Postagens em redes sociais de Ronaldo Roth, do TJM, com o advogado José Miguel da Silva Junior motivaram abertura de inquérito; magistrado inocentou soldado representado pelo defensor por estupro contra uma jovem de 19 anos na Baixada Santista (SP) e Ministério Público vê indícios de favorecimento
O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou, nesta quinta-feira (9/9), a instauração de procedimento investigatório contra o juiz do Tribunal de Justiça Militar Ronaldo João Roth por suposto favorecimento ao advogado José Miguel da Silva Junior.
Em junho deste ano, conforme revelado pelo G1, o magistrado absolveu os soldados Danilo de Freitas Silva e Anderson Silva da Conceição da acusação de estupro de uma jovem de 19 anos que relatou ter sido obrigada a fazer sexo dentro da viatura quando pediu uma carona em Praia Grande, litoral paulista, em 2019.
Danilo foi condenado por “libidinagem ou pederastia em ambiente militar”, crime previsto no artigo 253 do Código Penal Militar, cuja pena é de detenção de seis meses a um ano. Porém, ainda segundo o G1 na época, o soldado não foi preso porque Roth suspendeu o cumprimento da pena, que é em regime aberto.
Já Anderson, que é representado por José Miguel e outros dois advogados, que estava na direção do veículo, foi absolvido porque o magistrado entendeu que a relação sexual foi consentida. O processo está em segredo de justiça e, em julho, as defensoras públicas que assistem à vítima entraram com um recurso solicitando que o TJM anule a sentença.
Uma denúncia feita à Ouvidoria do Ministério Público Estadual no mesmo mês da absolvição pedia que fosse apurado possível crime de prevaricação e o relacionamento de Roth com o advogado, já que os dois apareciam em diversas fotos juntos em redes sociais em tom de informalidade, como amigos, e também têm relação profissional por atuarem na mesma instituição de ensino.
O magistrado coordena um curso de pós-graduação na Escola Paulista de Direito no qual um dos docentes é José Miguel. A relação entre ambos também foi apontada em reportagem do G1, na época da decisão do caso de estupro.
Essa denúncia foi encaminhada à Promotoria de Justiça Militar, à Corregedoria do Tribunal de Justiça Militar e à Procuradoria-Geral de Justiça – sendo que esta última solicitou ao Órgão Especial do TJ-SP para investigar o caso.
O procurador Mario Antonio de Campos Tebet, do Ministério Público Estadual, propôs a instauração do procedimento investigatório com base nesse denúncia e também ao rechecar as publicações e autenticidade dos perfis.
“Nas redes sociais de Jose Miguel, não se identificou nenhuma publicação indicativa de proximidade pessoal nos últimos dois anos com nenhum outro Magistrado, de nenhuma seara (Justiça Comum ou Justiça Militar), que não seja o Dr. RONALDO ROTH”, escreveu o procurador. “Observa-se do perfil do advogado que ele gravou vídeos comentando a absolvição dos policiais mencionada na representação anônima encaminhada ao Ministério Público e comentando a repercussão na mídia da proximidade entre ambos. Verifica-se, também, que o Dr RONALDO ROTH interage com as publicações do advogado, inclusive com aplausos em publicação de notícia de absolvição em caso de atuação do referido advogado.”
O artigo 254 do Código de Processo Penal e o artigo 38 do Código de Processo Penal Militar preveem que um juiz pode ser impedido de julgar um caso por suspeição, ou seja, se ele tiver algum tipo de relacionamento ou proximidade com as partes do processo, o que pode contaminar sua imparcialidade. O próprio magistrado pode se declarar suspeito no curso do processo para que outro passe a atuar.
Campos Tebet argumenta que, em caso de comprovada a suspeição não declarada por Roth, “não se pode descartar reflexos criminais desta atuação”.
Ele solicitou ao Órgão Especial do TJ-SP que fosse determinada as remessas de cópia dos autos do processo sobre o caso de estupro e dos procedimentos abertos pela Corregedoria do Tribunal de Justiça Militar, que foram acatadas pelo desembargador e relator Claudio Godoy.
O que diz o TJM
A Ponte procurou a assessoria do Tribunal de Justiça Militar, solicitou entrevista com o magistrado e questionou a respeito do andamento da apuração na Corregedoria do órgão e sobre o processo de Praia Grande.
A assessoria informou que “o juiz não pode se manifestar publicamente sobre casos julgados por ele e a Corte também não se manifesta em casos em andamento. Este caso está em segredo de Justiça”. Sobre o procedimento de suspeição, o TJM disse que não iria se manifestar.
A reportagem também procurou a Defensoria Pública a respeito do recurso no TJM. A assessoria informou que a apelação ainda não foi julgada.
O que diz o advogado
Procuramos os contatos do escritório Miguel Silva Advogados, por e-mail e telefone, e do registro de José Miguel no site da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
À Ponte*, o advogado disse que entende que não há suspeição no caso. “Nem o Código de Processo Penal Militar nem o Código de Processo Penal comum não diz que há suspeição quando existe amizade ou inimizade entre advogado, o causídico, diz que há entre as partes e o juízo”, afirma.
José Miguel também justifica que Roth “tem amizade com todos os advogados”, além de outros promotores e juízes. “Se tratam por amigos não quer dizer que [isso] o coloque em suspeição”, enfatiza. Ele diz que não tem foto apenas com o magistrado, como a Procuradoria-Geral de Justiça apontou na representação para instaurar o procedimento investigatório. “Eu tenho foto com outros juízes, sou amigo de diversos juízes, de diversos procuradores, de diversos promotores, de diversos delegados, eu tenho diversas amizades e, se for assim, então eu não vou mais advogar”, contesta.
“Os meus clientes também tem diversas condenações na 1ª Auditoria [onde Roth atua], inclusive condenações com pedido do Ministério Público de absolvição e o doutor Roth condenou, o colegiado condenou, não nesse caso [do estupro] que a vítima era civil”, defende.
O defensor também justifica que não representou diretamente Anderson, tendo sido seu sócio Felipe Molina, que, segundo ele, já teria tido “inimizade” com o magistrado. “Se tivesse a condenação, seria suspeição também?”, questiona. E destaca que o Ministério Público pediu a absolvição dos réus no caso de Praia Grande. “Eu estou tranquilo com essa situação, não vislumbro suspeição e não cometi qualquer irregularidade”. Disse que os autos do processo sobre o procedimento investigatório estão circulando em grupos nas redes sociais com fotos do filho dele que foram postadas no seu próprio perfil e que sofreu ataques.
O que diz a polícia
A reportagem também procurou as assessorias da Secretaria de Segurança Pública e da Polícia Militar a respeito da atual situação dos soldados, se há investigação interna e se eles retornaram às atividades nas ruas, e aguarda retorno.
*Reportagem atualizada às 18h40, de 10/9/2021, após o advogado responder ao contato da Ponte.