Júri condena ex-PMs por matar assaltante e vítima em 2004

    Ex-policiais foram condenados a 37 anos e 4 meses de prisão depois de executar ladrão e matar vítima confundida com assaltante. Eles vão recorrer em liberdade

    Os ex-policiais militares Nilton Silvano e Luis Henrique de Brito Domingos foram condenados na noite desta quinta-feira, 14/8, a 37 anos e 4 meses de reclusão por terem participado da execução de um assaltante e da própria vítima do roubo ao confundi-la com o ladrão, em 2004, na região de Sapopemba (zona leste de SP). Apesar da pena elevada, os dois poderão recorrer em liberdade.

    No fim da madrugada de 13 de setembro de 2004, o estudante de direito Nélio Nakamura Brandão e a mulher tiveram o carro roubado por Alexandre Roberto Azevedo Seabra da Cruz e um comparsa quando se preparavam para sair de casa para o trabalho. Desesperado por imaginar que a filha estivesse dentro do veículo, Brandão pegou um revólver calibre 32 e saiu de moto atrás dos ladrões. Policiais militares foram avisados do crime e, segundo a acusação, mataram Brandão ao confundi-lo com os assaltantes. Cruz também foi executado. Ambos receberam três tiros.

    O caso chegou a ser arquivado pelo Ministério Público Estadual em 2005 e só foi reaberto após denúncia à Organização dos Estados Americanos (OEA). Um tenente que participou da ação mudou a versão apresentada inicialmente, de que houve troca de tiros com o ladrão e que Brandão já estava morto quando foi encontrado. Ele incriminou os colegas, acabou expulso da corporação, tornou-se réu no processo, mas foi absolvido pelos jurados a pedido do Ministério Público Estadual em fevereiro deste ano (por legítima defesa e falta de provas). Silvano e Domingos foram expulsos da PM por processo interno referente à ocorrência de 2004. Além deles, outros dois policiais militares ainda serão julgados pelo caso.

    Elizabete Nakamura (centro) comemora com amigas a condenação de PMs acusados de matar o filho dela/Foto: William Cardoso
    Elizabete Nakamura (centro) comemora com amigas a condenação de PMs acusados de matar o filho dela/Foto: William Cardoso
    Júri

    Após a condenação desta quinta-feira, a juíza Rejane Rodrigues Lage aplicou pena de 18 anos e 8 meses a Silvano e Domingos por entender que houve alteração da cena do crime, violação do dever (eram policiais militares e deveriam prender o assaltante e proteger Brandão) e porque mataram o estudante mesmo ele alegando que era a vítima. Também contribuiu para o aumento do tempo de condenação o fato de os jurados terem entendido que houve emprego de recurso que dificultou a defesa das vítimas. A juíza dobrou a pena final por serem dois homicídios atribuídos a cada um, chegando aos 37 anos e 4 meses. A sentença foi proferida às 22h45.

    O corpo de jurados foi formado por seis homens e uma mulher. Eram engenheiros, advogados, profissionais liberais e uma diretora de escola. Eles acompanharam um debate em que a defesa tentou desqualificar a denúncia do tenente contra os ex-colegas e a acusação criticou a trágica intervenção policial.

    “Não é possível que o seu dinheiro seja usado para se fazer limpeza social, para matar o que é apontado como facínora da sociedade”, disse o promotor Fernando Cesar Bolque. “Dessa tragédia, dessa porcaria de atuação policial, resultaram duas mortes, a de um bandido e a do marido dela e do filho dela”, completou, apontando para a viúva e a mãe de Brandão, que acompanharam tudo da plateia. “É sabido e concebido que em todo quartel é necessário dar dois tiros, um de advertência e outro no peito, não exatamente nessa ordem”, falou.

    O representante do Ministério Público Estadual ficou satisfeito com a decisão. “Já esperava a condenação, por tudo o que foi falado no plenário. As provas eram evidentes. O julgamento foi conforme nós pedimos e acredito que a pena foi extremamente bem aplicada e deve ser mantida.” A defesa entrou com recurso. “Considero o resultado incoerente. Em face do primeiro julgamento (do tenente), houve nulidade desse, que não poderia ter ocorrido”, disse a advogada Ieda Ribeiro de Souza, defensora de Silvano.

    Durante todo o júri, os defensores alegaram que o tenente acusou os demais policiais para tentar se livrar das responsabilidades no caso. “O tenente quis se safar e fritou os soldadinhos”, disse Ieda, que pediu aos jurados para terem a capacidade de se colocar no lugar dos réus. O advogado de Domingos, Paulo José Domingues, assessorado por Enéias Rodrigues de Castro, questionou a lógica de condenar os dois soldados por crimes que aconteceram em locais diferentes (separados por cerca de 100 metros). Em todo caso, ambos os defensores alegaram a inocência de seus clientes.

    Comemoração

    Ansiosa pela sentença da juíza, a viúva do estudante, Heládia Brandão, comemorou a condenação dos réus. “A Justiça foi feita mediante muita luta e muita dor. É uma vitória, uma única alegria da família, diante de tantas outras que o Nélio deu e daria”, disse.

    “Só quem perde sabe o que é essa dor e esse vazio”, diz mãe de estudante assassinado

    A mãe do estudante, Elizabete Nakamura, também se comoveu com o resultado do júri, embora os ex-PMs tenham saído pela mesma porta que a família das vítimas. “A gente tem que dar voz, dizer que nesse Brasil também existe Justiça, apesar de ter procurado a Fundação Interamericana, fora, para atender ao meu apelo”, diz. “Só quem perde sabe o que é essa dor e esse vazio”, completa.

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