Joel Luiz Costa: ‘o Judiciário tem que acabar, a polícia tem que acabar’

Em live da Ponte, advogado criminal do Jacarezinho falou sobra a violência policial no Rio: “eu quero que a estrutura do Estado mude para que o policial não se sinta mais livre, leve e solto para cometer ilegalidades”

Joel Luiz Costa é fundador e coordenador-executivo do Instituto de Defesa da População Negra (IDPN) | Foto: Reprodução/Instagram

Após mais uma chacina policial ser registrada no Rio de Janeiro neste ano, a expectativa e a pressão para que o STF (Supremo Tribunal Federal) mantenha a restrição a operações policiais nas favelas, ao julgar a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 635, conhecida como “ADPF das favelas”, aumentaram. Em novembro, ao menos oito pessoas morreram em uma operação policial na Comunidade do Salgueiro em São Gonçalo, região metropolitana do estado. Já em maio, na favela do Jacarezinho, zona norte da capital fluminense, a operação policial mais letal da cidade do Rio de Janeiro resultou na morte de 27 civis e um policial civil.

Cria de Jacarezinho, o advogado criminalista Joel Luiz Costa acompanha e vivenciou de perto a realidade de violações dos moradores e dos territórios periféricos. Ele foi o convidado da live Da Ponte pra Cá desta quinta-feira (2/12) para contar como as comunidades resistem à violência policial. A entrevista foi comandada pela repórter Beatriz Drague Ramos e está disponível na íntegra no Instagram da Ponte.

A sucessão de episódios violentos, a política de segurança pública e o descontrole das forças policiais foram alvos de inúmeros protestos ao longo do ano. No início da conversa, Joel chama atenção para o contexto em que o aumento desta violência acontece, em meio à pandemia de Covid-19 e contrariando uma determinação do STF, feita em junho de 2020, para que as operações policiais só ocorressem em casos de excepcionalidade. “A política de guerra às drogas no Brasil é ruim, a política de segurança pública é ruim e tem o adendo de que mesmo com o STF mandando ser diferente, não é”, critica.

Influenciado pelo pai, Joel conta que se envolveu com o direito a partir do momento em que passou a questionar o papel da justiça na realidade do país e a presença majoritária de homens brancos nestes espaços. Atualmente, ele é membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados Brasileiros do estado do Rio de Janeiro (OAB/RJ), coordenador do Nica Jacarezinho e fundador e coordenador do Instituto de Defesa da População Negra (IDPN).

“Na minha leitura, o Judiciário tem que acabar, a polícia tem que acabar. Não vai acabar amanhã e na semana que vem, mas não dá para dar apelido a quem tem nome. Os problemas que se tem no Judiciário são os mesmos que se tem em outros espaços no país e são irreformáveis”, defende. A percepção do estado permanente de guerra às drogas, segundo ele, permite a desumanização das pessoas e a visão de que há inimigos a ser combatidos.

Quilombo Jacarezinho

O advogado pontua que trabalha para defender as vítimas da violência do Estado, que é praticada por policiais, magistrados e promotores. Nesta trajetória, Joel escolheu continuar atuando dentro da comunidade em que nasceu e cresceu. “Antes a gente queria mudar da periferia, e eu sou da geração — ou do grupo, grande ou pequeno, não sei — que quer mudar a periferia. E mudar a periferia colocando o seu trabalho a disposição dos seus iguais”, explica.

Para ele, é preciso que cada vez mais pessoas das periferias sigam olhando para onde foram criados e abracem essa luta. “É cumprir a função social do direito, é criar uma ponte entre a favela e o asfalto, a favela e a Justiça”. O vínculo que criou com Jacarezinho vem da história do lugar, das suas raízes, da identificação com uma comunidade que é a segunda maior favela do Estado e que Joel chama de “Quilombo Jacarezinho”. O trágico dia 6 de maio de 2021, segundo ele, é mais um dos episódios marcantes que estão presentes na memória dele e dos moradores.

Naquele dia, um vídeo em que Joel denuncia a ação policial, bastante abalado com o que viu, viralizou nas redes sociais. “É o que a gente, infelizmente, vai contar para os próximos anos, mais uma atrocidade que o Estado fez. Isso não é segurança pública. Isso é projeto de controle de corpos, é genocídio, é eugenia, tortura, você pode dar vários nomes, menos segurança pública do Estado Democrático de Direito”, pontua.

Sistema punitivista

Diante de uma letalidade policial que bate recorde no país, Joel critica a conivência do Ministério Público, que está longe de cumprir seu papel constitucional de fazer o controle externo da atividade e por isso se torna cúmplice da violência. “Todo esse projeto de segregação, de encarceramento em massa, de genocídio em massa e exclusão precisa de atores com aquele verniz para legitimar”, afirma.

“Se a gente vive em um Estado que não é democrático, mas estamos dentro de uma democracia, você precisa de alguém viabilizando essa não-democracia implícita, viabilizando todas as atividades autoritárias, ilegais, ilegítimas e injustas desses atores do Estado e é o que o MP faz, o TJ faz, o STF faz, todo mundo faz”, aponta.

Para repensar esse sistema que criminaliza pessoas negras e periféricas, Joel defende o abolicionismo penal. “O direito por si só como instrumento de resolução de conflito não faz sentido. Aumento de pena para tentar evitar crimes é mera sanha vingativa”, afirma.

ADPF das favelas

Após adiamentos, o STF deve voltar a julgar, no próximo dia 15, um recurso apresentado pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro), ONGs e movimentos sociais que denuncia as operações e mortes ocorridas nas favelas e pede para que o Estado do Rio de Janeiro apresente um plano de redução da letalidade policial. As entidades propuseram a ADPF das favelas, que se tornou fundamental para tentar barrar ou reduzir a violência policial no Rio de Janeiro.

No fim da live, Joel diz que as medidas determinadas pelo ministro Edson Fachin e a audiência pública realizada em abril já são vitorias de uma construção coletiva que a ADPF representa. “É uma ação com êxito e que ainda não acabou. Temos objetivos muito grandes para serem alcançados dentro da ADPF 635 e esse apoio do tecido social é muito importante”.

O advogado defende mudanças mais profundas e estruturais que são urgentes e precisam ser debatidas com a população como um todo, para além das punições individuais. “É preciso entender quem são esses atores, de onde eles partem, de que classe social eles são e para quem eles estão servindo. Outro ponto é entender que o nosso debate não é da responsabilização pessoal. Não quero que o policial que apertou o gatilho seja preso, responsabilizado por toda a operação, as 28 mortes. O Joel que quer construir politicamente uma outra sociedade quer que a estrutura do Estado mude para que o policial não se sinta mais livre, leve e solto para cometer ilegalidades”, opina.

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