Testemunha disse que PM prometeu uma cesta básica se ela mentisse; advogado do policial nega: “o lugar é periférico, essa senhora deve ter sido orientada”
O policial militar Jefferson Silva de Oliveira foi condenado nesta terça-feira (24) a seis anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, e à perda do cargo de policial por causa da morte de Patrick Viana, 18 anos. O caso aconteceu em fevereiro deste ano, na zona norte de São Paulo, durante perseguição a um carro roubado.
A denúncia, apresentada pelo promotor de justiça André Luiz Bogado, relata que Oliveira e mais dois policiais realizavam o patrulhamento de rotina da região do bairro do Jaraguá quando se depararam com um Cerato que havia sido roubado na véspera. Durante a perseguição, o veículo bateu em uma árvore e os três ocupantes saíram em fuga. Enquanto Patrick pulava um muro, na tentativa de escapar do policial, Oliveira efetuou várias disparos atingindo-o nas costas e na cabeça. A morte foi registrada como homicídio decorrente de intervenção policial.
O PM também pulou o muro na tentativa de localizar Patrick e perguntou a uma moradora onde ele havia se escondido. De acordo com a denúncia “depois de ouvir seus gemidos, novos disparos foram efetuados”.
A abordagem foi registrada por uma câmera de monitoramento de um condomínio do outro lado da rua. E foi através dessas imagens, analisadas quadro a quadro, que a versão de legítima defesa do policial foi contestada pela Corregedoria da Polícia Militar e pelo Ministério Público.
Intimidação e cesta básica
A moradora da casa testemunhou afirmando que escutou os disparos e viu um homem armado em seu quintal sendo perseguido por um policial, que, após alvejá-lo, teria pego a arma do suspeito. No entanto, quinze dias depois, em um novo depoimento, a testemunha afirmou que o suspeito não estava portando arma e que “um policial alto e careca” havia dito à depoente o que deveria falar na delegacia, com a promessa de lhe entregar uma cesta básica: “me ajuda que eu te ajudo”.
No novo depoimento, a testemunho afirma ainda que um policial à paisana, que estava presente no dia da morte de Patrick, esteve em sua casa e reforçou o pedido de Jefferson, dizendo: “você fala o que o meu parceiro mandou você falar, que você viu o bandido atirando em cima do policial”.
Advogado de defesa do policial, Nilton de Souza Vivan Nunes nega as afirmações da testemunha sobre a suposta promessa de uma cesta básica em troca de mentiras no depoimento. “Isso é mentira. Não houve nada disso. Isso é uma invenção. O lugar é periférico, então provavelmente essa senhora deve ter sido orientada a dizer isso para tentar prejudicar o policial. Tanto é verdade que nem o Ministério Público acreditou nisso, porque não foi colocada na denúncia essa situação, um caso desse seria crime e não foi imputado isso ao Jefferson, só foi imputado a ele o homicídio do Patrick”, disse Nunes.
Sentença
A promotora de justiça do Ministério Público Cláudia Ferreira Mac Dowell destacou que é pouco comum jurados condenarem policiais, mesmo com provas contundentes contra os réus. “Quem trabalha nessa área sabe muito bem que existe uma condescendência generalizada na sociedade com a violência policial. Uma ideia de que, se a vítima era criminosa, ela tem menos dignidade e menos razão pra condenar quem a matou, e por isso o júri absolve”, diz.
Dessa vez foi diferente. O veredito dos jurados rendeu uma pena de seis anos de reclusão, em um regime inicial semiaberto, sem o direito de recorrer em liberdade, aplicada pela juíza Flavia Castellar Oliverio.
“O que está havendo é uma mudança de atitude da população que começou a enxergar que essa não é a polícia que a gente quer”, afirma Mac Dowell. Segundo a promotora, as imagens foram essenciais para provar que não houve legítima defesa no caso de Patrick.
A promotora destaca que outra conquista importante no caso foi a perda de cargo público do réu. O artigo 92 do Código Penal prevê que funcionários públicos que receberem penas superiores a quatro anos devem perder o cargo, mas o efeito não é automático se não for mencionado na sentença, como foi o caso de Oliveira. “A decisão foi importante, além de tudo, porque a plateia estava tomada por militares, sem farda, em horário de folga, que compareceram para prestar apoio ao réu”, afirma a promotora.
O advogado do PM disse não concordar com a decisão da justiça e afirma que vai apresentar razões para mudar o júri. “Ele (Jefferson) estava em serviço trabalhando em prol da sociedade. Os indivíduos roubaram veículo de uma vítima, eles tinham usado a arma contra vítima, machucado a vítima e ela foi até a plenária reconhecer tanto o marginal quanto a arma do crime que foi usada. Para mim, a decisão do conselho de sentença, apesar de ter sido 4 a 3, ela foi contrária às provas dos autos”, finaliza Nunes.
Procurada, a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública do governo Geraldo Alckmin (PSDB) não se manifestou.