Segundo o advogado, que usou reportagem da Ponte na defesa do motoboy, juiz considerou as versões de policiais e das vítimas contraditórias e acusação não conseguiu comprovar que Jefferson havia cometido o crime
O juiz Bruno Cortina Campopiano, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), concedeu liberdade provisória para Jefferson de Jesus Mota, que foi solto no início da tarde desta quarta-feira (14/4). O motoboy de 21 anos estava preso no Centro de Detenção Provisória (CDP) Osasco l desde o dia 20 de dezembro de 2020.
A libertação ocorreu após uma audiência virtual realizada nesta terça-feira (13/4), que havia sido solicitada pela defesa depois da mudança de comarca. A sessão ouviu os policiais, as testemunhas, uma das vítimas e Jefferson, acusado de roubar uma motocicleta e aparelhos celulares no Jardim Ângela, bairro da zona sul da capital paulista.
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Segundo Flavio Campos, advogado de Jefferson, os policiais apresentaram versões contraditórias com aquelas expostas pelas vítimas no processo.
Flavio conta que o juiz considerou que a liberdade de Jefferson não apresenta risco à ordem pública, além de que a acusação não conseguiu comprovar a autoria do crime em audiência. “Já que a vítima e os policiais se contradisseram em suas versões, e, por último, após quase cinco meses preso, meu cliente, primário e com bons antecedentes, aguardava a audiência para contar a verdade ao juiz e reaver sua liberdade. E foi o que o Jefferson fez”.
O advogado lembra que na audiência o motoboy em seu interrogatório explicou todo o ocorrido ao juiz. “Ele foi pressionado pelo promotor, mas não cedeu. As testemunhas confirmaram toda história de maneira exata e isso também foi muito favorável. Também quero ressaltar a sensibilidade jurídica do magistrado, doutor Bruno Campopiano, responsável pela decisão”.
A prisão de Jefferson provocou muita tristeza e revolta na família. Em reportagem da Ponte, que foi juntada ao processo pela defesa no último mês, a vigilante Vilma de Jesus Carvalho, 44 anos, mãe de Jefferson, contou que se sentia impotente e desesperada.
Na época ela apontou diversas irregularidades no caso, como o fato de que, uma hora antes do roubo, Jefferson estava voltando para casa e terminando seu expediente em uma pizzaria onde trabalhava como entregador, e por isso não teria como o jovem e seu irmão cometerem o assalto e voltarem para a casa.
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Nesta quarta, porém, Vilma celebra: “Não tem como explicar a alegria que a gente está sentindo. Minha família está muito ansiosa, estamos aguardando ele. Esses meses foram uma tortura, esses quatro meses, parece que foi um ano. O sofrimento foi muito grande. Nós sabíamos que ele não tinha feito [o roubo]. Mas graças a Deus vamos seguir em diante e queremos agradecer a vocês por ter nos ajudado, não foi fácil, foi muito difícil”.
Luana Oliveira, 39 anos, professora de geografia na Rede Pública Estadual, mestranda em sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e ativista do coletivo Periferia Segue Sangrando, da zona sul de São Paulo, que atuou junto à Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio neste caso chama a atenção para as dificuldades vividas pela família durante a prisão de Jefferson. “Até hoje que foi a data da saída dele, a mãe dele não tinha conseguido fazer a carteirinha para se comunicar com ele dentro do CDP, para fazer as visitas online”.
Segundo Luana, que esteve ao lado da família nos últimos meses, os impasses foram desde problemas psicológicos sofridos pela família, até dificuldades financeiras. “A família ficou totalmente desestruturada, a mãe perdeu peso, não conseguia dormir, os outros irmãos também ficaram bastante tristes, a prisão dele foi as vésperas do natal, então isso impactou ainda mais a família. Financeiramente também, eles estavam com um advogado particular, o que a gente nota é que a maior parte das famílias se endivida, pega empréstimos”.
