“Queriam me revistar. Foi humilhante”, diz Alan Braz, 24 anos, que foi impedido de sair da unidade atacadista em Mauá, Grande SP, até a polícia chegar
Depois de mais um dia de trabalho, o lojista Alan Braz, 24 anos, precisou passar no supermercado na noite de segunda-feira (6/7). Ele decidiu, então, ir no atacadista Assaí, na avenida Antônia Rosa Fioravanti, no Jardim Rosina, em Mauá, na Grande SP. Como a fila estava muito grande, o jovem mudou de ideia e foi embora. Mas foi impedido de sair do estacionamento do supermercado.
“Acabei de passar por uma situação totalmente humilhante e racista. Quando estava no estacionamento, eu vi dois seguranças vindo atrás de mim. Já olhei pensando ‘vão falar que eu roubei’. Mas foi pior: falaram que uma mulher me viu armado e eles simplesmente queriam me revistar. Eu não deixei, comecei a gritar para ninguém me tocar”, detalhou Alan em seu Instagram.
Alan é drag queen (personagens criadas por artistas performáticos) e acredita que o caso tenha ganhado tanta repercussão justamente pelo seu pseudônimo de Mary Onett. “Não tem como falar da minha luta sem falar da Mary, que me trouxe onde estou agora, me dando tanta potência”, disse em entrevista à Ponte.
“Minha vida está uma loucura, mas estou melhor, estou mais calmo. Estou recebendo muita ajuda. Estou abrindo processo também. Falta uma pessoa ser demitida, que é um funcionário terceirizado. O funcionário do Assaí foi demitido. Mas eu quero indenização e uma retratação”, contou.
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No relato postado no Instagram, Alan faz outra denúncia: “toda vez que eu vou no mercado eu sempre me preocupo para não colocar a mão no bolso ou na bolsa. Eu sempre me preocupo se eu estou vestido de um jeito para que as pessoas não me olhem desconfiadas. Essa é uma coisa que está comigo desde criança, que a gente passa diariamente nos shoppings, nas lojas e nos supermercados”.
Quando tentou falar com a gerência do estabelecimento, ouviu como resposta que deveria procurar o SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor). Por isso, conta Alan, decidiu gravar toda a ação e denunciar em suas redes sociais.
Após a repercussão do vídeo, a Rede Assaí publicou uma nota pública em suas redes sociais. “Tivemos conhecimento dos fatos narrados pelo cliente Alan na noite do dia 06 de julho, ocorridos no mesmo dia na loja de Mauá. Entramos em contato com o Alan para nos desculparmos pessoalmente pela situação que ele vivenciou na nossa loja e incluí-lo no processo de averiguação dos fatos”.
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Após rigorosa investigação interna, afirmou a rede de supermercados, que checou as informações das pessoas envolvidas e as imagens nas câmeras de segurança, “concluímos que o fato do nosso cliente ter saído pela porta de entrada do estabelecimento não justificava a sua abordagem no estacionamento por parte do nosso segurança, por estar em desacordo com o procedimento da empresa”.
“Nestes casos, o procedimento é simples orientação de sair pela porta de saída, se assim o cliente quiser. Dessa forma, decidimos pela imediata demissão do funcionário”, destaca a nota.
A empresa também afirma que não tolera nenhuma “atitude discriminatória ou desrespeitosa, o que está explícito em nosso Código de Ética e na Política de Diversidade e Direitos Humanos da companhia” e que qualquer denúncia contrária a essa orientação “é rigorosamente apurada e, se comprovada a veracidade, tomamos imediatamente as providências necessárias”.
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A Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, que acompanha o caso, lançou uma nota de repúdio na tarde desta quinta-feira (9/7). A nota é assinada por mais de 70 instituições e grupos da sociedade civil.
“Fica explícita a motivação racista de tal constrangimento contra Alan, pois não foi comprovado o fato de estar portando arma. Essa discriminação é expressão do racismo estrutural da sociedade, esse ato de extrema violência contra uma jovem negra, que só queria consumir, após uma jornada de trabalho, é motivo de repúdio e revolta”, aponta a nota.
Vidas negras importam
Na noite da última quinta-feira, a Rede organizou um ato na porta do Assaí onde Alan sofreu a ação racista. Intitulado de “Mauá contra o racismo”, o ato reuniu cerca de 100 pessoas dos movimentos negros e LGBT+ na porta do supermercado.
O ato durou cerca de 2h e, além das palavras de apoio a Alan, teve gritos de “vidas negras importam” e “o racismo deve acabar”. Em determinado momento, o supermercado fechou as portas e desligou as luzes. A Polícia Militar esteve no local, mas o ato seguiu pacificamente.