Tenente-coronel José Thomaz Costa Júnior atribuiu repercussão de vídeo divulgado pelo próprio 9º Baep e comparações com ritos nazistas a jornal de São José do Rio Preto (SP). Outros veículos, como a Ponte, divulgaram o caso antes

O comandante do 9º Batalhão de Ações Especiais de Polícia (9º Baep), de São José do Rio Preto (SP), tenente-coronel José Thomaz Costa Júnior, atribuiu a uma jornalista e a um jornal da cidade a repercussão nacional do vídeo divulgado pela própria unidade da Polícia Militar (PM-SP) em que policiais aparecem em uma cerimônia com o braço em riste e posicionados em frente a uma cruz em chamas. O oficial disse que buscaria a Justiça e ainda ameaçou a profissional e o veículo em que ela atua.
“Manifesto meu repúdio pelo jornal Diário da Região, meu repúdio pela irresponsável repórter que eles colocam no seu quadro de colunistas. Irão pagar por isso”, disse o militar na tribuna da Câmara Municipal de São José do Rio Preto, cidade onde atua o 9ª Baep, em uma sessão na terça passada (22/4). Ele não citou o nome da jornalista atacada, mas fez menção a uma reportagem assinada por ela.
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Nesta segunda (28), o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo (SJSP) emitiu junto da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) uma nota em repúdio aos ataques do policial. “Ao contrário do que disse o tenente-coronel Costa Júnior na tribuna livre da Câmara Municipal de São José do Rio Preto, o jornalismo praticado pelo Diário da Região no caso foi ético e responsável, resultando em um texto correto, que narrou os fatos com rigor, contexto e objetividade, noticiando a denúncia contra o 9º BAEP encaminhada ao Ministério Público (MP) e abrindo espaço para o contraditório”, diz a nota.
Caso teve repercussão antes de matéria de jornal local
O militar esteve na Câmara por quase uma hora, para dar esclarecimentos sobre a cerimônia — que foi associada a ritos nazistas e supremacistas brancos. Ele reexibiu um primeiro vídeo que teve repercussão no caso, mas desta vez com uma narração, segundo a qual a cruz em chamas era parte de um caminho que “representa a fé que nos guia na mais densa escuridão”.
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Quando o registro veio a público em 15 de abril, por meio de uma publicação do próprio 9º Baep no Instagram — e na qual Costa Júnior teve seu perfil marcado —, não havia qualquer locução. A postagem também não trazia contextualização alguma sobre a cerimônia.
Segundo o comandante, o episódio se tratou de uma cerimônia de entrega de braçais, rito que demarca a integração de novos policiais ao 9º Baep, que não teria qualquer conotação ideológica — ele já havia exposto os mesmos argumentos anteriormente, em reportagem publicada pela Ponte.
Costa Júnior exibiu ainda em um telão na Câmara uma postagem do Diário da Região na qual repercutia o caso. O veículo publicou uma reportagem com o seguinte título: “MP vai apurar teor de vídeo do Baep de Rio Preto com cruz em chamas”. A matéria foi assinada pela jornalista à qual ele dirigiu ataques. Para o oficial, essa publicação teria desencadeado a repercussão negativa do caso e a interpretação dos símbolos do vídeo como alusivos ao neonazismo e à Ku Klux Klan.
No entanto, essa primeira reportagem do Diário da Região sobre o caso foi publicada às 17h47 de 15 de abril de 2025. A Ponte já havia tratado dele às 17h04 daquele mesmo dia. O portal Metrópoles, também de alcance nacional, publicou uma primeira matéria às 17h08 — inclusive, Costa Júnior chegou a exibir em sua participação na Câmara um print dessa publicação, citando ela como exemplo da repercussão negativa que atribuiu ao veículo local.
Oficial culpa imprensa, mas a própria PM-SP não esclareceu vídeo
O oficial também se queixou de que a jornalista à qual atribuiu culpa não o teria procurado para ouvir esclarecimentos antes de publicar a reportagem. Contudo, está posto na matéria que o jornal Diário da Região procurou a PM-SP: a própria corporação, no entanto, não esclareceu o ocorrido.
“O profissional da imprensa sério, ele deve buscar o esclarecimento antes de publicar, e a partir da publicação de uma repórter irresponsável, tudo isso foi desencadeado. Fomos há uma semana vítimas de ataques e ofensas de toda e qualquer sorte, que os nossos policiais não merecem”, disse Costa Júnior.
