O segundo de três júris que julgam atuação de 30 policiais em ataque que deixou 11 mortos em 2015 na periferia de Fortaleza (CE) terminou nesta quarta-feira (6/9) após nove dias; Ministério Público diz vai recorrer de decisão
O Tribunal de Justiça do Ceará absolveu, nesta quarta-feira (6/9), oito policiais militares envolvidos na Chacina do Curió, quando 11 pessoas foram mortas, três sobreviveram e outras três foram vítimas de tortura na periferia de Fortaleza na madrugada de 11 e 12 de novembro de 2015, logo após assassinato de um soldado em um roubo.
Os ataques ocorreram no intervalo de menos de 6 horas nos bairros do Curió, Alagadiço Novo, São Miguel e Messejana, com práticas de tortura tirando a vida de Álef Sousa Cavalcante, 17 anos; Antônio Alisson Inácio Cardoso, 17 anos; Francisco Enildo Pereira Chagas, 41 anos; Jandson Alexandre de Sousa, 19 anos; Jardel Lima dos Santos, 17 anos; Marcelo da Silva Mendes, 17 anos; Marcelo da Silva Pereira, 17 anos; Patrício João Pinho Leite, 17 anos; Pedro Alcântara Barroso, 18 anos; Renayson Girão da Silva, 17 anos; e Valmir Ferreira da Conceição, 37 anos.
Após nove dias, os jurados entenderam que os oito acusados não praticaram homicídio nem tentativa de homicídio por omissão imprópria. Com isso, Gerson Vitoriano Carvalho, Thiago Veríssimo Andrade Batista de Moraes, Josiel Silveira Gomes, Thiago Aurélio de Souza Augusto, Ronaldo da Silva Lima, José Haroldo Uchoa Gomes, Gaudioso Menezes de Mattos Brito Goes e Francinildo José da Silva Nascimento tiveram as medidas cautelares (obrigações para responderem o processo em liberdade) revogadas.
Assim que a sentença foi proferida, o Ministério Público apresentou recurso para reverter o resultado por entender que a decisão contraria as provas. “O MP entende que a sociedade não merece aquele comportamento de policiais militares, por isso interpusemos recurso”, declarou a promotora Alice Iracema logo após o veredito em coletiva de imprensa.
De acordo com a promotoria, os policiais ignoraram os chamados feitos à Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops), que faz o atendimento por meio do número 190 da Polícia Militar, pela população, deram informações falsas à central e não prestaram socorro a feridos e às vítimas que vieram a falecer.
Silvia Helena Pereira de Lima, 57 anos, mãe de Cícero de Paulo, um dos sobreviventes, e tia de Jardel Lima dos Santos, 17, um dos mortos, foi uma das pessoas que tentou recorrer à Ciops. “A gente se sente injustiçada porque a gente busca por justiça, mas isso também não abala nossa vontade que essa justiça aconteça. Muito pelo contrário, a gente está mais firme, querendo mais e mais seguir nessa luta”, declarou em coletiva.
O Movimento Mães do Curió, do qual Silvia faz parte e que reúne familiares de vítimas, lamentou a decisão. “Nós sabemos que, dessa vez, esse júri seria difícil porque eles [acusados] não são os autores do crime, mas eles foram omissos. Pela omissão deles, foi permitido que 11 pessoas foram executadas”, disse Edna Carla Souza Cavalcante, 50 anos, mãe de Álef Cavalcante, morto aos 17.
Esse foi o segundo de três júris populares que julgam 30 policiais envolvidos no massacre. Ao todo 45 PMs foram denunciados pelo MP cearense, mas 33 policiais são réus atualmente (um veio a morrer no decorrer do caso) na Vara do Júri de Fortaleza. Esse processo dos 33 foi desmembrado em três, sendo o primeiro com oito acusados dos quais quatro já foram condenados a 275 anos de prisão em junho. No segundo, são 18 réus, sendo os oito que foram absolvidos nesta quarta, outros sete que aguardam recurso em instâncias superiores e três que serão julgados na Justiça Militar.
Já no terceiro processo, são oito acusados que irão a julgamento no próximo dia 12 de setembro, conforme informações do Tribunal de Justiça, que aponta como o maior julgamento do judiciário cearense.
A Anistia Internacional publicou, nesta quinta-feira (7), nota em solidariedade aos familiares. “Ao longo desses oitos anos, seguimos exigindo, incessantemente, a ação contundente das autoridades do estado do Ceará para garantir a efetivação do direito à verdade, justiça e reparação às famílias das vítimas e sobreviventes, além de medidas de não repetição”, diz o texto. “Reiteramos ainda, que os resultados do Júri do Curió – um dos maiores júris policiais da história recente do país – poderá pautar importantes precedentes em âmbito nacional, no que diz respeito ao estabelecimento de parâmetros de não-repetição e quebra do ciclo de impunidade reiterada, sistemática e generalizada, que tem retroalimentado práticas de agentes do Estado que optam pelo engajamento em operações com uso excessivo da força ou em ações de uso letal da força para fins privados”.
O caso também é acompanhado pela Defensoria Pública, pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) do Ceará e pelo Comitê de Prevenção à Violência e pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Ceará.
A reportagem não conseguiu contatar os defensores dos oito policiais absolvidos.