Jovem negro baleado pela PM em Santos (SP) estava buscando sobrinhos na escola, diz irmã

Morador de 24 anos da comunidade Última Ponte deu entrada em hospital com tiro nas costas nesta segunda (28)

PMs cercam jovem baleado em Santos na tarde desta segunda-feira (28/8) | Foto: Reprodução

“Ele não foi baleado, ele foi forjado”, gritava a população ao se despedir das viaturas do Batalhão de Ações Especiais (Baep) da PM de Ribeirão Preto que deixavam a comunidade Última Ponte, zona noroeste de Santos, no litoral paulista, no final da tarde de segunda-feira (28/8). Por volta das quatro horas da tarde, um morador negro de 24 anos foi baleado minutos antes de sair para buscar os sobrinhos em escola da região.

“Tínhamos parado para fumar na rua e, como ia começar a chover, meu marido foi buscar um guarda-chuva. Nisso ouvimos gritos e era ele que tinha sido baleado pelos policiais”, conta a esposa do jovem, que preferiu não se identificar. 

No boletim de ocorrência assinado pelo delegado João Octavio de A.R. de Mello, no 5º DP de Santos, o PM Eduardo Bressan de Andrade relata que sua equipe, do  11° Baep de Ribeirão Preto, avistou “um indivíduo correndo , segurando uma arma de fogo, apontando para a outra equipe do Comandante do Pelotão”. Ainda no BO, Andrade alega que efetuou dois disparos enquanto o morador ainda estava em movimento, um dos tiros atingiu o jovem nas costas e saiu pela axila esquerda. Segundo relata o PM, encontraram com o jovem ferido “uma pistola Taurus 765” de numeração suprimida, que não teria disparado.

O PM ainda conta no BO que, na mesma rua, a 30 metros de distância de onde o jovem ferido, teria encontrado um barraco vazio, em que teria “diversos apetrechos”, entre eles “diversos apetrechos p/ embalagem de entorpecentes ( centenas de microtubos plásticos vazios, 20 frascos plásticos vazios , 01 munição intacta calibre 38, 02 rolos de filme PVC, 01 rolo plástico p/ embalagem, 02 frascos de óleo , 09 cadernetas c/ anotações, 01 mochila camuflada vazia”. Mesmo baleado, o jovem foi preso em flagrante acusado de tráfico de drogas, porte de arma e tentativa de homicídio.

No entanto, não há barracões no local. A trinta metros de onde o morador foi disparado, há uma casa de alvenaria. “Ali é comércio, não tem como traficante guardar drogas, é rua de família, todo mundo se conhece. A gente sabe que essas coisas ficam muito escondidas e não perto de casa de familia”, aponta a irmã do morador. 

Vídeos que circulam entre os moradores registram o momento em que o jovem é atendido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) 45 minutos após ter sido baleado, sob vigília da população, que precisou acionar a ambulância.

O jovem foi levado para a Santa Casa Misericórdia de Santos na mesma tarde, mas a familia só conseguiu ter acesso ao boletim médico na manhã desta terça-feira (29/8).  Segundo o médico, o jovem está entubado, em condições estáveis.

Nos vídeos que circulam nas redes, também é possível ver a população da comunidade revoltada e oferecendo apoio para a mãe, esposa e irmãs da vítima.

“Todo mundo conhece a nossa mãe, porque nossos pais são pessoas queridas na comunidade, sempre estão participando de ações sociais e brigando por todo mundo”, relata uma das irmãs. Ela conta que o irmão vive de bicos e é ajudante de obras. Ele não tem passagem pela polícia e estava esperando uma convocação da Prefeitura de Santos para trabalhar de forma temporária em uma das obras da cidade.

A esposa do morador baleado conta que, há alguns meses, o marido teria sido abordado pela policia, sendo ferido na ocasião com diversos arranhões. Ao defendê-lo, ela, uma mulher branca, também foi ofendida: “Eles viraram pra mim e falaram que não era para eu me meter. Me chamaram de vagabunda e jogaram o celular dele no canal”, ela denuncia.

Durante audiência de custódia realizada nesta terça-feira (29/8) no Palácio da Justiça de Santos, o juiz Renato de Almeida Mascarenhas decidiu transformar a prisão em flagrante do jovem em prisão preventiva (sem prazo definido), baseado no fato de que o morador baleado estaria portando a pistola: “eventual concessão de liberdade ao indiciado significaria risco à ordem pública, na medida em que há a possibilidade de que volte a praticar condutas criminosas com igual ou maior gravidade”, alegou o magistrado.

Apesar disso, o juiz da Vara de Plantão de Santos aponta que “quanto aos delitos de tráfico de drogas e homicídio tentado, não existem elementos nos autos, até o momento, para afirmar a presença de prova da materialidade e indícios de autoria”.

Na mesma tarde em que o morador da Vila Telma foi baleado, um jovem de quinze anos foi a 23ª vítima fatal da Operação, na comunidade de Canta Galo, no Guarujá. O jovem foi baleado em um suposto confronto com a polícia, segundo a Secretaria de Segurança Pública, mas ainda não há informações que confirmam o confronto até o momento. 

Fórum de Segurança Pública

Enquanto isso, um mês depois do seu início na Baixada Santista, a Operação Escudo foi aclamada pela mídia local no Fórum de Segurança Pública, organizado pela TV Tribuna. O evento recebeu representantes das cidades de Praia Grande, Santos e Guarujá, que apoiaram a Operação. 

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Questionado a respeito do medo da população sobre as abordagens policiais, o chefe de assessoria militar da Secretaria, Pedro Luis de Souza Lopes, afirmou, em tom de ironia, que “na internet temos manuais que explicam os direitos dos moradores no momento da abordagem. Até acho que precisamos ter mais comunicação pra população, mas eu estou mais preocupado em ser um policial melhor”.

Outro lado

A Ponte entrou em contato com a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) questionando sobre a validade do flagrante, se os PMs utilizavam câmeras corporais e solicitando entrevistas com o PM Eduardo Bressan de Andrade e o delegado João Octavio de A.R. de Mello. Por e-mail, a assessoria terceirizada Fator F respondeu com a seguinte nota:

Um homem de 24 anos foi preso em flagrante por tentativa de homicídio contra policiais militares na tarde desta segunda-feira (28), na rua Caminho São Sebastião, no bairro Rádio Clube, em Santos. Os policiais faziam patrulhamento pela Operação Escudo quando o suspeito foi flagrado apontando uma arma de fogo para uma equipe. Um PM interveio e o infrator foi ferido. Com ele foi apreendido uma pistola 765 e um rádio comunicador. O homem foi levado à Santa Casa, onde ficou internado, sob escolta da PM. Foi solicitada perícia ao local e às armas envolvidas na ação. O caso foi registrado como homicídio tentado, posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito e drogas sem autorização ou em desacordo na Central de Polícia Judiciária (CPJ) de Santos.

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