Instrutor de surfe é atingido na cabeça por tiro de metralhadora dado pela polícia, diz família

    Polícia Civil do Ceará admite que atirou com arma de grosso calibre na direção do jovem de 17 anos. Porém, diz que a bala que o acertou partiu de uma pessoa que era perseguida

    Instrutor de surfe foi baleado na cabeça em Aquiraz (CE) | Foto: Arquivo pessoal

    O instrutor de surfe José Miguel Vieira da Silva, de 17 anos, havia acabado de sair de um salão de cabeleireiro no município Aquiraz, a cerca de 30 km de Fortaleza, na tarde de sexta-feira (10/9), quando foi abordado por policiais civis. Ele ergueu os braços em sinal de rendição e, mesmo assim, foi atingido na cabeça com um tiro de submetralhadora.

    Essa é a versão dada por amigos e familiares do jovem, que está internado no Hospital IJF (Instituto Doutor José Frota), na capital cearense.

    Na versão do policial civil Francisco Eudes Munis, que estava na ocorrência, Miguel estava caminhando no bairro do Iguape, com outro rapaz, quando viram a viatura da Polícia Civil, sacaram uma arma cada um e começaram a correr na direção contrária.

    Segundo Munis, os dois jovens negros fugiram a pé dos policiais que estavam no carro. O policial civil conta que, além de correr, os jovens viravam e atiravam contra a viatura.

    Para revidar aos supostos tiros dados pelos jovens, o policial Rafael Ives Cavalcante Camelo atirou com sua submetralhadora Taurus MT 40. Com o tiro, Miguel caiu. O outro jovem, então, teria continuado correndo e conseguiu fugir.

    Ainda de acordo com a versão policial, os policiais terminaram a perseguição e pararam para socorrer Miguel. E, apesar de ter dito que o jovem caiu após o policial Camelo atirar, Munis afirmou no depoimento que “acredita fortemente” que o disparo que acertou Miguel partiu do outro jovem, que estava fugindo a pé da viatura e atirando para trás.

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    Conforme as investigações, os policiais civis foram ao local para cumprir mandados de prisão contra procurados pela Justiça. No entanto, não há informações sobre quem são esses foragidos e o registro policial diz apenas que as buscas não foram bem-sucedidas por se tratar de uma região com forte atuação da facção criminosa Comando Vermelho, que impediu o trabalho dos policiais.

    Ainda na versão do policial Munis, mesmo depois de ter visto a viatura da polícia e supostamente ter fugido a pé dos policiais no carro, Miguel não se desfez de uma bolsa que teria dentro grande quantidade de cocaína, muitas munições e um carregador de pistola calibre ponto 40, grande quantia em dinheiro e uma balança de precisão.

    Todo esse material foi apreendido e atribuído ao adolescente, que deve responder pelo ato infracional.

    José Miguel foi internado no Hospital IJF, em Fortaleza | Foto: Arquivo pessoal

    Depois que o Miguel foi atingido na cabeça, o policial civil Munis disse que a equipe prestou socorro imediato, colocando o jovem dentro da viatura para prestar socorro. No caminho, os policiais cruzaram com a viatura do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) que iria atender a ocorrência, e então fizeram a transferência de carros e o jovem recebeu os primeiros socorros.

    O adolescente foi encaminhado em seguida para o Hospital IJF. A reportagem solicitou à unidade de saúde detalhes sobre o estado de Miguel, mas foi informada que o hospital não passa informações sobre pacientes.

    Segundo familiares, o instrutor de surfe está em estado grave, sem conseguir abrir os olhos e sem movimentar boa parte do corpo. A comunicação é feita por ele apenas movimentando os dedos, segundo um familiar.

    “Até quando vamos ver nossos jovens pobres sendo baleados, ou até mesmo mortos, como na maioria dos jovens”, disse Edna Carla, líder do Movimento Mães da Periferia, que reúne mulheres que perderam os filhos em ações da polícia do Ceará. Ela está acompanhando o caso desde quando aconteceu, e questiona a ação policial, alegando que Miguel é inocente e é mais uma vítima de recorrentes casos de violência no Estado.

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    A Ponte entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará e questionou se os policiais envolvidos na ocorrência foram afastados, se o governo considera a ação legítima e quais foram os resultados da operação daquele dia.

    A reportagem também pediu para entrevistar o policial Rafael Ives Cavalcante Camelo, que efetuou o disparo em direção ao jovem. No entanto, a secretaria enviou apenas a seguinte nota:

    “A Polícia Civil do Estado do Ceará informa que um procedimento policial para apurar uma lesão à bala, ocorrida na cidade de Aquiraz, durante uma ação de policiais civis, foi instaurado. A arma utilizada na ocorrência foi apreendida e encaminhada para perícia. O caso segue em apuração.”

    A Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário também se posicionou dizendo que instaurou um procedimento disciplinar para “devida apuração dos fatos na seara administrativa, estando este, atualmente, em trâmite”.

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