Invasão de domicílio e roubo de joias: por que parte de ‘bonde’ de policiais civis está fora das ruas

Três policiais civis são acusados de subtrair pertences em uma casa invadida sem mandado em 2020; “Bonde do Moacir” aterroriza Itu e outras cidades do interior paulista

Bruno Bolpete Ceccolini, o K9, e Moacir Cova em imagem postada por eles mesmos nas redes socias | Foto: Reprodução / Instagram

Acontecerá na próxima terça-feira (25/6) audiência de processo que respondem Moacir Cova, Bruno Bolpete Ceccolini e Fábio Consalez Xavier de Freitas, policiais civis de Itu, no interior de São Paulo, por suposto roubo de joias do interior de uma casa em 2020.

Leia também: ‘Bonde do Moacir’: policiais civis aterrorizam, agridem e matam na região de Itu (SP)

Os três policiais estão afastados temporariamente de suas funções desde 13 de junho, após representação contra eles pela Corregedoria Geral da Polícia Civil. O grupo é conhecido na região de Itu por denúncias de crimes forjados, agressões e mortes, como a Ponte relatou em reportagem sobre o “bonde”.

Às denúncias que já existiam, soma-se agora mais uma: roubo. Em 30 de janeiro de 2020, Moacir e seu bonde saíram de sua jurisdição, no município de Itu, e se dirigiram à cidade vizinha de Indaiatuba, em uma viatura da Polícia Civil. Eles alegam que estavam apurando informações recebidas por uma denúncia.

Na cidade vizinha, relatam terem abordado um grupo de pessoas comprando e vendendo drogas. As pessoas teriam se dispersado, e uma delas disparado com arma de fogo contra os policiais, que revidaram, mas sem alvejar ninguém. No meio do tumulto, teriam identificado Roberto Silva*, conhecido como “Negão”, que estavam buscando desde o começo. Com ele, o bonde disse haver 46 porções de crack, 59 de maconha, 3 de cocaína e 3 de alguma droga não especificada, além de 120 reais. A defesa de Roberto* nega, e alega que ele portava apenas uma pequena quantidade de drogas para consumo pessoal.

Os policiais civis dizem que a denúncia anônima teria passado o endereço de Roberto* como o local onde estariam escondidos itens que foram furtados de uma casa, em Itu, alguns dias antes. O suspeito foi levado até sua casa, onde os policiais civis teriam encontrado uma TV, um aparelho de DVD e um home theater advindos do furto. Os itens foram apreendidos e Roberto* foi levado para a cidade de Itu, onde foi apresentado na delegacia. A Polícia Civil de Indaiatuba não foi avisada da ação dos policiais do município vizinho. “Em que pese o crime ter ocorrido no Município de Indaiatuba, não vislumbro irregularidade na lavratura do auto de prisão em flagrante por essa Unidade Policial”, defendeu o delegado Raony de Brito Barbedo, delegado da Delegacia de Polícia Central de Itu.

No mesmo dia, outra casa também foi invadida. Moacir, Bruno e Thiago entraram, sem mandado judicial, em um apartamento na região rural de Indaiatuba, onde estavam uma senhora e uma criança de 7 anos. Os policiais não teriam se identificado nem informado porque estavam no local. Lá, teriam revistado o interior do apartamento e um carro que estava na garagem do prédio, cuja chave estava no interior do imóvel. O bonde teria saído de lá com três caixas – nelas, bijuterias e joias de Maria Torres* e Fábio Souza*, outros moradores do local, que não estavam presentes na hora dos fatos.

Quando chegou em casa e viu suas coisas reviradas, Maria* foi com a senhora que estava no imóvel, avó de seu marido, para a delegacia de Indaiatuba. Aldemir estava em uma viagem internacional. Lá, as duas foram avisadas de que nenhuma ação daquela delegacia havia ocorrido, e registraram um boletim de ocorrência. Foi só com seu advogado que Santos descobriu que havia, no mesmo dia, ocorrido o registro de uma prisão em flagrante, em outro local da cidade, por policiais de Itu – o bonde. Moacir, Bruno e Thiago foram reconhecidos, através de fotos, como os policiais que teriam entrado no apartamento.

