Imigrante em Portugal, Cláudia Canto fala que ‘a literatura veio como um bote salva vidas’

    A autora de “Morte às Vassouras” cresceu na Cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo, foi doméstica em Lisboa e lançou livro na Universidade de Oxford: “voltei ao Brasil como escritora”

    Na busca por uma carreira sólida como jornalista, Cláudia Canto partiu para Portugal com 500 euros no bolso. O que ela não esperava era ver sua vida ser transformada no auge da sua juventude e na sua descoberta como mulher quando passou a acreditar em si própria. A sua experiência como imigrante em terras lusitanas resultou no seu primeiro trabalho como escritora, o livro “Morte às Vassouras”.

    Cria da Cidade Tiradentes, extremo leste de São Paulo, Cláudia foi a convidada do segundo episódio da série de lives da Ponte Academia de Literatura das Ruas, comandada por Jessica Santos, editora de redes sociais, na última quarta-feira (2/12).

    Na obra, lançada em 2004, a escritora conta o que enfrentou ao trabalhar como empregada doméstica na casa de um casal de idosos em Lisboa. Claudia ouviu de sua patroa ao ser contratada: “Com você eu posso sair às ruas, porque você não é negra”. A partir disso, ela explica que “no Brasil, por ser negra com o tom de pele mais claro, [o preconceito] vai passando batido” e por isso, “não levantava tanto a bandeira”. Foi em Portugal que sofreu com o racismo diariamente. 

    “[Ficava] no meu quartinho-senzala, eu não tinha muita folga, só tinha um dia. Estava 24 horas naquela casa sofrendo os piores abusos e assédio moral”, lembra Cláudia. Nessa situação, ela fala que “a literatura veio como um bote salva vidas”. Toda sua experiência de rua e das leituras que fez desde muito nova lhe deram o amparo para escrever um diário que, posteriormente, iria se tornar o “Morte às Vassouras”, título de uma das poesias que escreveu durante esse “exílio”. Segundo ela, ao longo dessa trajetória, acabou percebendo a importância de se afirmar uma mulher negra, conhecer sua ancestralidade, e entendeu que suas riquezas estavam nas suas próprias vivências na periferia. 

    Um tempo depois, seu livro foi lançado em alemão e inglês, inclusive na Universidade de Oxford, na Inglaterra, na Universidade de Glasgow, na Escócia, e em Portugal. Em breve, ganhará versão também em italiano. “Quando voltei ao Brasil, tive orgulho de falar: eu voltei escritora”.

    O seu segundo livro foi lançado dois anos depois, “Bem vindo ao mundo dos raros”, uma coletânea de contos e crônicas escritos durante o tempo em que trabalhou em clínica psiquiátrica. Mais recentemente, passou a fazer palestras dentro da Fundação Casa, trabalhando para levar seu conhecimento e seus livros aos jovens. Cláudia conta que quer voltar a visitar os presídios, agora os femininos.

    O retrato da mulher foi um destaque na sua obra “Cidade Tiradentes, de Menina a Mulher”. O livro personifica o bairro em que Cláudia mora no papel de uma mulher negra. “Eu fiz um paralelo da minha história com a história do bairro. Conto a história da Cidade Tiradentes de uma forma antropológica, lírica, poética e sem perder o viés da realidade”. Atualmente, reflete seu empoderamento como biógrafa de mulheres que vivem na Suíça. Em “Flor do Sertão” narra a infância e a adolescência de uma mulher do Piauí que se muda para a Europa.

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