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Na ocasião em que repercutiu o vídeo divulgado pelo 9º Baep, a Ponte procurou a Polícia Militar paulista, via assessoria de imprensa, para entender as circunstâncias do vídeo. A corporação limitou-se a dizer que investigava o caso: “A Polícia Militar é uma instituição legalista e repudia toda e qualquer manifestação de intolerância. Assim que tomou conhecimento das imagens, a Corporação instaurou um procedimento para investigar as circunstâncias relativas ao caso. A Corporação não compactua com desvios de conduta e reforça que qualquer manifestação que contrarie seus valores e princípios será rigorosamente apurada e os envolvidos responsabilizados”, escreveu, em nota.
Militar tenta atribuir interesse político ao caso
Costa Júnior também exibiu na Câmara uma charge crítica ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) em que ele aparece junto de um personagem vestido com trajes da Ku Klux Klan, como se aquele fosse o novo uniforme da PM-SP. O autor da ilustração não tem relação com o jornal Diário da Região ou com a jornalista atacada pelo comandante da PM. Ainda assim, o militar associou todos eles.
“Qual foi a intenção da profissional irresponsável da imprensa? Fazer, através do veículo de informação, militância política. Olha lá quem eles queriam atingir: o governo do Estado, atráves de um gesto nosso de celebração pela vitória dos nossos companheiros recém-ingressados no nosso batalhão. Eles queriam militância política. Isso é honesto? Isso não é honesto, isso não é honestidade de uma profissional de imprensa. Nós também estamos acionando a Justiça para que os responsáveis por isso também sejam responsabilizados, também respondam a quem de direito. Não dá para aceitar isso aí”, disse o tenente-coronel, momentos antes de afirmar que o jornal e a repórter “irão pagar”.

Vereadores aplaudem tenente-coronel de pé
No encerramento de sua participação, o tenente-coronel exibiu um vídeo em homenagem à própria PM-SP. Em certa altura, um narrador compara policiais a cães. “Existem três tipos de pessoas na Terra: ovelhas, lobos e cães pastores. As ovelhas, talvez, nem acreditem que o mal exista e, se o encontrar, não saberão o que fazer. Os lobos estão apenas para causar o mal aos mais fracos. Porém, existem pessoas que foram abençoadas com o dom da coragem, pela incessante vontade de proteger o rebanho, combatendo os lobos: estes são os cães pastores”, dizia o locutor do vídeo.
Costa Júnior foi aplaudido de pé pela maioria dos vereadores ao final do vídeo. A excessão foi o vereador João Paulo Rillo (PSOL), que criticou o militar pelos ataques à jornalista. “Ela não fez nada além da sua função de retratar aquilo que, de fato, é estranho. Não é desejável para a população que uma entidade tão importante quanto a Polícia Militar, de 200 anos, adote rituais que deem sinal trocado, que tenham simbologia trocada. E na minha opinião, tem que se investigar”, afirmou.
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Também tomaram a palavra os vereadores Julio Dozinete (PSD), Renato Pupo (Avante), Bruno Moura (PRD), Alexandre Montenegro (PL), Bruno Marinho (PRD), Celso de Oliveira Peixão (MDB) e Eduardo Tedeschi (PL), todos eles em favor do militar. Esse último chegou a dizer que “não há qualquer necessidade de mudar essa cerimônia”, já que, em seu entendimento, não há ligação com ritos nazistas.
O presidente da Câmara local, vereador Luciano Julião (PL), também saiu em defesa de Costa Júnior. “Hoje, como disseram, o errado é certo, e o certo passou a ser errado. Então, hoje, você falar de Deus, você é atacado; você falar da polícia, é atacado; da família, é atacado. Então, que Deus proteja vocês. Conta sempre com essa Câmara Municipal, com esse presidente aqui, meu irmão”, disse.
A Ponte questionou a Secretaria de Segurança Pública paulista (SSP-SP) se a PM-SP tem ciência da participação do tenente-coronel na sessão da Câmara e se concorda com os termos proferidos por ele. Perguntou também o que o militar quis dizer com a expressão “irão pagar”, caso possa intermediar um posicionamento dele. Não houve retorno até esta publicação.