Uma apuração preliminar foi aberta na 2ª Corregedoria Auxiliar de Campinas da Polícia Civil, para investigar os possíveis crimes – invasão de domicílio sem mandado judicial, subtração de bens e prevaricação. Moacir Cova e Bruno Bolpete Ceccolini foram ouvidos, e responderam de maneira idêntica às perguntas. Questionados se haviam entrado no apartamento, os policiais negaram, dizendo também que nada foi recolhido no local. Moacir e Bruno afirmam ainda acreditar que quem os denunciou deveria ter alguma relação comRoberto Silva*, preso naquele mesmo dia. Não há, no entanto, nada que ligue Roberto* a Maria* e seus familiares, exceto o bonde do Moacir.

O relatório final da 2ª Corregedoria Auxiliar de Campinas da Polícia Civil foi entregue em outubro de 2021, mas voltou à origem a pedido do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), que solicitou que Fábio Consalez Xavier de Freitas também fosse ouvido. Freitas prestou sua declaração na 7ª Corregedoria Auxiliar de Sorocaba da Polícia Civil em abril de 2022. Questionado, o policial disse que houve, sim, a entrada em um apartamento no dia 30 de janeiro de 2020, sem lembrar em qual endereço. Em sua versão, no entanto, a entrada teria sido liberada pela avó de Aldemir, que se encontrava no imóvel no momento. Freitas diz ter ficado fazendo a segurança do ambiente enquanto os demais policiais – ele cita Moacir e Bruno, mas diz que poderia haver um quarto integrante – faziam a revista. Como seus colegas, Freitas usa seu depoimento para dizer que a denúncia feita por Maria é inverídica.

No órgão corregedor da Polícia Civil, dois procedimentos disciplinares sobre o caso de possível subtração de joias existiram ao mesmo tempo. Em um deles, parte das acusações contra os policiais foram acatadas – apenas as que envolviam o não seguimento de procedimentos legais, como abertura de talão ou autorização para a ação ocorrida. As demais, que versavam sobre a subtração das joias, não foram acatadas. Neste procedimento, o relatório final da 2ª Corregedoria Auxiliar de Campinas da Polícia Civil afirma, houve uma mudança no depoimento prestado pelas vítimas, que disseram que, na verdade, não sabiam se eram policiais civis que tinham entrado no apartamento, e que os itens que haviam sido dados como subtraídos estavam na casa de amigos ou tinham sido levados por Aldemir em sua viagem internacional.

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O MP-SP ofereceu, para Bruno e Fábio, um acordo de não persecução penal, instrumento que prevê que, após o cumprimento de algumas condições pelo investigado, a investigação seja arquivada e a punibilidade, extinta. Os dois recusaram a proposta. Moacir não recebeu a proposta de acordo por não ser réu primário. Em setembro de 2023, o órgão ofereceu denúncia contra o trio, que é defendido pela mesma advogada.

Na última terça-feira (18/6), o presidente da Câmara dos Vereadores de Itu, Ricardo Giordani (PSB), fez uma fala no plenário da casa comemorando o afastamento de Moacir Cova, a quem apontou como “o maior bandido” de Itu. “Esse sujeito, o nosso xerife de Itu, conhecido por aí, que atropela qualquer procedimento criminal, que não sabe o que é legalidade de ato, está agora afastado do âmbito da polícia em que trabalha”, discursa o vereador.

O presidente da casa ainda alertou que Moacir tem alegado estar sofrendo perseguição política: “Polícia Civil, é mais grave do que vocês pensam. Agora a acusação se voltou contra vocês. É importante que a corregedoria da polícia civil do estado de São Paulo saiba que eles estão sendo acusados de serem usados por outrem para perseguir esse sujeito”.

Na próxima terça-feira, ocorrerá audiência para ouvir depoimentos sobre o caso da subtração de joias. As advogadas do bonde do Moacir pediram que sejam ouvidos Raony de Brito Barbedo, delegado responsável na data em que a subtração teria ocorrido, e Marcia Pereira da Cruz, delegada de Itu que considera no Instagram os integrantes do bonde os seus “bad boys”.

O que dizem as autoridades

A Ponte procurou o MP-SP, a Corregedoria da Polícia Civil e a defesa dos policiais civis acusados, mas não teve retorno até a publicação desta texto.

A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) enviou a seguinte nota:

A Polícia Civil informa que os policiais mencionados foram afastados com fundamento no artigo 86, inciso I, da Lei Complementar nº 207/1979, conforme publicado no Diário Oficial do Estado (DOE). Apurações na esfera administrativa são conduzidas contra os agentes e detalhes serão preservados diante do sigilo imposto pela Lei Orgânica da Instituição.

*Nome fictício

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