Justiça arquiva inquérito de jovem morto por guardas em São José dos Campos (SP)

Juíz e promotor entenderam que agentes tentaram proteger jovens que estavam sendo agredidos por Luan Henrique de Lima, em dezembro; vídeo inédito obtido pela Ponte mostra como ação ocorreu

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) arquivou a investigação da morte de Luan Henrique Dias de Lima, de 18 anos, que se envolveu em uma briga e foi baleado por guardas municipais em São José dos Campos, no Vale do Paraíba, interior do estado, em dezembro de 2023.

Na decisão, o juiz Milton de Oliveira Sampaio Neto se limitou a dizer que concordava com as argumentações do Ministério Público de São Paulo (MPSP), que havia pedido o arquivamento. O promotor Luiz Fernando Guedes Ambrogi escreveu que os guardas municipais Edison Julio Alves Silva e Kael da Silva Petelak “agiram no estrito cumprimento do dever legal e em legítima defesa” porque ordenaram que um grupo de jovens, incluindo Luan, parassem de agredir um outro rapaz, mas não foram obedecidos e as agressões continuaram.

A Ponte teve acesso a um vídeo inédito de uma câmera de segurança que mostra a morte de Luan e que não foi mencionado no inquérito policial e nem no processo judicial. A reportagem mostrou o vídeo a dois peritos e ambos apontaram que as imagens podem contribuir para a interpretação de que os guardas atuaram em legítima defesa de terceiro, ou seja, para salvar a vida de uma outra pessoa. As imagens foram desfocadas para preservar as demais pessoas que aparecem na gravação.

No vídeo, há uma briga generalizada entre jovens que segue pela Avenida dos Sindicalistas. Um jovem passa a ser chutado e agredido por outros três, entre eles Luan, que parece espancar a vítima com coronhadas de uma arma de fogo. Em determinado momento, uma mulher tenta intervir e cai em cima do jovem ferido, enquanto Luan prossegue no espancamento.

É quando chegam ao local três guardas municipais em motocicletas. Como o vídeo não tem som, não é possível saber se os guardas dão alguma ordem antes de atirar em Luan. No momento em que é baleado, o jovem está em cima do jovem agredido e da mulher que havia caído. Luan cai e as pessoas que estavam debaixo dele o empurram para sair.

Para Willy Hauffe, presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF), a GCM “não teve outra alternativa para cessar a agressão injusta que estava ocorrendo” porque, como Luan estava armado em cima de duas pessoas, poderia ter feito outras vítimas.

https://ponte.org/guardas-matam-jovem-durante-briga-e-familia-contesta-versao-de-que-ele-estava-armado/

Já Cássio Thyone, membro do conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e perito criminal aposentado da Polícia Civil do Distrito Federal, entende que é uma situação complexa em que os guardas tiveram pouco tempo para tomar uma decisão. “Aquilo ali não era uma briga, era um linchamento”, pontua.

Para o perito, o vídeo deveria ter sido periciado e melhor analisado pela Polícia Civil em conjunto com as demais provas. Também não há no inquérito imagens de câmeras corporais dos guardas. “Eu, enquanto perito, não tenho condição de dizer que a legítima defesa de outrem é o enquadramento perfeito nem que ele foi equivocado nesse caso porque o que está em jogo ali é o risco de vida de alguém”, pondera Cássio.

O adolescente foi atingido por quatro tiros, três nas costas e um na cabeça. De acordo com os depoimentos à Polícia Civil, os guardas Edison Julio Alves Silva e Kael da Silva Petelak disseram que tinham sido acionados para atender um alarme de pânico emitido na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Campos dos Alemães, mas a enfermeira no local disse que a pessoa que “estava causando” já tinha ido embora. Assim, na volta para a base da GCM, ao passar pela Avenida dos Sindicalistas, a dupla viu três jovens espancando um outro caído no chão, diante de uma pequena multidão.

https://ponte.org/artigo-porteira-aberta-para-o-modelo-repressivo-de-guarda-municipal/

Os guardas afirmam que, ao se aproximarem, viram “um dos indivíduos com revólver na mão e agredindo com coronhadas o individuo que estava ao solo e o ameaçando com a arma de fogo de que o mataria”. A dupla afirma que ordenou a Luan que parasse com o espancamento, mas, como ele não obedeceu e estava armado, “foi necessário o disparo de arma de fogo pelo GCM”. Segundo o relato dos guardas, um rapaz de blusa vermelha fugiu levando a arma utilizada por Luan, que não foi apreendida.

O jovem agredido disse, no boletim de ocorrência, que estava com a sua namorada e a cunhada quando se envolveu “em uma discussão com cerca de sete homens, que o acusavam de estar olhando para eles, e estando três deles armados”. O desentendimento teria evoluído para agressões contra ele com uso de “garrafas, socos, tapas e coronhadas de arma de fogo”. Após a chegada dos guardas e a morte de Luan, a vítima foi socorrida ao hospital e depois levada à delegacia.

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A namorada do jovem agredido, que está grávida, relatou que desmaiou ao ver o começo da briga.

Antes de ter acesso à filmagem, a família contestou a versão dos guardas à Ponte e ao menos duas testemunhas disseram que Luan não estava armado. Ao terem conhecimento do vídeo, os pais disseram que ainda acreditam que os guardas executaram o adolescente.

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