Adolescentes infratores encontram no futebol chance de mudar de vida

    Inspirados pelo sonho de, um dia, ser jogador profissional, garotos finalistas em Campeonato da Fundação Casa colocam em campo esperança de recomeçar

    Marcos* era mais um como tantos outros garotos na periferia de São Paulo. Seu sonho não era muito diferente da maioria da molecada: jogar futebol e ganhar dinheiro com isso. Desde que favela é favela, os golzinhos feitos com chinelos e pedras fazem parte do cenário dos becos e vielas. E contrastam com uma realidade de violência e discriminação. Seguir imaginando esse futuro nos campos pelo mundo é um desafio.

    Um abismo separa, no entanto, o sonho da realidade, aquilo que se deseja e a sobrevivência. Marcos teve que tomar justamente uma decisão. E a escolha foi pela solução mais rápida e fácil, como já diziam os Racionais MC’s: o crime. O dinheiro amaldiçoado cobrou o garoto e o jogou na Fundação Casa. Nem o nome poderia dizer com tranquilidade mais. O rosto não pode aparecer publicamente. Nem quando o sonho lá de trás começa a virar realidade em pleno Estádio do Canindé.

    As arquibancadas já não são as mesmas de alguns anos. A camisa rubroverde deixou de passar respeito aos adversários, ao mesmo tempo em que a fábrica de craques ficou no passado. Uma dívida de R$ 354 milhões deixa a Portuguesa prestes a vender a sua casa, onde por lá driblaram craques da seleção brasileira. Estado quase terminal incapaz de diminuir a conquista de mais de 30 garotos.

    Arthur Stabile/Ponte.org

    O estádio recebeu a final da Copa Casa, campeonato disputados entre garotos dos centros socioeducativos da Fundação. Marcos vestia a camisa vermelha e branca da Casa Paulista conta a verde e azul da Madre Teresa de Calcutá, de Iaras. Um passo pequeno para quem vê de fora, um pulo gigantesco em busca dos que vestiram as chuteiras, os uniformes e jogavam a valer. Há quem conseguiu, através do futebol, deixar a fundação e virar um jogador profissional.

    Um deles é Jadson Ailton, o Negão, que teve o sonho realizado após um campeonato da Fundação. Sua habilidade chamou a atenção ao ponto dele ser contratado pelo Grêmio, de Porto Alegre, em 2017, clube que acabou campeão da Copa Libertadores e se consagrou como o segundo melhor time do mundo no ano passado, ao perder a final do Mundial de Clubes para o Real Madrid de Cristiano Ronaldo, por 1 a 0.

    Foto: Maria Vitória Ramos/Ponte.org

    “Eu passei por um momento em que pensei ‘não é para mim’, porque tem pessoas que vão te olhar diferente. O importante é tu manter focado, cabeça erguida, acreditar no que realmente quer e pensar na sua família, no bem deles”, conta o atacante, recentemente contratado pelo Internacional, rival do Grêmio, que assistiu a final da Copa. Ele viu o time de Marcos vencer por 4 a 0 com facilidade.

    “Foi um aprendizado para todo mundo, incentiva a mudar de vida”, diz o garoto Marcos, após levantar a taça e comemorar com os companheiros. Eles fizeram uma ligação em vídeo pelo celular para comemorar com o diretor da unidade, que estava de férias. Um dos jovens, vestido com a camisa 7, chamou a atenção de Jadson. Magro, alto, rápido, habilidoso. “Esse é bola”, definiu o jogador profissional, ex-interno da Fundação, em um linguajar tipicamente “boleiro” sobre um atleta que demonstra ter futuro.

    Foto: Maria Vitória Ramos/Ponte.org

    Terminada a comemoração, Jadson fez questão de sentar ao lado do número 7. A conversa entre os dois durou cerca de cinco minutos. Eram dicas e incentivos. Mais do que exaltar o talento nato do campeão, a intenção do jogador era mostrar a ele: ‘você pode’. Parece pouco tempo no relógio, mas na esperança e no sonho, o tempo mais importante do mundo para aquele garoto. O ex-interno disse: ‘vou ver o que consigo fazer’.

    A promessa de tentar uma vaga, ainda que sem garantias, é suficiente para reviver o sonho juvenil da época dos golzinhos feitos com chinelo e pedra. E renascer com mais força. Afinal, como diria Inquérito: “se a gente só sonha, não corre, só dorme, faz o pijama virar uniforme”. O uniforme em mente é outro. Não é o pijama de casa, muito menos o da Fundação. É um sem cor definida ou seja lá qual for número nas costas. Acima de tudo tem camisa, short, meião e chuteiras. Tudo isso sustentado por um menino que tem nos pés um coração cheio de sonhos.

    Maria Vitória Ramos/Ponte.org

    Arthur Stabile/Ponte.org

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