‘Indulto’ e saída de presos no Dia das Mães, Pais, Natal: mitos e verdades

    Entenda o que são e para que servem as saídas temporárias e os indultos para presos

    indulto saida temporaria juniao
    Ilustração: Junião

    Sempre que datas comemorativas se aproximam, as redes sociais se enchem de informações “polêmicas” sobre presos perigosos que estão deixando as prisões impunes e livres para cometer novos crimes. Os sites e os programas policialescos repetem as mesmas notícias sobre a assassina dos pais que deixa a prisão para o Dia das Mães e dos Pais ou da madrasta assassina que ganha liberdade no  Dia das Crianças.

    Atiradas ao público sem explicação, essas notícias se tornam combustível para discursos autoritários, baseados na ideia de que “bandido bom é bandido morto” e que qualquer benefício concedido a presos é absurdo. Mas, para ter uma opinião sobre as saídas de presos em datas comemorativas, é preciso antes de mais nada entender do que se trata e saber a verdade a respeito dos vários mitos espalhados por aí.

    Primeiro, é preciso saber a diferença entre indulto e saída temporária, conceitos bem diferentes que muitas vezes se misturam nos programas policialescos.

    A saída temporária, também conhecida por “saidinha”, é prevista na Lei de Execução Penal (Lei n° 7.210/84), a LEP, e é concedida individualmente aos presos que estejam cumprindo pena no regime semiaberto. Geralmente ocorre em datas comemorativas (Páscoa, Dia das Mãe, Dia dos Pais, Natal, etc.), possibilitando o contato com familiares em um prazo máximo de sete dias, que pode ser repetido até cinco vezes ao ano, caso haja o cumprimento dos requisitos estabelecidos na lei.

    Por sua vez, o indulto, ou “perdão judicial”, é concedido por meio de decreto da Presidência da República (art. 84, inc. XII da Constituição Federal), editado anualmente. O decreto é concedido coletivamente a todos que preencham as características prescritas no texto, mas só passa a valer após a concessão judicial. O indulto pode ser pleno, extinguindo toda a pena, ou parcial, prevendo apenas a diminuição da pena.

    Veja a seguir alguns mitos e verdades envolvendo esses benefícios.

    Mito: Com as saídas temporárias e indultos, as cadeias soltam na rua todo tipo de bandido perigoso sem qualquer critério

    Verdade: A saída temporária é um benefício a sentenciados que cumpram pena há determinado período e apresentem bom comportamento. Condenados que não cumprem os requisitos estabelecidos não podem usufruir dos benefícios, sendo mantidos presos em todas as datas comemorativas.

    A LEP prevê a concessão da saída temporária para (art. 122º):

    I – visita à família;
    II – freqüência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução;
    III – participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.

    Para isso, é necessário o cumprimento de três requisitos cumulativos previstos no art. 123º:

    I – comportamento adequado;
    II – cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente;
    III – compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.

    O benefício não se aplica aos presos que estejam sob investigação, respondendo a inquérito disciplinar ou que tenham recebido sanção disciplinar.

    O indulto, por sua vez, é destinado aos detentos que cumpram alguns requisitos, editados anualmente, como: ser paraplégico, tetraplégico ou portador de cegueira completa (desde que não anteriores à prática do delito), ser mãe de filhos menores de 14 anos e ter cumprido pelo menos dois quintos da pena em regime fechado ou semiaberto. Deve manter, ainda, o bom comportamento no cumprimento da pena e não responder a processo por outro crime praticado com violência ou grave ameaça contra a pessoa. Segundo consta na LEP nº 8.072/90, não podem ser beneficiados os condenados que cumprem pena pelos crimes de tortura, terrorismo, tráfico de entorpecentes e os condenados por crime hediondo.

    Mito: Tem gente que mata os pais e mesmo assim ganha o direito de deixar a cadeia no Dia das Mães e Dia dos Pais

    Verdade: Não há uma ligação direta e individual entre a saída de um preso e a data a ser comemorada. Segundo a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) de São Paulo, “a autorização é concedida por ato normativo do juiz de execução, após ouvido o representante do Ministério Público”. “Os condenados que cumprem pena em regime semiaberto e que tenham bom comportamento, poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, por prazo não superior a sete dias, em até cinco vezes ao ano”, afirma. Além disso, segundo consta na LEP, deve-se cumprir, no mínimo, 1/6 (um sexto) da pena, se cometido crimes leves, e 2/5 (dois quintos), se primário, ou 3/5 (três quintos), se reincidente, nos delitos hediondos (homicídio, latrocínio, estupro, etc.), equiparados nos moldes do art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.072/90. Ao cumprir tais condições, o detento poderá ter a saída concedida, com prazo máximo de sete dias consecutivos para retorno à prisão.

    Mito: Bandido tinha que ficar preso a pena inteira, em vez de receber ‘saidinha’ e outros benefícios

    Verdade: O diretor da ONG Conectas Direitos Humanos Marcos Fuchs explica que a saída temporária é uma forma de o detento provar para o juiz e para a sociedade que é capaz de se reintegrar, uma vez que fez jus ao benefício enquanto em cárcere.

    Em seu portal, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afirma que a “Lei de Execução Penal brasileira foi elaborada pelos legisladores com o objetivo de promover, através da aplicação da pena, a ressocialização dos detentos, com foco na prevenção da reincidência criminal. […] Dando ao preso a oportunidade de, gradativamente, voltar a conviver em sociedade”.

    Segundo consta no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), “o benefício [da saída provisória] visa a ressocialização de presos, através do convívio familiar e da atribuição de mecanismos de recompensas e de aferição do senso de responsabilidade e disciplina do reeducando”.

    A busca da ressocialização do preso se mostra ainda mais importante num país como o Brasil, em que a população carcerária atingiu o número de 726.712 presos em 2016, fazendo do Brasil o terceiro país que mais aprisiona no mundo, conforme o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen). Em 78% dos estabelecimentos prisionais, há mais presos do que o número de vagas disponíveis.

    “A justiça atualmente tem um caráter punitivo: se um indivíduo comete um crime, ele deve sofrer uma punição e condenação por conta desse crime. Por mais que se diga que o propósito das prisões é ressocializar o indivíduo, as violações cotidianas de direitos dentro do sistema prisional mostram que esse não é o caso. Esse sistema punitivo cria um ciclo de violência, sem que vítima ou ofensor tenham a possibilidade de se recuperar”, declara a Pastoral Carcerária.

    Mito: A maioria dos presos que recebe direito a ‘saidinha’ aproveitam para fugir

    Verdade: Segundo dados fornecidos à Ponte pela SAP, no ano passado a média de presos que retornaram à prisão na data prevista pela Justiça foi igual ou superior a 96% em todos os feriados. Num período de 10 anos, a média calculada ao total foi de 94,96%, sendo 94,65% na Páscoa, 95,29% no Dia das Mães, 95,26% no Dia dos Pais, 95,23% no Dia das Crianças, 95,47% em Finados e 93,88 no Natal/Ano Novo. É importante lembrar que “quando o preso não retorna à unidade prisional, é considerado foragido e perde automaticamente o benefício do regime semiaberto, ou seja, quando recapturado, volta ao regime fechado”, declara a SAP.

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