Jones Manoel: ‘o rap me fez tentar uma ligação mais explícita entre a política e a cultura’

    Comunicador e ativista participou da série de lives Papo de Rap. “Nossa nova geração [do rap] é muito melhor que a nova geração gringa”, polemizou Jones.

    Hey boy! hey boy! Dá um tempo ai, cola ai!”. Os versos de “Hey Boy”, música dos Racionais MCs, não eram do agrado da mãe de Jones Manoel. “Ela dizia que era música de ladrão”. Escutava a tal música escondido e fez até um acordo com sua irmã mais velha: se ela o deixasse ouvir as músicas, ele faria as tarefas domésticas que estavam sob a responsabilidade dela. Foi assim o primeiro contato do pernambucano com o rap na periferia de Recife, misturando rap, forró e brega em sua formação musical. “Eu tive um processo de socialização e formação que foi tipicamente periférico aqui de Recife. E na periferia de Recife, nos anos 90 e começo dos anos 2000, a gente ouvia Racionais, forró, brega”.

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    Essa e outras histórias, o professor, comunicador e militante comunistas compartilhou durante o Papo de Rap, apresentado pelo editor da Ponte, Amauri Gonzo. Em quase uma hora e meia, Jones contou sua relação com a música e como o rap influenciou seu pensamento político. “Do ponto de vista mais afetivo, foram o rap e o hip hop que me fizeram tentar uma ligação mais explícita entre a política e a cultura”.

    E isso aconteceu quando tinha 18 anos. Durante seu primeiro trabalho com carteira assinada, passava todos os dias por uma rua onde ficam os colégios mais caros da capital pernambucana, bem policiada. As constantes abordagens da PM, enquanto os alunos brancos e ricos dos colégios passavam sem serem abordados, fizeram com que ele se lembrasse dos versos que ouvia e fizesse a conexão daquela situação com as críticas raciais nas letras dos raps. “Se antes as percepções eram muito mais imediatas, elas passaram a ser macro nessa época”, conta. Foi nesse momento, inclusive, em que ele foi apresentado ao marxismo.

    Para ele, os Racionais, sobretudo, fizeram questionar coisas que pareciam naturais como por que mães de jovens negros os instruem a sempre andar com RG e nunca fazer movimento bruscos para a polícia; por que negros têm medo da polícia ou por que crianças negras nunca são consideradas as mais bonitas da escola. “Os Racionais sempre me encantaram por que eles me faziam pensar e articular respostas”.

    Cena brasileira

    Ao longo dos anos, Jones expandiu os horizontes e passou a escutar sons regionais. “Do ponto de vista da cultura tradicional de Pernambuco, sempre fui muito afastado. Começou a se aproximar muito mais desses elementos em 2019 quando passou a estuda-los”. E com o rap local também não foi diferente. “Acho que a primeira vez que comecei a viajar num grupo [nordestino] de rap foi no primeiro, e único CD, do Clã Nordestino, A Peste Negra”. Outros artistas nordestinos que passaram pelos seus ouvidos foram Seu Pereira (única novidade que ouviu em 2020), Costa a Costa, Gira Vermelha, Rapadura. “Basicamente, o que ouço do Nordeste gira no eixo Recife-Salvador-São Luiz-Alagoas”.

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    Em termos de rap americano, é mais tradicional: Tupac Shakur, Notorious Big, Bone Thugs-n-Harmony, Eazy-E. “Eu sou muito chato. Da nova geração gringa, eu não gosto de ninguém”. Se diz mais aberto aos sons nacionais. “Nossa nova geração [do rap] é muito melhor que a nova geração gringa. Uma geração muito mais politizada, com muito mais conteúdo, a quantidade de merda que a galera fala é muito menor aqui do que nos EUA”.

    Jones e Amauri ainda conversaram sobre as críticas ao capitalismo nas letras de rap e também sobre os livros que Jones veem lançando. O último é Raça, classe e revolução: a luta pelo poder popular nos EUA”, organizado por ele e Gabriel Landi. A obra faz parte da Coleção Quebrando as Correntes da editora Autonomia Literária. “Tive a ideia de lançar um livro com material sobre os Panteras Negras quando a Beyonce lançou aquele CD Formation. Fiquei puto, indignado”, explica.

    Segundo Jones, Raça, classe e revolução vai para além de textos inéditos em português dos Panteras Negras, trazendo material de grupos como os Boinas Marrons (organização de mexicanos-estadunidenses pela autodeterminação dessa parcela da população), Young Lords (organização de porto-riquenhos- estadunidenses pelos direitos civis e pelos direitos humanos) e Poder Amarelo (organização de asiáticos-estadunidenses contra o racismo).

    Ao final do papo, ele falou dos projetos nos quais está trabalhando para o ano que vem. Pela Baioneta, Jones vai lançar o livro Batalha pela memória: reflexões sobre o socialismo e a revolução no século XX. Outra obra que deve ser lançada em 2021 é O que é racismo estrutural? Uma abordagem marxista, pela editora Autonomia Literária. Ainda há a proposta de lançar O que é comunismo?, pela editora Leonardo Da Vinci. O livro Pretos e vermelhos: o marxismo na periferia do sistema capitalista ainda não tem editora, mas também um projeto para o próximo ano. E, para o último trimestre de 2021, Jones deve lançar: Introdução brasileira: teses para a conquista do poder.

    Ouça abaixo a playlist do Papo de Rap Ep. 3

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