Irmão é proibido de visitar preso por um ano após receber bermuda emprestada e abraçá-lo

Caso aconteceu em unidade de Flórida Paulista, no interior de SP, em setembro; Secretaria de Administração Penitenciária anunciou que contato físico será permitido em visitas a partir deste final de semana

Fachada da Penitenciária AEVP Cristiano Oliveira, em Flórida Paulista, interior de São Paulo | Foto: reprodução/Google Street View

O Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu como falta disciplinar grave um preso ter emprestado uma bermuda para seu irmão e ter tido contato físico com ele durante uma visita presencial na Penitenciária Agente de Escolta e Vigilância Penitenciária Cristiano Oliveira, localizada em Flórida Paulista, no interior de São Paulo.

Na decisão, de 20 de outubro, o juiz Atis de Araujo Oliveira, da 2ª Vara de Execuções Penais de Presidente Prudente, determinou a perda de um terço dos dias remidos, ou seja, cumpridos, anteriormente à data da falta disciplinar, que foi em 12 de setembro, e reinício da contagem da progressão de regime.

De acordo com o advogado Felipe Jorge Aoki Ribes, Gabriel* passaria do regime fechado para o semiaberto (em que o preso pode trabalhar ou estudar fora da unidade prisional durante o dia e retornar apenas para dormir) em dezembro deste ano ou até fevereiro de 2022. O diretor técnico Paulo Donizete de Paula Ribeiro também fixou o prazo de um ano para “reabilitação da conduta carcerária” do preso contando a partir da data do fato, ou seja, após esse período, Gabriel volta a readquirir o bom comportamento como requisito para conseguir progredir de regime.

Além disso, no âmbito administrativo, Gabriel teve de cumprir 20 dias de isolamento, além dos 10 que foram aplicados quando da abertura da sindicância. O diretor técnico seguiu o entendimento da equipe da sindicância e entendeu que o preso descumpriu os deveres de “obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se” e “execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas”, penalidade prevista no artigo 50 da Lei de Execuções Penais.

O diretor também suspendeu a visita do irmão dele, João*, por um ano, por entender que ele tentou “auxiliar, participar ou incentivar a prática de falta disciplinar de natureza grave do preso, tentada ou consumada”, que é prevista no artigo 134 da Resolução 196/2015, da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo.

Na apuração, à qual a Ponte teve acesso, dois agentes penitenciários informaram que viram Gabriel entregando uma bermuda cinza a João, que foi até o banheiro trocar com a calça de moletom preta que vestia, e que havia “semelhança das vestimentas entre o recluso e seu visitante/irmão, tentando claramente burlar a vigilância” e que os dois estavam em desacordo com as regras da secretaria quanto à Covid-19, “dentre elas o contato físico e abraços, bem como o não uso obrigatório de máscaras”, e que os dois teriam sido advertidos de que deveriam usar máscaras e permanecerem distantes por aproximadamente 1,5 metro durante a visita.

Gabriel declarou em depoimento, no entanto, que não foi orientado e que já trocou peças de roupa com o irmão pelo menos outras cinco vezes sem nunca ter sido repreendido por isso, usava máscara e apenas foi informado de que as visitantes mulheres não poderiam ir ao banheiro junto com os presos. No termo de João, ele teria dito que trocou a calça pela bermuda e que recebeu orientação de não ter contato físico e usar máscara.

O advogado Felipe Aoki Ribes aponta que os irmãos não se viam há pelo menos três meses e que João está “arrasado” por estar suspenso de visitá-lo. “A mãe deles tinha falecido e desde então não se encontraram, ele tem os filhos menores dele e uma namorada”, afirma. “É uma punição esdrúxula porque os dois já estão vacinados, não haveria risco.”

A SAP retomou as visitas presenciais nas unidades prisionais em novembro do ano passado. São permitidas apenas duas pessoas por preso, sendo maiores de 18 anos, “sendo que pessoas com 60 + ou gestantes poderão entrar somente se apresentarem comprovante de esquema vacinal completo para Covid-19 e após o período de, ao menos, 20 dias da aplicação da segunda dose, ou quando for caso, da dose única”. Entre 18 e 59 anos não é obrigatório apresentar comprovante de vacinação. Os visitantes devem ficar usar máscaras e permanecer distantes dos parentes por 1,5 metro. O descumprimento das exigências, incluindo contato físico, pode ocasionar suspensão da visita.

A Penitenciária de Flórida Paulista, conforme dados da secretaria atualizados na quarta-feira (17/11), tem capacidade para abrigar 844 reeducandos para cumprimento de prisão em regime fechado, mas comporta uma população de 1.356 pessoas.

Em uma das inspeções feita pela Defensoria Pública, em uma unidade de Limeira, no interior paulista, em novembro do ano passado, os presos reclamaram de aplicação de faltas disciplinares por conta do contato físico. “É um absurdo porque enquanto está tendo flexibilização de lugares, ida a estádios, um preso é penalizado por abraçar um parente”, declarou o coordenador auxiliar do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública Mateus Moro.

Enquanto essa reportagem estava sendo apurada, após a resposta da SAP, a pasta anunciou, na quarta-feira (17/11), a flexibilização do contato físico que passaria a valer nas visitas que ocorrerão neste final de semana, “em razão do avanço da vacinação promovida pelo Governo de São Paulo e da melhora dos índices da contaminação pela Covid-19”. Menores de idade ainda não são permitidos.

Com relação ao caso de Gabriel, a assessoria respondeu que a infração “coloca em risco a segurança do presídio e pode configurar tentativa de fuga, já que a vestimenta está fora do padrão do uniforme penitenciário” e que descumpriram as medidas de distanciamento. Também informou que ele “terá sua progressão de pena ao regime semiaberto recontada” e que “terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento”.

Havíamos questionado os motivos para a não exigência de comprovante de vacinação de visitantes, tendo em vista a preocupação com os casos de coronavírus. A secretaria respondeu que “todos os protocolos foram submetidos ao atual Comitê Científico do Governo do Estado de São Paulo e validados na íntegra, o que confere segurança aos servidores, visitantes e presos”.  Dizem também que “as orientações sobre a visita constam no site da Pasta”.

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“A população prisional, por ser considerada mais vulnerável pela maior dificuldade de distanciamento, está tendo um cuidado diferenciado. Até o momento 220.367 presos foram vacinados com pelo menos a primeira dose da vacina contra a Covid-19. A vacinação nas unidades prisionais é realizada de acordo com o cronograma dos municípios, responsáveis pela aplicação das doses”, prosseguiu a secretaria.

Com essa nova determinação para autorizar o contato físico, questionamos se as faltas disciplinares por esse motivo serão revistas. Até a publicação, a SAP não respondeu.

*Os nomes foram trocados a pedido do advogado para preservar os preso e o familiar.

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