blá.

    Há momentos, no entanto, que juntar as peças isoladas se torna um exercício fundamental para que a figura do quebra-cabeça tenha algum significado. Não é nada muito complicado. Para compreender, basta deixar o medo e a raiva de lado.

    Conforme as peças se encaixam, veja só, fica cada vez mais evidente como o personalismo e o voluntarismo dos policiais militares que se vendem como super-heróis serviram apenas para fazes rodar a engrenagem de mortes que fazem vítimas desde os anos 1970, incluindo os integrantes da própria corporação. Só de 2005 para cá, foram mais de 10 mil mortos em ocorrências envolvendo policiais. Prega-se a “caça aos marginais”, como se o extermínio ajudasse a diminuir o total de criminosos nas ruas. Só que ocorre o inverso. O Estado, as leis e a Justiça ficam enfraquecidos. Aumenta a raiva contra essas instituições. A carreira criminal e a insubmissão à lei, a disposição para o tudo ou nada, acaba se tornando também uma forma de extravasar a raiva. Crescem as fileiras do crime.

    A maioria dos PMs acaba sendo prejudicada. A guerra incentivada por esse pequeno grupo voluntarista cria uma animosidade que atinge muitos policiais e civis que não estão envolvidos com os conflitos. Foi o que vimos em 2012, quando as disputas entre PCC e PM, motivadas principalmente por ações da Rota a partir do segundo semestre daquele ano, provocaram o assassinato de mais de 100 policiais e fez o número de homicídios no Estado. O alerta e o receio de uma nova crise seguem vigentes.

    Qual seria a alternativa? Em vez de pregar o confronto, o que fazem as boas polícias do mundo ao se deparar com um suspeito de praticar um crime? Ele é visto como um elo da ampla corrente criminal a ser desvendada. O que exige investigação. Nos dias de hoje, existem estruturas criminais complexas que fazem os crimes crescerem e se tornarem lucrativos – receptadores de mercadoria, atravessadores, lavadores de dinheiro, financiadores de ações criminosas, proprietários de armamentos, etc.

    Os tiroteios ou assassinatos, normalmente, afetam os “linhas de frente” dessa rede, peças facilmente substituíveis. Sem falar dos casos em que as vítimas são inocentes. A mão de obra barata do crime morre no flagrante, enquanto a engrenagem criminal segue funcionando, recrutando outros jovens dispostos a arriscar a vida por nada. A polícia civil abre inquérito para um em cada dez casos de roubo ocorridos no Estado. O resultado é que as estruturas criminais continuam em plena atividade. Já a atividade policial, conforme os próprios policiais reclamam, restringe-se a um constante enxugamento de gelo.

     

    A disposição para matar também fazia “Wolverine” se sentir um super-herói. Decidindo pela vida e morte de outras pessoas, ele assumia um superpoder que o diferenciava dos seres humanos normais

    Em 1999, entrevistei um garoto com menos de 20 anos que já havia matado gente o suficiente para perder a conta. São Paulo batia recordes consecutivos de homicídios e chacinas. Como não podia identifica-lo, pedi que me dissesse um apelido que ninguém conhecesse. “Wolverine”, ele sugeriu, numa época em que os episódios dos X-Men estavam longe de ter o sucesso de hoje.

    homemxA disposição para matar também o fazia se sentir um super-herói. Decidindo pela vida e morte de outras pessoas, ele assumia um superpoder que o diferenciava dos seres humanos normais. Era um ex-humano, que se via um degrau acima na cadeia evolutiva. Um X-Man, que inspirou o nome do livro que publiquei em 2005, chamado O Homem X – Uma reportagem sobre a alma do assassino em SP (editora Record). O mundo para ele se dividia entre bons e maus. Para os inimigos, não havia perdão. Aqueles que não matavam e não participavam da guerra eram chamados pejorativamente de Zé Povinho, meros coadjuvantes no cotidiano violentos que viviam. Ainda fico assombrado com a semelhança no discurso desses matadores com o dos policiais super-heróis.

    Não precisamos desses super-heróis. Deixem eles enganarem a si próprios e inflarem seus egos. Mas essa falácia não pode nortear as políticas públicas. Todos os especialistas concordam. São necessárias polícias que cumpram o ciclo completo. Precisamos de reformas, instituições que façam o patrulhamento ostensivo, mas também investigue e colha provas. Em vez da guerra, teremos Justiça.

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    CGK
    CGK
    10 anos atrás

    Jornalista Bruno,

    As mazelas são estas que apontaste mas as reformas e instituições que sugeres ficaram em aberto. Quais reformas seriam as prioritárias no contexto Brasil ? As instituições até temos algumas mas, começando, seriam públicas ou privadas ? Só de policiamento ostensivo ? Enfim, meu caro, vai mais fundo, OK!

    xikus
    xikus
    10 anos atrás

    depois dos politicos,a policia militar estar em segundo lugar na descrença pela população,não é a toa que alguns policiais viraram politico,pq ai eles sairão do segundo lugar,para o primeiro lugar de descrença.

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