Incluindo Mãe Bernadete, agosto foi o mês com mais mulheres baleadas na Bahia

Levantamento do Instituto Fogo Cruzado comparou dados de 2022 e 2023 em Salvador e na região metropolitana; foram 27 vítimas de violência armada no período, com 18 mortes

Líder religiosa foi morta em 17 de agosto no quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho | Foto: Arte sobre foto de Wialisson Braga/Conaq

Mês da morte de Mãe Bernadete, agosto foi o período com mais mulheres baleadas na Bahia, segundo dados do Instituto Fogo Cruzado. A organização compila dados sobre a violência em Salvador e na região metropolitana desde julho do ano passado. Foram 27 vítimas de violência armada no mês, sendo que 18 delas morreram. 

O caso mais emblemático foi o assassinato da líder religiosa no dia 17 de agosto. Mãe Bernadete, 72 anos, foi morta a tiros na sala de casa, no quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho, na Região metropolitana de Salvador. Na segunda-feira (4/9) três suspeitos de participação no crime foram presos. 

A liderança quilombola estava à frente da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) para que a morte do filho Binho do Quilombo fosse elucidada. Ele foi morto em 2017 atingido por tiros quando estava dentro de um veículo também em Simões Filho. 

Em agosto também foi registrada uma chacina na Colônia JK, em Mata de São João. Cinco pessoas foram baleadas e tiveram os corpos queimados. Duas das vítimas eram mulheres. 

Durante o mês de agosto foram mapeados pelo Instituto Fogo Cruzado 186 tiroteios, que resultaram na morte de 163 pessoas e deixaram 45 feridas em Salvador e na região metropolitana. 64 tiroteios ocorreram durante ações e operações policiais e 19 em meio a disputas entre grupos armados. 

Os dados são representativos da escalada da violência na Bahia, que vem chamando a atenção pela série de confrontos em sequência. 

Desde a noite de domingo (3/9) a capital baiana vive uma situação atípica consequente da violência policial e da disputa entre grupos armados. Os bairros Alto das Pombas e Calabar, próximos da área mais rica da cidade, foram palco de troca de tiros entre policiais e suspeitos, deixando a população presa no meio do conflito. 

O medo da população fez com que aulas de escolas da rede estadual e de alguns campi da Universidade Federal da Bahia (UFBA) fossem suspensas. Parte do comércio também fechou as portas e até mesmo postos de saúde não atenderam pacientes. Até esta terça-feira (5/9) dez pessoas foram mortas em confronto, segundo a Polícia Militar comandada pelo governo de Jerônimo Rodrigues (PT). 

O dia mais crítico até aqui foi a segunda-feira (4/9). Sete pessoas foram feitas reféns em duas casas no bairro Alto das Pombas. Segundo a Polícia Militar da Bahia, os suspeitos invadiram os locais para fugir da troca de tiros com os agentes. 

Desde a tarde de domingo (3) a região já vinha registrando tiroteios e viu o policiamento ser reforçado. Todas as vítimas foram liberadas sem ferimentos. Em resposta ao crime, a polícia matou cinco pessoasconsideradas suspeitas naquele bairro. 

Segundo o Correio 24 horas, o número de mortos chegou a dez na tarde desta terça-feira (5). O caso mais recente foi o da morte de duas pessoas por volta das 12h no Alto das Pombas. 

No Calabar, também pela violência policial e disputa entre grupos armados, famílias abandonaram as casas onde vivem. “Morei aqui durante anos e nunca imaginei que fosse ver tanta violência assim, na luz do dia”, contou uma moradora ao Correio. 

Em entrevista coletiva concedida nesta terça (5), o secretário de Segurança Pública da Bahia, Marcelo Werner, atribuiu a violência no estado à disputa entre facções. 

“A guerra de facções é o principal responsável pela criminalidade, pela violência em nosso estado, e, por isso mesmo, nós temos realizado ações cirúrgicas e pontuais, reforçando o policiamento, a inteligência, e os meios para cada vez mais inibir ações como essa, que é a política do terror que eles querem implementar no nosso estado”, disse Werner.

