Jornalista terá que pagar indenização e excluir tweet em que chama mulher trans de ‘cara’

Madeleine Lacsko, colunista “anti-identitária” do UOL, terá que pagar R$ 1.500 para a influenciadora digital Rebecca Gaia; decisão é passível de recurso

Madeleine Lascko teve fala contra influenciadora considerada transfóbica  | Foto: Instagram/ Reprodução 

A jornalista e colunista do UOL Madeleine Lacsko terá que pagar indenização de R$ 1.500 por danos morais e apagar um tweet em que chamou uma mulher trans de “cara”. A decisão foi proferida na terça-feira (30/5) pelos juízes da 4ª Turma Cível e Criminal de Itapecerica da Serra, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). O recurso julgado foi resposta a uma condenação que a influencer sofreu em dezembro do ano passado por apontar racismo e transfobia em falas de Madeleine feitas no Twitter. A decisão é passível de recurso. 

No recurso analisado na terça-feira (30), o juiz Filipe Mascarenhas Tavares, relator do pedido, entendeu que houve violação dos direitos de personalidade na forma como Madeleine se referiu à influenciadora Rebecca Gaia.

“Essa conduta por si só já é suficiente para concluir que houve grave violação dos direitos da personalidade da recorrente, resultando em sua humilhação perante os usuários das redes sociais”, escreveu o magistrado. Ele destacou ainda que as pessoas trans “são sujeitos de direitos, protegidos pelo princípio da dignidade da pessoa humana”. 

Mascarenhas Tavares rebateu a alegação da defesa da jornalista que em um primeiro momento alegou que “não há qualquer ilegalidade em dirigir-se à ele(a) com pronomes masculinos” enquanto a influenciadora não tiver feito a retificação do seu nome em cartório.

O magistrado contradisse a argumentação alegando que o próprio Poder Judiciário já reconheceu o direito de a pessoa transexual ser chamada no seu pronome correto, independentemente do registro. Ele também escreveu que Rebecca se apresenta nas redes sociais como mulher trans “de forma pública e destacada”. “Nada, absolutamente nada, indica que poderia haver alguma confusão com a identidade de gênero da recorrente”, acrescenta o juiz. 

Outro ponto destacado pelo magistrado é que não houve por parte da jornalista e de sua defesa respeito à identidade de gênero da influencer ao longo do processo inicial. Ele cita que em pelo menos duas ocasiões, foi usado “réu” para se referir à mulher trans. 

“E isso só reforça que de fato optou por chamar a recorrente de ‘cara’ em sentido masculino, sem qualquer ambiguidade, na publicação feita no Twitter discutida nestes autos”, completa. 

Antes de proferir sua decisão, Mascarenhas Tavares fez uma observação que já fora apontada em reportagem da Ponte. Ele se referiu ao fato de Madeleine ter processado apenas “pessoas que se identificam com pautas minoritárias” quando ela “foi criticada por inúmeras pessoas pela postagem dos ‘machos chiliquentos’”. 

“Com base nisso, e não pela intensidade das palavras contra si proferidas, parece ter escolhido quem seria processado e quem não seria”. 

Além do juiz Filipe Mascarenhas Tavares, o recurso foi analisado pelos magistrados Daniel D’emidio Martins e Daniele Machado Toledo. O primeiro foi contrário à anulação total da sentença proferida em primeira instância que condenou Rebecca Gaia a indenizar Madeleine em R$ 3 mil. 

Na análise de Martins, não houve provas de que Madeleine foi racista em sua fala no Twitter sobre o caso envolvendo o deputado federal Mário Frias (PL) e o historiador Jonas Manoel. O magistrado solicitou que Rebecca tivesse que pagar um valor de R$ 1.500 a jornalista. A visão dele foi corroborada pela juíza Daniele, que argumentou pela compensação entre as indenizações. 

Assim o valor final de indenização ficou em R$ 1.500 para ser pago por Madeleine para Rebecca. Também foi determinado que os tweets da jornalista e da influenciadora fossem removidos da plataforma. 

O advogado André Faria Gonçalves, que representa Rebecca, disse em nota que o resultado os agradou. “Até porque a autora defendia expressamente o direito de assim se dirigir a Rebecca, ou qualquer outra mulher trans, algo inadmissível na nossa sociedade”,. escreveu.

“Também merece destaque a constatação de ter a autora optado por processar apenas pessoas que se identificam com pautas minoritárias, reforçando o comportamento discriminatório”, acrescentou.

Gonçalves diz ainda que o caso pode auxiliar em outros processos envolvendo transfobia.”Como o próprio relator afirmou, não há muita jurisprudência sobre o tema e um voto aprofundado e bem fundamentado como foi, auxiliará muito a causa trans em casos como esses, que infelizmente são tão comuns”. 

Entenda o caso 

Em agosto de 2022, Madeleine Lacsko entrou com pedidos de indenização no Juizado Especial Cível contra seis pessoas (três negras, uma indígena, uma travesti e um homem branco) diante da discussão sobre um tweet racista do então secretário especial de Cultura Mário Frias. 

Frias respondeu a uma publicação feita pelo então assessor da Presciência da República Tércio Arnaud Thomaz que repostou uma reportagem do site Brasil 247 onde havia uma foto do historiador negro Jones Manoel com a declaração “Jones Manoel diz que já comprou fogos para eventual morte de Bolsonaro”. O historiador usava cabelo no estilo black power e barba. 

Mário Frias comentou a publicação dizendo “Realmente eu não sei. Mas se soubesse diria que ele precisa de um bom banho”. O tweet foi respondido pelo historiador e a repercussão do caso gerou diversas reações, inclusive de Madeleine que escreveu: “Macho chiliquento 1 dá chilique contra o macho chiliquento 2 do grupo oposto. Cada grupo toma partido do seu próprio macho chiliquento e aponta um defeito mortal no outro. Até aí, beleza. O direito à imbecilidade é de todos. Mas por que está virando notícia de jornal?”. 

 Tweet de Madeleine seguia publicado na manhã desta quarta-feira (31/5) | Foto: Twitter/reprodução 

O tweet, que ainda está disponível no perfil da jornalista, foi questionado por diversas contas, incluindo influenciadores. A ofensa contra Rebecca ocorreu depois de um questionamento feito pelo influenciador Levi Kaique a Madeleine. 

“Cara pessoa branca. Virou notícia importante de noticiar porque foi RACISMO vindo de um agente do GOVERNO. Mais alguma dúvida?”, escreveu. Na sequência, Rebecca escreveu com menção à jornalista: “vai responder o @levikaque ou nem?”.

Momento em que Madeleine respondeu a influenciadora. “Olá, cara! Já respondi. E também agradeci enormemente a solidariedade de vocês nos ataques misóginos e ameaças de morte a mim e ao meu filho nos últimos 5 anos”.

Em seguida, Rebecca apontou que foi bloqueada por Madeleine no Twitter e disse: “não contente em ser racista com o Levi, acabou de ser transfóbica comigo me chamando de cara”.

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Á época, o Juizado Especial Cível de Cotia, em São Paulo, condenou quatro pessoas, incluindo Rebecca, a pagar indenização de R$ 3 mil.

Outro lado

A defesa de Madeleine Lacsko, conduzida pelo advogado Bruno Andrade de Souza, disse que vai recorrer da decisão. “Não concordamos com a decisão proferida. Informamos que esta é passível de recurso e que deve-se aguardar o trâmite normal do processo”, disse a defesa em nota. 

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