PM que matou jovem por causa de R$ 5 é condenado a 13 anos de prisão

Soldado Guilherme Garcia foi acusado de homicídio qualificado contra estudante Iago Gomes, em janeiro; familiares e amigos protestaram em frente ao Fórum antes do julgamento nesta segunda-feira (25)

O mecânico Pedro Gomes e a professora Jocelma Cunha, pais de Iago, protestaram em frente ao Fórum Criminal da Barra Funda antes do julgamento nesta segunda-feira (25/10) | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

O Tribunal de Justiça de São Paulo condenou, nesta segunda-feira (25/10), o policial militar Guilherme Cardoso Garcia, 25, a 13 anos e seis meses de prisão em regime fechado pela morte do estudante Iago Gomes, 23, em janeiro deste ano. O soldado, que estava de folga, teria iniciado uma discussão porque Iago não teria pagado uma taxa de R$ 5 para entrar em uma tabacaria na zona leste da capital.

Garcia foi acusado por homicídio qualificado por motivo torpe (desprezível). O juiz Leonardo Valente Barreiros, da 4ª Vara do Júri do Fórum Criminal da Barra Funda, aumentou em um oitavo a pena por se tratar de um crime cometido por agente público. “A vítima, de passado incólume, foi morta por disparos de arma de fogo pertencente à Polícia Militar do Estado de São Paulo, com munição custeada pelo erário público, através de impostos arduamente recolhidos pela população paulista. Vale dizer que a vítima foi morta por instrumento do Estado que deveria servir para protegê-la, e não vulnerá-la, como infelizmente aconteceu”, escreveu o magistrado.

Ele ainda manteve e prisão preventiva (por tempo indeterminado), não permitindo que o PM recorra em liberdade, e argumentou que mesmo Garcia não estando em serviço “atingiu a credibilidade de importante instituição de segurança pública, ferindo a confiabilidade depositada pelo cidadão nos policiais militares”.

Desde cedo, familiares e amigos do estudante estiveram em frente ao fórum protestando e pedindo justiça. Devido à pandemia, o tribunal não autoriza desde o ano passado que o público externo e a imprensa acompanhem o julgamento dentro da sala de audiências. O mecânico Pedro Gomes, pai de Iago, soube do resultado do júri pela reportagem. “Obrigado meu Deus, justiça sendo feita”, disse. “Nos sentimos aliviados e com o papel de dever cumprido, sabemos que esta dor é eterna e nada vai substituir o nosso filho Iago, mas ficaremos com a certeza que tiramos da rua um por algum tempo um elemento que pode causar dores como causou na nossa família”.

À Ponte, o advogado da família que atuou como assistente de acusação do Ministério Público Estadual Anderson da Silva Menezes também comemorou o veredito, mas disse que irá recorrer para que seja considerado como agravante o crime ter acontecido em situação de calamidade pública (pandemia). “Ficamos muito satisfeitos com a condenação, pelos jurados, nos termos da pronúncia, ressalvada a agravante da ocasião de calamidade pública, que o juiz presidente do Tribunal do Júri não acolheu”, declarou.

Relembre o caso

Embora o PM tenha matado o jovem quando buscava defender os interesses da tabacaria, o proprietário da Smoke Like, Rérisson de Morais Braz, negou, em depoimento à Polícia Civil, que o soldado estivesse atuando como segurança do estabelecimento na noite do crime. Rérisson, contudo, admitiu que já havia contratado Guilherme como segurança do local “por quatro ou cinco vezes” — a prática de policiais atuarem como seguranças privados é ilegal. Após o crime, o PM foi preso. Ele permanece no Presídio Militar Romão Gomes.

De acordo com os depoimentos dados por dois amigos da vítima, de 22 e 23 anos, à Polícia Civil e durante a audiência, eles e Iago foram à tabacaria, localizada na Rua Paranaguá, por volta das 22h, esperar um outro colega. Foi quando um homem, que imaginaram ser segurança do local, questionou: “Vocês vão ficar? A taxa é R$ 5!”. O homem era o PM Guilherme.

Iago respondeu ao policial que estavam apenas procurando um amigo, que eram clientes antigos e não ficariam no estabelecimento. Quando estavam saindo do local, o soldado gritou “Você me chamou de cuzão?”, em direção a Iago, que teria negado. Começou uma discussão entre os dois e, segundo as testemunhas, Guilherme empurrou o estudante, sacou uma arma e deu três tiros contra ele, que caiu no chão.

Os amigos tentaram socorrer Iago, mas Guilherme não deixou e apontou a arma para que eles se afastassem. Uma frequentadora que estava no local se identificou como enfermeira e começou a prestar os primeiros socorros até a chegada da equipe médica do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), mas o estudante morreu no chão. Ele foi atingido por dois tiros no abdômen e um na virilha, de acordo com o laudo necroscópico. A Ponte obteve o vídeo que flagrou o momento da discussão e do disparo.

O proprietário da tabacaria, Rérisson de Morais Braz, confirmou que conhecia Iago há dois meses e que o policial questionou os três amigos a respeito da taxa de R$ 5. Guilherme havia se aproximado deles para que deixassem o espaço, momento em que os jovens teriam “aumentado a voz”, sem proferir xingamentos, e que saíram do local. Já do lado de fora, começaram a discutir e Iago, segundo Rérisson, teria ofendido Guilherme, que deu um empurrão e sacou a arma. Logo em seguida, Iago teria “avançado” contra Guilherme, que efetuou dois disparos.

Já o policial militar alegou que encontrou dois amigos na tabacaria e que notou a chegada dos três rapazes, sendo que um deles estaria “aparentemente embriagado”, já que estariam falando alto e passaram a discutir com o dono do estabelecimento. Guilherme disse que “entendeu” que o trio queria permanecer no local, mas que haviam se recusado a pagar a taxa de R$ 5, e que tentou “apaziguar” a situação. Ele afirma que Iago passou a “cismar” com ele e a xingá-lo. Em seguida, identificou-se como policial militar, dizendo que estava armado, mas Iago o teria chamado de “cuzão” e “filho da puta”, encostando “o dedo indicador no peito” do PM.

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Na versão do PM, ele diz que esticou a mão para que o estudante se afastasse, mas que Iago teria dado um tapa na sua mão e avançado contra a sua cintura para desarmá-lo. Só nesse momento, segundo o policial, é que ele deu dois disparos “com a intenção de acertar a parte inferior do seu corpo”. Mesmo baleado, Iago teria tentado desarmá-lo e por isso o soldado deu um terceiro disparo.

Em audiência, a defesa do policial ainda arrolou duas testemunhas que trabalham na tabacaria, sendo uma delas filha de um dos amigos de Guilherme, que também afirmaram que Iago teria xingado e “partido para cima”.

O que diz a polícia

A Ponte solicitou posicionamento das assessorias da Secretaria da Segurança Pública e da Polícia Militar e aguarda uma resposta.

A reportagem não conseguiu contato com o defensor do PM Guilherme Garcia, o advogado Celso Vendramini.

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