Além do avanço das facções, a Bahia é um estado com alto índice de violência policial. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o estado é líder em mortes em decorrência de intervenção policial, ultrapassando o Rio de Janeiro, com 1.464 óbitos em 2022. 

Sobre a tensão mais recente, Werner disse que a polícia planejou a operação desde sexta-feira (1/9), após, segundo o secretário, uma facção divulgar imagens de equipamentos bélicos. 

A Ponte questionou a Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA) sobre possíveis falhas na estratégia adotada, já que mesmo com plano antecipado houve confrontos e atividade dos grupos criminosos. Não houve retorno até a publicação do texto. 

Na coletiva a secretaria divulgou que oito pessoas foram presas e foram apreendidas três granadas, oito pistolas, seis fuzis e uma quantidade não especificada de munições e drogas.

Participam da operação centrada nos dos bairros citados PMs do Batalhão de Choque, da 41ª Companhia Independente de Polícia Militar e do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope). 

Motor da violência

Coordenadora regional do Instituto Fogo Cruzado, Tailane Muniz fala que o avanço dos grupos armados de outros estados para a Bahia não é um fato novo. Ela defende que a atuação das forças de segurança seja planejada de modo que respeite os direitos dos moradores de áreas em conflito.

“A polícia precisa, sobretudo, agir com inteligência. Esses territórios que vivem conflitos armados são os em que também moram famílias, crianças, idosos, adolescentes, jovens, que trabalham e estudam, e que têm um certo direito de ir e vir negados. Nós [do Instituto Fogo Cruzado] pensamos que a polícia não pode entrar, ocupar e tentar tomar as rédeas da situação quando o conflito está estabelecido”, comenta. 

Ela argumenta que o Estado não pode negar a existência desse problema e que o governo da Bahia não é transparente nesse tipo de atuação. Um exemplo, segundo Tailane, é opção dos governantes muitas vezes por não dizer o nome dos grupos ou facções que atuam na Bahia.

“Nessa perspectiva, podemos dizer que só entendemos qual é o problema a partir de evidências. Nós precisamos primeiro trabalhar essas análises com base em evidências para só então poder pensar que tipo de política pública pode atender da melhor maneira, pode salvar as pessoas dessa linha de tiro que hoje, infelizmente, existe em Salvador e toda a região metropolitana”, diz Tailane. 

A especialista fala em ciclo de retroalimentação entre o crescimento de grupos armados e o aumento das ações policiais. “Isso significa dizer que, ao passo em que os grupos armados se fortalecem, a polícia se arma mais. Os confrontos e os conflitos são cada vez mais frequentes”, afirma. 

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“O Fogo Cruzado entende que a polícia na Bahia é um motor da violência, é um motor dessa sensação de medo. A segurança pública vem de sensação de segurança. Quando você está no estado, em uma cidade como Salvador, que você tem uma média de seis tiroteios por dia, que é o que o Fogo Cruzado registra, você tem medo”, pontua. 

Outro lado 

A Ponte procurou a SSP-BA e pediu entrevista com o secretário Marcelo Werner e com o comandante da Polícia Militar, Paulo Coutinho. Também foi solicitado, como já citado, uma avaliação sobre possíveis falhas na operação que não impediu mortes e nem que a violência provocasse terror. 

Foi solicitado ainda informações sobre os dez mortos em confronto (sexo, idade, cor) e os respectivos boletins de ocorrência da cada um dos casos. Outro pedido foi se a Corregedoria foi acionada para análises dessas mortes em confronto. Não houve retorno.

O Ministério Público do Estado da Bahia também foi questionado sobre sua atuação nesta operação — foi questionado se há acompanhamento do órgão e se foram registradas notícias-crime denunciando algum tipo de violação por parte dos policiais. Uma entrevista com a Procuradora-geral de Justiça da Bahia, Norma Cavalcanti também foi solicitada. Não houve retorno, mas o espaço está aberto. 

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