Agora a família espera que ele seja absolvido e fique com a ficha limpa. “Ainda tem esse impacto, o jovem sai, o processo segue. Tentamos mandar um jumbo [alimentação] ao CDP, um deles entrou, conversamos todos os dias com a mãe e pedimos um psicólogo para a família se sentir acolhida, para que esse abandono do Estado não seja ainda mais violento. Vamos continuar acompanhando até que o caso tenha uma solução definitiva”, declara a professora e ativista.
O crime ocorreu por volta da 1h30 de 20 de dezembro de 2020 no Jardim Santo Antônio, em Itapecerica da Serra (Grande SP), na entrada da residência de uma das vítimas. Enquanto isso, Jefferson combinava por WhatsApp de ir a uma festa com um amigo, e outros amigos também iam a casa do motoboy para encontrá-lo e irem juntos ao evento.
Pouco tempo depois, o grupo de seis jovens teriam visto a moto roubada em local próximo à casa de Jefferson, quando presenciaram uma viatura chegando ao local. Logo, eles resolveram voltar para a casa de Jefferson, momento em que os policiais militares invadiram a casa de Jefferson e colocaram os adolescentes para fora, os deixando ajoelhados na rua por duas horas. Os policiais fotografaram as pessoas e ameaçaram um deles, segundo depoimento de amigos de Jefferson que estavam na abordagem.
Na delegacia as vítimas reconheceram os irmãos como autores do crime, mas antes já haviam os reconhecido quando foram junto aos policiais na casa de Jefferson, apesar de que, segundo as próprias vítimas, os assaltantes usavam capacete. Também foram ouvidas testemunhas, incluindo o chefe da pizzaria em que Jefferson trabalhava como motoboy.
Naquela madrugada, o policial militar levou Jefferson e seu irmão ao 47° DP (Capão Redondo), também na zona sul de SP. A família e a defesa alegaram que os policiais cujo os nomes estão no Boletim de Ocorrência não são os mesmos que estiveram na abordagem.
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A defesa e a família de Jefferson alegaram que o flagrante em questão é falso, uma vez que os jovens não participaram do roubo. Além disso, falaram que os policiais agiram por vingança pois três dias antes (17/12), dois policiais militares, um deles de nome Robson e outro de nome desconhecido, invadiram a casa de Jefferson sem mandado.
O policial militar estaria procurando um amigo de Jefferson que naquela noite “deu fuga” de moto em um policial, por estar sem documento da moto e capacete, além de ter apenas 14 anos. O PM também teria agredido outro amigo de Jefferson, que também estava na casa, segundo depoimento da família.
Vilma contou à Ponte que estava presente na hora da agressão, ela se revoltou com o ocorrido e confrontou o policial dizendo que iria denunciá-lo à Corregedoria. Quando o PM adotou outra postura e se desculpou, depois perguntou quais dos meninos ali eram filhos dela, sem nada a temer, a vigilante apontou quem eram seus filhos.
O defensor de Jefferson ressaltou em reportagem da Ponte publicada em março que o reconhecimento de Jefferson e seu irmão foi feito de forma ilegal. “A vítima reconheceu pelo capacete? Não dá para provar que eram eles, mas a palavra da vítima vale tudo no plano prático, esse tipo de reconhecimento não tem nulidade, o que torna o caso mais difícil. O fato de os PMs ocultarem quem de fato conduziu a ocorrência já mostra as incoerências do caso. A invasão foi totalmente ilegal porque não teve flagrante em delito. Ele invadiu o domicílio da vítima”.
Segundo o artigo 266 do Código de Processo Penal (CPP) que versa sobre o reconhecimento, as vítimas devem descrever primeiro o criminoso antes de fazer efetivamente o reconhecimento pessoal, e o suspeito deve ser apresentado para ser reconhecido junto com outras pessoas com características semelhantes, o que não foi feito no caso de Jefferson e de seu irmão.
Apesar da liberdade provisória, Jefferson ainda não foi inocentado, e aguarda uma nova manifestação do Ministério Público e da defesa, que têm o prazo de 15 dias.
[…] Apesar da liberdade provisória, Jefferson ainda não foi inocentado, e aguarda nova uma manifestação do Ministério Público e da defesa, que têm o prazo de 15 dias. Com informações da PonteJornalismo […]