Jacarezinho: perícia aponta vítimas baleadas pelas costas, mortes sem confronto e cenas modificadas

Laudos mostram que, na ação mais letal da história do Rio, ao menos cinco dos 27 mortos foram atingidos por trás; na maioria das casas, não há sinais de que policiais tenham sido atacados; corpos e móveis foram arrastados, prejudicando a investigação

Operação policial no Jacarezinho deixou 28 pessoas mortas em 06 de maio | Foto: Reprodução/Joel Luiz Costa/Twitter

A Operação Exceptis, em 6 de maio de 2021, foi a mais letal ação policial na história da capital fluminense. Deixando 27 civis e um policial civil mortos. Imediatamente passou a ser chamada de Chacina (ou Massacre) do Jacarezinho. Agora, novos documentos permitem formar uma ideia mais nítida do que aconteceu naquele dia.

De acordo com laudos obtidos pela Ponte, um dos peritos que fez a avaliação identificou que não havia preservação dos espaços, prejudicando a coleta de vestígios. Em uma das casas, a perícia apontou que pelo menos uma pessoa ferida foi retirada do local, o que “pode ter modificado perfis de manchas de sangue encontrados no caminho” e que “essa ação pode ter deslocado e retirado componentes de munição da cena do crime”. Também havia “desalinho” entre os móveis, que foram arrastados, e não foi possível fazer análise sobre o posicionamento do estojo de munição encontrado, a fim de identificar possíveis posições da pessoa ferida e do atirador, por causa dessa falta de preservação.

“Desta forma, as ações acima citadas, embora possam ser justificáveis, prejudicaram os exames periciais não permitindo a identificação de outros elementos e a realização de exames mais detalhados”, escreveu a perita Ariana dos Santos.

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Em outro local, pela análise de manchas de sangue, a perita informa que pode ter ocorrido um “arraste” de vítima ferida desde a cozinha, passando pela sala e chegando à saída do apartamento e que não havia sinais de confronto. Por isso, não seria possível identificar quantas pessoas foram feridas no local. Na época da operação, imagens flagraram policiais carregando corpos sem nenhum tipo de preservação dos locais onde os tiros aconteceram. A corporação alegou que transportou as vítimas aos hospitais porque ainda estariam com vida. Presos na operação disseram ter sido obrigados a carregar corpos.

Tiros pelas costas

Laudos necroscópicos indicam que os 27 homens foram atingidos por pelo menos 73 tiros no total, sendo que um dos mortos, John Jefferson Mendes Rufino da Silva, 30, foi baleado na barriga a curta distância. Isso é evidenciado, segundo a perícia, por haver uma “zona de tatuagem dispersa, sugestiva de que o disparo tenha ocorrido entre 60cm e 70cm”. Ele também foi baleado no meio das costas e, na ocasião, estava dentro de uma casa com outros seis homens, todos negros.

A perícia também apontou que cinco vítimas foram alvejadas pelas costas: Isaac Pinheiro de Oliveira, 22, Rodrigo Paula de Barros, 31, Cleyton da Silva Freitas de Lima, 26, e Jonathan Araújo da Silva, 18, Wagner Luiz de Magalhães Fagundes, 38. Richard Gabriel da Silva Ferreira, 23, foi o mais atingido, com seis disparos, nas regiões do tórax, abdômen, braço e punho.

O Ministério Público Estadual criou uma força-tarefa para apurar denúncias de abuso policial e execuções, tentativas de homicídio a passageiros que estavam no metrô, a morte do policial civil e a alteração da cena do crime feita pela Polícia Civil no local. De acordo com o procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro Luciano Mattos, o prazo da investigação é de quatro meses, que podem ser estendidos.

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Na ocasião, a Polícia Civil declarou que operação Exceptis, que contou com policiais civis da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais), ocorreu dentro da legalidade, embora desde julho do ano passado o STF (Supremo Tribunal Federal) tenha proibido incursões policiais em comunidades durante a pandemia, salvo em situação excepcional, e que deve ser comunicada com antecedência ao Ministério Público Estadual. A corporação também tinha afirmado que a operação visava coibir aliciamento de menores ao tráfico de drogas, embora reportagens do UOL tenham revelado que em nenhum momento tanto a denúncia do MPE quanto o relatório de investigação mencionem esse tipo de crime.

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Além disso, o MPE só foi comunicado da operação três horas depois que a incursão já havia iniciado. A Polícia Civil declarou que a única execução que ocorreu foi a do policial civil André Farias, que foi baleado no início da operação.

A Ponte procurou a assessoria da Polícia Civil a respeito dos laudos, mas até a publicação, não obteve resposta. Já a Defensoria Pública, que acompanha as investigações, informou que não iria se manifestar até a conclusão da análise dos laudos.

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